terça-feira, 31 de agosto de 2010

ESSA NOITE NÃO


O título acima é de uma música (abaixo) de Lobão que dei a interpretação que me coube no momento. Não é o caso aqui de inventar o que o compositor quis dizer com os versos e sim o que eu ousei. É que a solidão tem motivos variados. E acontece que eu estava pensando agora há pouco sobre  holofotes  que se acendem e se apagam criando luminosidades ou ofuscando caminhos.

Olha só como é que eu vejo algumas acontecências na vida: O instinto de sobrevivência humano era para ser apenas um mecanismo de defesa. Virou competição e nesse caso, a melhor defesa é o ataque. Não quer dizer que o ataque tenha o fim de matar um ou outro, apesar de acontecer muitas e muitas vezes, mas através de uma competição para o vivente sobressair acima de tudo e de todos. Ah, se não fossem umas leis... Já teria gente montando impérios como na moda antiga, cheios de haréns, escravos e súditos. Vontade é que não falta por aí.

A busca da fama, o desejo de reconhecimento, a população que aumentou demasiadamente, o talento do ser humano, a inteligência, a imaginação e a criatividade não comportam tudo o que todos querem e nem todos se satisfazem com uma pequena notoriedade. Tem-se que ser o maior, o melhor. Tudo e todos ao Sucesso. Assim como se produz essa máxima no mundo dos negócios, se reproduz na vida pessoal. A necessidade de se sobressair pode levar à glória se tudo der certinho, seja por talento puro, esforço descomunal, fraude ou apenas sorte. Ou à depressão se as coisas não se efetivarem conforme se deseja. Também pode levar a um inconformismo marginalizante ou ainda pode levar a um auto-extermínio. Poucos se contentam com a efemeridade e a não imortalidade em vida. Nem que seja apenas um reconhecimento em família. Afinal, a vida vive procurando sentidos e levando a gente junto, não é mesmo?

A cidade enlouquece sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

As cortinas transparentes não revelam
O que é solitude, o que é solidão
Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo
Seus fantasmas, seu enredo, seu destino
Toda noite uma imagem diferente
Consciente, inconsciente, desatino

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PODE SER COINCIDÊNCIA


Sexta feira treze ainda tem um restinho de mistério guardado na cabeça de muita gente antiga. Perdeu seu encanto para a modernidade que desmistificou quase tudo  quanto era estranho e não sabido pela ciência que ajudou a tirar a graça de muito medo bom e ruim que a gente tinha. Não que eu seja tão antigo, mas sendo cronista, tenho quase a obrigação de arranjar alguma graça ainda nesses tempos onde o suspense fica por conta apenas do medo do que os vivos vão aprontar diante da falta de paciência que reina no nosso meio.

Viajei para São Paulo numa poltrona atrás da 13, onde uma senhora dividia o assento com um jovem, que a princípio pensei ser  seu filho. Hoje em dia só mesmo filhos para ter tamanha paciência com alguém mais velho e ainda mais atrapalhado. O celular dela não parava de apitar, sua poltrona não parava no lugar, pois ela sabia como se ajeitar com a alavanquinha de reclinar. Levava um lanche de pão com mortadela com aquele cheirinho gostoso de se sentir de madrugada dentro de um ônibus cujas janelas não se abrem por causa do ar condicionado, verdadeiro guardador de odores. Desculpava-se de minuto em minuto com o seu companheiro de viagem, que tentava em vão dar uma cochilada. E ainda numa poltrona mais atrás um jovem com um MP100000 tocando uns funks numa altura ensurdecedora. E ninguém dormia. Ele fez questão de desplugar o pino dos fones de ouvido para socializar o som com os passageiros. Já repararam como as pessoas gostam de socializar coisas que irritam? Ninguém lhe oferece um concerto de música clássica para dividir num espaço coletivo, só titum-titum-titum com som de carro alto, conversas indiscretas aos celulares e notícias trágicas. A senhora no meio da viagem ainda teve uma dor de barriga, usou o banheiro do ônibus e demorou a fechar a porta quando saiu. Imagine o cheirinho no recinto com o ar seco, parado e frio? Sem superstições, eu comecei a achar que algo não ia terminar bem na minha ida. Uma noite inteira sem dormir, às sete da manhã, chego ao hotel, reservado com uma semana de antecedência, o recepcionista me diz que só haveria vaga a partir de 13 horas.

domingo, 29 de agosto de 2010

BEBEZÃO

Eu e a magnífica escritora e amiga Rosa Pena na bienal do livro em SP dia 14/08/10

UMA RESENHA DA ROSA PENA PARA O MEU LIVRO


Difícil escrever uma resenha quando fala mais alto a emoção. Fica, portanto, uma crônica de vida corrida. Ah! Ela tem me obrigado a praticar Cooper existencial.

