quarta-feira, 14 de julho de 2010

FALTAM LEITORES

Houve um tempo em que os escritores datilografavam aqueles seus textos que almejavam transformar-se em livros. Colocavam-nos debaixo de braço e partiam para um périplo rumo às editoras tentando conseguir que sua obra fosse analisada quanto à viabilidade da publicação. Os donos das editoras eram, não raro, pessoas ligadas à literatura, jornalismo, história e afins. Além deles, havia o mais temido profissional que um pretendente podia encarar: o “agente literário”. Ele podia ser o próprio dono da editora ou um ilustre letrado, um crítico literário ou ainda um iniciado no ramo com uma visão abrangente do que fosse literatura. Com toda a objetividade e também toda a subjetividade que esse nome podia carregar junto com o seu portador. O agente lia e recomendava ou não a edição do livro. Uma vez que caísse no gosto dos leitores, então o escritor fazia contratos exclusivos com determinada editora (sempre ganhando muito pouco, na maioria dos casos) e tinha “encomendas” do editor para a próxima obra. Nos casos de sucesso retumbante, recebia um gordo adiantamento e podia dedicar-se algum tempo por conta de escrever, se quisesse. No entanto, é sabido que são pouquíssimos escritores no mundo inteiro que sobreviveram ricamente à custa somente de suas obras literárias. São os escritores dos best sellers e outros menos votados, mas donos de obras de alcance literário universal.

Em pouco mais de meio século a população mundial mais do que duplicou. Estamos próximos de atingir os sete bilhões de pessoas na Terra. As novas tecnologias da informação rápida, acessível a rincões do planeta nunca antes imaginados, possibilitaram que se tornassem públicos os milhares, milhões de escritores, diletantes e profissionais, principalmente através da internet. Escritores que já existiam e nunca sonharam que um dia pudessem dar vida às suas obras. Escritores potenciais que nunca se animavam a escrever, já prevendo com pessimismo que não iam encontrar quem se dispusesse a lê-los. Escritores que descobriram que tinham uma capacidade inata mas que nunca antes haviam se arriscado e só o fizeram diante da visibilidade imediata que a internet possibilita e por conta disso se desenvolveram com uma rapidez semelhante à da transmissão de dados. Se for elencar todos e todas as suas motivações, certamente daria um artigo à parte. A máquina de escrever foi aposentada definitivamente e num clique a gente pode colocar a obra no mundo em tempo real. O recurso do livro em volume de papel, porém, ainda continua sendo o sonho de 9 entre 10 escritores. Está aí o livro eletrônico, mas não se popularizou tanto ainda a ponto do nosso gostoso e inseparável livro de mão, de abraço e de cabeceira ser abandonado. Vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, mas ainda permanecem o prazer, desejo e o sonho daquele cheirinho de gráfica.

E o agente literário com esse fenômeno desapareceu antecipadamente do mapa editorial. Ele agora é o caçador de oportunidades de ganhos para as editoras que também proliferaram como coelhos. Não mais são pessoas ligadas necessariamente à literatura que estão no seu comando. São empreendedores comuns que farejam boas perspectivas de vendas e cobram dos iniciantes que queiram publicar. Na maioria dos casos, o autor além de bancar todo o custo de sua publicação ainda fica com o ônus da distribuição, a parte mais difícil, é bom que se diga.

Nessas inversões de situação, o que ficou faltando, no meu entendimento foi o crescimento no número de leitores na mesma proporção que cresceu o numero disponível de obras para a publicação, daí a supremacia das editoras mais agora do que já era antes.

Há inúmeros outros fatores que considero que contribuíram para emperrar algumas portas que poderiam ampliar o número de leitores, bem como facilitar a publicação de novos autores. O mundo tecnológico veloz vem cada vez mais cristalizando uma sociedade ligada a imagens e valores individuais. As leituras de imagens falam muito mais do que a leitura de um livro. A imagem da pessoa tem muito mais valor intrínseco do que o conjunto de sua obra. O que a pessoa representa enquanto alegoria mental de sucesso é mais importante na sociedade moderna do que as idéias que ela possa disseminar. São conjecturas o que aqui faço. É um sinal dos tempos que ainda não apontam em nenhuma direção específica. Eu prefiro chamar de crise geral do sistema de pensamento mundial. Estamos diante de uma tendência a um pensamento homogêneo, com ligeiros disfarces de resistências e farpas fragmentadas. Todos parecendo ter muito a dizer e ninguém arredando muito do lugar comum de uma organização social que elegeu o sistema de produção e aquisição de mercadorias e serviços como guia, como pilar do mundo. As contradições internas ao modelo de pensamento se limitam a melhorar o que já possuímos e de conservar aquilo que ainda não destruímos.