Mas,
é que de repente, não mais que de repente ganhei um amigo e estou na tentativa de ficar isenta de carinho para escrever sobre o livro dele, não por retribuição por ele ter escrito sobre o meu livro. Não estamos fazendo álbum de elogios, não precisamos trocar figurinhas. Escrevo por ter gostado demais de ler A vida do bebê quarentão.

Deixo a lua e venho para o micro buscar as palavras que descrevam o novo livro de José Cláudio Adão. De cara sinto o humor inteligentíssimo do livro A Vida do Bebê (segunda parte - de 40 para frente). O título já é a prova do que disse anteriormente. Muito bem bolado!


O livro traz fatores essenciais para o bem viver nessa segunda metade da vida. Ele, porém, deixa claro que não é auto-ajuda, mas se a existência (à vera) começa aos quarenta, onde costumamos dizer que aprendemos tudo e ainda não esquecemos nada, fica a pergunta no ar... Por que tanta crise nessa idade?


José Cláudio nos dá algumas das respostas que o início da maturidade adora questionar e junto nos dá (entre boas reflexões), saudáveis puxões de orelhas e risadas.


Na minha eterna falta de tempo comecei a ler e o bendito apareceu. Junto com ele a consciência de tempo ganho, bem aproveitado, pois valeu a pena ler cada linha desse excelente escritor mineiro.


O cotidiano pode ser uma maravilha. Como disse Johnny Alf: "O inesperado traga uma surpresa". E trouxe daquelas boas.


Experimenta e depois não diga que não
confia em ninguém com mais de trinta! Com menos? Nem nasceu né Zé Cláudio? 












sábado, 28 de agosto de 2010

AMOR E ÓDIO


O egoísmo sendo instinto de sobrevivência no homem, a ganância sendo adquirida e, tendo ele ao longo de sua história desenvolvido relações sociais em que prevalece a propriedade particular dos bens que produz, criou-se um estado mental coletivo da posse material e não se separou isso das relações afetivas. Por isso (creio), confunde-se muito amor e posse. Será que o sentimento de ódio advém daí?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

SOBRE O PLÁGIO


Diz o Fernando Pessoa que o poeta é um fingidor
Embora não dissesse que fingidor rimasse com trapaceiro.
Não sou, portanto enganador.
Isso me mantém inteiro

Não misturo alho com bugalho
Não iludo o outro, isso é do baralho
Se alguma vez fingi
foi para não causar mal, taí!

“O que sou nunca escondi
Vantagem nunca contei”
Esta frase não é minha,  me rendi
É do Vandré, pronto, falei

Digo apenas que um sonho meu a continha
Posso até virar ator, menos simular autoria
Plágio é coisa mesquinha
Se fizessem comigo eu rebelaria.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POEMINHA BOBINHO


Entrei no estabelecimento,
para a moça disse bom dia!
E para perguntar o que eu queria
ela me respondeu com “oui”

Eu com cara de bobo, logo respondi
Oui ou uai?
Ela sem entender
Quis aprender  mineirês

Enquanto na França é sim o tal de oui
Em Minas o uai explico a vocês
Basta ter um espanto para gente dizer
Já o que significa, quem é que vai saber?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O HOMEM FINANCIADO


“E ainda por cima...
Tem que pagar prá nascer
Tem que pagar prá viver
Tem que pagar prá morrer...”
(Trecho da música Pare o Mundo que Eu Quero Descer, de Silvio Brito).

A dívida nasceu no mesmo tempo que inventaram o dinheiro. O que faz com que uns tenham dinheiro e outros não tenham constitui a própria história da humanidade. Não daria pra falar aqui numa simples crônica de mais um endividado entre milhões de pessoas pelo mundo. Mesmo que a gente não possua aquelas dívidas de arrancar os cabelos, não há como escapar dos compromissos financeiros que nos acompanham do dia do nascimento até a morte. E nem estou falando das dívidas interna e externa de cada país. Essas a gente paga, paga, paga e continuará devendo por todos os séculos e séculos, amém.

Fiz uma imagem mental de minha árvore genealógica e gostaria bem de saber desenhar para ilustrar ricamente o assunto. Ricamente no sentido figurado, pois ela terá muito poucos galhos pendendo para o chão pelo peso da fortuna que eventualmente algum ancestral meu tenha possuído. O meu caráter atávico não diz muito a respeito de riqueza material. Só se for um atavismo assim de umas dez gerações para trás. Algum avô muito antigo que tenha sido um áulico de palácio em algum lugar de Roma, de Portugal ou um rei africano muito antes de começar o processo de escravização lá por aquelas bandas.

O meu pai pagou para mim em prestações o hospital, a escola, o supermercado, a farmácia e o açougue para me sustentar a infância. Tudo pertencia à empresa onde ele trabalhava e não tinha direito a inadimplência, pois era descontado na fonte, mês a mês, tal como o leão da receita federal faz hoje com o imposto de renda dos assalariados. Cresci e arranjei logo um emprego para ajudar no restante da caminhada. Família enorme, dinheiro curto, a gente tem que dar os pulinhos logo cedo. Estudei em escola pública e particular, o que não quer dizer que eu não pagasse pelas duas. Pagar para morar e comer, é uma dívida que a gente considera natural (desde que tenha dinheiro). Ou não considera natural se for um ilustre membro da elite representativa dos poderes legislativo, executivo ou judiciário. Nesse caso é natural eles não pagarem e é natural a gente pagar por eles. Só mais uma dívida que nem levamos em conta.

A seqüência nem é preciso falar dela, pois depois que se tem filhos a dívida vai passando pra frente. Mesmo se você for rico e deixar uma fortuna para eles, em algum momento há a relação de dívida. Se não for de sua prole, vai ser de quem for trabalhar para ela e assim sucessivamente.

Portanto, me considero um homem absolutamente financiado. Em suaves prestações, vou pagando cada parcela do meu empréstimo eterno com esforço, ora sob protestos, mas com alegria também.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O PODER E O DINHEIRO (OU O DESIGUAL E NÃO COMBINADO)


Desde a descoberta do fogo, o homem investiu-se de poder. Aquela rodinha de pessoas sentadas ali jogando conversa fora, riscando pedras no chão, de repente sai uma faísca, queima a mão daquele mais agitado, pois esfregava com mais força e ele vê e sente o fogo pela primeira vez. O chão, provavelmente cheio de gravetos e folhas secas, incendiou-se e a turma em volta, por ignorância completa, começou a reverenciar o felizardo como um ser dotado de poderes misteriosos. O cara passou a ter poderes que nem ele mesmo sabia, mas também não era bobo e soube tirar proveito disso muito bem. Estava inventada a submissão; o dominado e o dominador; o rei e o súdito; e o popular “quem manda e quem obedece”. 

Daí para  aquele tem e o que não tem foi um pulo. Nem é preciso voltar muito longe no tempo histórico: vejamos os casos das pirâmides do Egito antigo. Alguns homens já haviam se transformado em reis, com status de deuses. Mandaram fazer pirâmides de blocos pesadíssimos de pedras, algumas equivalentes a prédios de 10, 12 andares - sem guindastes nem carrinhos de mão. Somente para que fosse enterrado um homem e mesmo assim com todos acreditando que ele ressuscitaria, coisa que mais tarde, só Jesus teria conseguido sem precisar de nenhuma humilhação ou exploração de outro ser humano.

Enfim, acho que esse é o princípio da desigualdade social. E como o homem já sabia desde remotas eras que navegar era preciso, se espalhou pelo mundo e a maior prova disso é que há pirâmides no México, no Peru, na China e nos EUA, dentre as muitas descobertas mais recentemente. Isso bagunçou para sempre os instintos primordiais do homem que dá início com esse episódio, ao processo de civilização.

O poder e o dinheiro desvirtuaram tudo quanto é pureza de sentimentos. O que começa com uma emoção forte e verdadeira, tem que ser “enquadrado” na hora de estabelecerem-se relações humanas. O perde e ganha assume a ponta das conversações, intenções e palavras, senão é prejuízo na certa para uma das partes.