7 comentários:

Jaime Guimarães disse... 1

Cacá, dia desses estava lendo uma crônica do excelente Affonso Romano Santana que falava mais ou menos sobre este assunto abordado em seu (rico) texto.

Na verdade é um pequeno conjunto de crônicas sobre publicações e escritores. Começou falando de grandes autores com obras sendo recusadas não apenas por um, mas por vários editores ( imagine aí "Moby Dick" recebendo várias negativas, assim como "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust, Heminghway, Orwel, etc); mas eram outros tempos, realmente, e o escritor garimpava editores aqui e ali e principalmente se valia de alguns contatos valiosos ( como Machado de Assis teve no começo de sua carreira literária), sem deixar de lado o talento, é claro;

E hoje realmente tem muitos candidatos a escritores para publicar suas obras, mas saiu de cena o agente literário com "faro" e entrou o caçador de oportunidades, para o qual apenas talento não é o necessário.

Sem contar naquilo que Santana chamava de "instância legitimadora". O que é isso? Por exemplo, vamos supor que seu livro consiga um espaço de uma página no caderno cultural do jornal com maior tiragem do Brasil. É verdade que no país não temos muitos leitores e tampouco de jornais, mas não deixa de ser uma mídia poderosa; imagine um Faustão divulgando seu livro ( como ele faz com alguns títulos editoriais e DVD´s) em seu programa. Verdade que pode ser um público não muito afeito à leitura, mas se 1% ede sua audiência se interessar já será um grande feito.Isso é a "instância legitimadora", a mídia, tal como foi a Igreja Católica ou os Reis foram no passado ( as obras começavam sempre com alguma saudação a essas figuras "legimitadoras").

Há também essa crise que você citou e de como a sociedade é voltada para as imagens - e da forma mais passiva que puder. Os apressadinhos já declararam que o livro, neste formato que temos atualmente, está com os dias contados. Não sei: falaram o mesmo do vinil e não é que já vi até a edição vinil de uma típica banda dos anos 90 da era do CD outro dia em uma megastore? Não falaram dia desses que a TV iria "acabar"? Que pressa para se "extinguir" as coisas, não?

Abs!

gorettiguerreira disse... 2

Bom dia meu querido.
Esse relato seu vem mesmo nos trazer a nostalgia e a certeza de suas palavras que faltam leitores Cacá.
Nosso coração parece ter algo a mais que o olfato comum em relação a falta do cheirinho do livro, do papel em nossas mãos.
Um beijo de luz amigo.
Goretti

chica disse... 3

Uma pena isso,mas acho que é real.Acho que hoje os leitores querem mais coisas prontas, quase mastigadas...Assim, se aprecem os livreos mais elaborados, nem abrem.um abração,tudo de bom,chica

Sandra disse... 4

Com certeza faltam muitos leitores, amigo.
Eles querem tudo muito pronto. Basta olhar os nossos educandos. Não querem mais ler, estudar.. Acham que tudo é simples e facil. Mas esquecem o fundamentau que é uma boa leitura.
O conhecimento está neste momentos de lermos bons livros.
Um grande abraço.
Sandra

Sandra disse... 5

Gostaria de vim conhecer meu blog.
Este aui, estou feliz. Pois estamos em comemoração. Fica o convite

Estou muito feliz!!!
Quer saber por que???

ESTE BLOG ESTA COMEMORANDO.
VENHA VER!
http://sandraregina7.blogspot.com/
SUA PRESENÇA É MUITO IMPORTANTE.
Vou te esperar.Nossas conquistas dependem muito dos queridos amigos.
Juntos comemoramos.
Carinhosamente.
Sandra

pensandoemfamilia disse... 6

Caca de tudo que retratou considero que os leitores hoje estão impregnados pela velocidade e tudo que for mais rápido é que vence nesta corrida.
Obrigada pela sua presença em meu blog, enriquecido com seus comentários.

Miriam de Sales disse... 7

Cacá,muito pertinente seu artigo.Estão crescendo cada vez mais autores independentes q/ escrevem,publicam e comercializam suas obras,utilizando um novo cntexto de distribuição.Eu mesma n/ ponho meus livros em livrarias,onde será apenas "mais um" na prateleira;prefiro abordar o leitor,de forma elegante e fazer palestras,levar o livro às escolas,fábricas etc
Está dando certo. Abração

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