Os tais instintos humanos primordiais que era para evoluírem de instintos para sensações e daí para sentimentos  - numa perspectiva cristã - perderam-se numa confusa definição do que seja fraternidade, amor e felicidade. O amor, por exemplo, tornou-se uma relação afetiva jurídico-administrativa. Aquela história de meu bem antes, meus bens depois, sabe?

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

UMA VISTA PARCIAL DA BIENAL


Depois de oito dias enfurnado entre o quarto de hotel e o galpão do Anhembi, cá estou para lhes contar as novidades, para mim surpreendentes sob todos os pontos de vista. Surpreendentes não tanto pelo caráter inusitado, novo ou extraordinário, mas pelo fato de eu estar presente no contexto como participante. Então, o olhar se torna mais filtrado do que eu mesmo esperava. No espaço gigantesco formado por 15 ruas cruzando com quinze avenidas literárias e  margeadas por praças gastronômicas aconteceu a bienal do livro de São Paulo. Foram cerca de 350 estandes, representando mais ou menos 900 selos de editoras nacionais e estrangeiras. Pelos meus cálculos estimados,  só de autores nacionais, havia mais de 90.000. Desses, a esmagadora maioria eram autores novos.

Como numa feira qualquer, vale a qualidade do marketing mais do que qualquer outro quesito para se vender algum produto. O quesito da qualidade é restrito aos iniciados, entendidos e amantes da literatura. O grande público vai à bienal como vai a uma feira qualquer: para se misturar à multidão, coisa própria do espírito gregário humano, para comer, para sair da rotina, para encontrar pessoas e para comprar livros também, apesar desse último ato ser limitado pelos preços proibitivos que as editoras praticam ainda no Brasil. A seleção já começa por um estacionamento a 25,00; ingressos a 10,00 e um cafezinho a 3,00. Imaginem o preço dos livros... De qualquer forma, é um evento que coloca quase todas as editoras brasileiras em contato com o público leitor, observador e negociador. São coisas do capitalismo.

Para quem está começando e quer trilhar o caminho da literatura, há que se contentar em ver a bienal como uma espécie de pedágio no trajeto, um ponto de parada importante para continuar a andança pela estrada pedregosa e difícil de ser vencida. Nunca um ponto de chegada. No entanto, é um entreposto importante para deixar a marca do que foi feito até ali e uma impressão do que mais pode ser feito. Assim, ela ( a feira) abre mais portas que serão encontradas à frente com mais facilidades; comparativamente eu diria, barateando os próximos pedágios. Caminhos paralelos também são mostrados e as possibilidades de melhorar as escolhas vão crescendo, desde que o novo autor não se deixe abater pelo desânimo, pela falta de determinação em seguir em frente.


FOTOS DO EVENTO

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CONVITE

Minha gente querida!
A partir de hoje até a semana que vem, devo me ausentar daqui. Vou participar da Bienal do Livro em São Paulo e farei, inclusive, um lançamento do meu livro. Digo "devo me ausentar" porque não sei se aguento ficar sem marcar presença por aqui durante tanto tempo. Talvez eu dê mas escapulidas para postar alguma coisa. Ler vocês eu vou ler sempre. Aproveito e deixo aqui o meu convite e se puder ter a honra de receber qualquer um(a) de vocês lá, a satisfação será enorme. Deixo o meu abraço e um até breve. Paz e bem a todos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MEU ESTADO DE SER FELIZ


Banalidades não consomem meu bem estar interior procurando a enganadora aparência de profundidade naquilo que é um jeito facinho de ser feliz. Não encontro em nenhuma superficialidade algo além do transitório, sinônimo poético de “efêmero.” A integridade que me sustenta as pernas através do que alimenta meu corpo precisa se ajuntar à outra integridade retirada de onde eu busco meu alimento para a alma.

A tentação do consumo não me corrói irresponsavelmente as finanças e não rôo unhas por causa do nervosismo diante de algum bem que não posso ter ou que pude e me arrependi por não ser bem aquilo que me satisfaria além de alguns momentos. O efeito da impulsividade é assim: lembra-nos em poucos instantes que tudo é passageiro em termos de matéria.

Apesar de não ser muito favorável a muitas permanências, elas são fundamentais no quesito satisfação que caminha em direção à tão sonhada felicidade.

As raivas que sinto, sinto exaustivamente, feito um estóico que busca no sentido da dor o aprendizado. Azar, se dizem que não é necessário. Que posso fazer se assim é que me sinto fortalecido? Me aquieto até digerir bem e depois fazer uma espécie de dreno em forma de superação, compreensão e resposta escrita ou falada, mas não vaga. Nem o famoso deixa pra lá, nem a ofensa de revide. Vejo depois de um balanço que 99% dessas raivas eram desnecessárias. Senti, não me exaltei, não fui impulsivo a ponto de reações explosivas, de resultados catastróficos. Então a minha saúde cardíaca e mental acabam agradecendo em forma de depurada calmaria. Sou um obstinado combatente das urgências cujos efeitos colaterais nas minhas ações diante delas me adoecem o corpo e o espírito.

Assim chego a um lugar onde pode ser o topo: um bem elevado estado de auto estima; e assim sendo, eu me amo. É verdade, me amo sabendo que esse é o condicionante inseparável para que eu possa amar o outro. Sem esse composto organo-psíquico tudo o mais é balela se insistir para dentro ou para fora em dizer que amo algo ou alguém. Terá sido uma manifestação de carências sobrepostas tentando encontrar amparo disfarçadamente em quem nada tem a ver com isso.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ACONCHEGO


“São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar”
(Gente Humilde, de  Garoto)


Tem uma crônica minha chamada Esquisitices, onde trato de um tema que muito me apraz: o comportamento das pessoas da porta para fora de suas casas. Isso pode me livrar da pecha de fofoqueiro porque não falo de ninguém em particular. Por outro lado, pode me carimbar como boca nervosa por falar genericamente de todo mundo. Eu afirmei que as pessoas que se mudam do interior para a cidade grande em vez de influenciarem nos modos de ser da cidade, acabam absorvendo dela seus modos de ser, a meu ver menos amistosos do que os hábitos que elas possuíam antes.

Na antiguidade havia muitas invasões e o povo dominado depois de muito apanhar como escravizado que se tornava, influía significativamente nas hordas de bárbaros sem modos nenhum de civilidade depois que passavam a conviver no mesmo lugar. Uma espécie de tapa de luvas sem intenção.

Morei no interior, vim para a capital, voltei para o interior e voltei novamente para a capital. Nessa peregrinação laboriosa deu para observar muita coisa interessante. As pessoas na cidade grande já estão chegando naquele estágio onde um desejo de bom dia, em vez de alvíssaras, está se tornando uma provocação. Abordar alguém para pedir uma informação pode se tomar uma porta na cara, uma despistada ao celular, uma cara de paisagem ou a transformação do abordado na própria paisagem, poste, por exemplo. Isso sem falar nos xingamentos eternos no trânsito, nas faltas de educação no comércio, nas casas fortificadas que, se a gente precisar pedir uma água, morre de sede na maioria dos casos. Tem muita falta de educação, por exemplo, escondida por trás da desculpa de medo da violência urbana.

No interior não quer dizer que as pessoas não tenham seus medos e desconfianças; hoje em dia isso está contaminando irremediavelmente a sociedade, mas lá ainda é uma escola de delicadeza e generosidade humanas. A minha companheira de viagem da última que fiz ao interior, que pouco conhece fora de Belo horizonte, precisou entrar numa casa próxima da entrada da cidade para ir ao banheiro. Não aceitou fazer no mato de jeito nenhum, nem encarar os banheiros de beira de estrada, que equivalem a um potencial de insalubridade em escala exponencial. Demorou tanto que cheguei a pensar que fosse uma daquelas dores e barriga intermináveis. Fui até lá bater á porta para saber o que se passava. Para minha surpresa, estava num animado bate papo com a dona do lar, numa mesa com um café, bolo de fubá, queijo e uns biscoitinhos caseiros. Uma delícia que acabei provando ao mesmo tempo em que a avisava do horário de nosso compromisso. Muito contrariada, ela se despediu da senhora aos beijos a abraços entusiasmados. No carro me disse se sentir a pessoa mais importante do mundo, pelo tratamento tão hospitaleiro que recebeu e na volta deveríamos passar lá novamente para agradecer mais um pouquinho ao jeito que ela chamou de simples daquela boa mulher, mesmo eu dizendo que isso era muito comum. Acho que isso alterou alguma coisa no modo dela enxergar as relações humanas. Toda vez que a vejo novamente ela não deixa de tocar no assunto com uma satisfação a olhos vistos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O PONTO G



ARCANJO* E O PONTO G

A começar por uma questão semântica, o G pode perfeitamente ser confundido em uma hora completamente imprópria, com  um lugar genérico, sem gosto de alguma coisa surpreendente. Quando se percorre um caminho desconhecido, o melhor é perguntar a quem o conhece, que seria o(a)parceiro(a). É dos dois gêneros, pois andam dizendo por ai que os homens também possuem o tal ponto clímax. Arcanjo foi às ruas, o lugar ideal para pesquisar sobre o assunto, já que entre quatro paredes só interessa a quem está lá dentro. E se achar, jamais alguém vai sair falando por aí onde é para não fazer uma propaganda que depois pode gerar desgosto ou ciúme se o(a) parceiro(a) resolver mostrar pra todo mundo. Eis alguns depoimentos:

1
- Moço, pela hora (eram 18 hs), o meu ponto G deve estar chegando em casa.
- Como assim, chegando em casa?
- É o Genival, moço, aquele  homem é uma fera. Parece um rei Midas da lascívia. Tudo enquanto é lugar que ele toca em mim arrepia. Uhhh! Tchau.

2
- Olha a que ponto eu cheguei, meu rapaz. Eu já estava tão desencantado com isso que eu fui procurar o ponto G na literatura. Então li em algum lugar, depois de muita bobagem que andam escrevendo por ai, que o tal ponto era na nuca da mulher, bem abaixo de onde termina o couro cabeludo e começa o pescoço propriamente. Sabe ali atrás, onde estão aqueles pelinhos fininhos, onde parece ser o lugar onde a mulher tem o cabelo mais liso? Pois é, Diziam que ali, com um leve sopro, ou mesmo uma fungada, não haveria resistência a ser vencida mais. Quase consegui. As mulheres que tive depois disso foram todas unânimes em negar. Teve até uma que me disse que eu havia chegado mais ou menos no D, mas que faltava ainda muito empenho e desempenho para atingir o G.

3
- Não falo disso em público não, meu senhor.
- Mas por que? É por timidez, para preservar a privacidade?
- Não! É que eu descobri mesmo. Infalível. Mas vou ganhar algum dinheiro com a divulgação inédita em um livro que estou preparando.
- Já não tem livros demais tratando desse assunto e até hoje permanece um mistério, pelo menos para a maioria?
- Aí é que está o “pulo do gato”: é pelo título e pela sinopse que se atrai a maioria. Já combinei com o editor. O livro virá lacrado que é para não quebrar o encanto nem o editor, claro, e as pessoas vão continuar comprando como sempre fizeram. Não estou querendo dizer com isso que seja um engodo. Apenas reservo a surpresa que vai revolucionar a vida sexual e evolucionar a minha vida financeira.

4
- Já ouviu falar em sexo tântrico, moço? Essa modalidade leva em conta que temos mais de seiscentos pontos de sensibilidade na nossa pele. Então, quanto mais tempo e exploração, mais você descobre que o corpo possui um alfabeto erógeno inteirinho. A gente nessa correria do dia a dia acaba achando que eficiência no sexo também é chegar e levar o parceiro a orgasmo o mais rápido possível, quando é exatamente o oposto. Teve uma época que eu achava que minhas mãos e minha boca é que eram o ponto G. Até aprender, cheguei atrasada no trabalho umas vezes, quase fui demitida.

5
- Lá em casa esse tal de ponto G se chama ponto Ó. A gente combinou, vai namorando, se roçando, se relando e um vai falando pro o outro:
- É aqui, ó! É ali, ó. Entendeu?

6
- Moço, vou lhe contar um caso de um colega. Ele se acha o próprio ponto G. Só porque a amada dele (que ele diz ser muito gritadeira) na hora de partir pro inferno**, urra muito palavrão e outras coisas. Mas o que ele mais gosta de ouvir são os elogios com g, tipo vem meu garanhão, meu gostosão, meu galinha, meu glutão... O cara agora diz que o ponto G é ele. Pode?

_____________________________________________
* Arcanjo Isabelito Salustiano, o filósofo das ruas é um personagem que eu criei.
**partir pro inferno é uma expressão popular para o momento do orgasmo.


P.S: Esta crônica é baseada na notícia divulgada no endereço abaixo:

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ECA!!! *


ESTE ARTIGO É UM ENSAIO SOBRE AS MUDANÇAS PROPOSTAS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) QUE ESTÁ COMPLETANDO 20 ANOS DE VIGÊNCIA COM INCLUSÃO DE PENAS PARA PAIS QUE DEREM PALMADAS NOS FILHOS.

Pouco a pouco o estado vai assumindo aquela condição do fantasma do monstro abominável de um passado não muito distante. Representaria o comunismo no seu estágio mais extremista. Ele seria as mãos e os pés dos homens e mulheres para que estes pudessem se dedicar a seu serviço. Um monstro do tamanho de um bairro, de uma cidade, de um estado, de um país.

A ameaça campeava solta pelo imaginário popular disseminada pelo seu inimigo mais temido: o outro lado do maniqueísmo que representava o capitalismo, onde o estado era apenas um agente regulador de pequenas normas de conduta gerais e o resto era a liberdade plena, absoluta. Tanto a liberdade de ir e vir como a de estabelecer meios de se ganhar a vida como cada um achasse melhor. Tanto que os mais radicais desse lado, na sua anti-propaganda diziam que comunistas comiam cabeças de crianças. Não era mais o “vou chamar tutu pra você.” Era vou chamar um comunista pra você, se não se comportar.

O comunismo sequer chegou a ser implantado tal como foi preconizado pelos seus teóricos. Foi uma aventura onde a sede de poder do homem tomou o lugar dos princípios de igualdade ampla geral e irrestrita. Os modelos que o mundo experimentou foram um mal sucedido engessamento das liberdades individuais e uma igualdade onde quem mandava era mais igual do que quem obedecia. Foi tentando se manter a ferro e fogo e não podia dar em outra coisa: a resistência interna nos respectivos países e uma pressão externa que o tornou insustentável. Chegaram a construir muros para tentar isolar-se das tentações do mundo maravilha do capitalismo também desigual, mas onde o homem era livre. Livre pelo menos para poder escolher a qual dono ia se submeter. Lá atrás dos muros era um só dono, o estado totalitário.

Nas suas teorias, Marx** chegou a dizer que a idéia era uma sociedade onde o homem pudesse caçar de manhã, pescar à tarde e fazer crítica literária após o jantar, numa metáfora da suma e perfeita liberdade, das possibilidades de escolhas e da associação do trabalho com o prazer naquilo que não ultrapassasse as necessidades de sobrevivência. Não haveria riqueza extrema nem pobreza absoluta em termos materiais. O prazer viria como consequência, ao final de cada jornada, quando o tempo seria dedicado ao ócio que alimentasse o espírito. Bonito, né? E eu ainda acrescento aqui o que ele esqueceu de dizer: poderia namorar também nas horas livres, afinal, ninguém é de ferro!

Nessa queda de braços, estruturas vão se rompendo na marra. Na contra-propaganda, pelo terror psicológico e em último caso, através da violência. Isso altera significativamente o ritmo da vida de todos e a vida doméstica, principalmente. As relações se pautam no que acontece de fora para dentro e não o contrário. E tudo o que resulta de ruptura drástica, deixa perdido um rastro que seria o guia para o novo e deixa um caminho desconhecido à frente. Acho que os valores tradicionais que tanto foram questionados foram rompidos a pretexto de se criar um novo padrão comportamental e não houve um necessário e saudável debate com a comunidade envolvida. O rompimento é executado por rebeldes e a ordenação pelos “iluminados” ou gente de boa intenção que tenta a todo custo colocar as coisas nos eixos e se vê impotente. Não incapaz, mas impotente por que no meio do caminho há pragmatismos e interesses os mais variados. Os pais ficaram literalmente perdidos diante de tantos direitos sem a contrapartida da autoridade que lhe foi de certa forma subtraída pelo clamor geral de liberdades. Hoje até para um cachorro temos que fazer deferência em público sob pena de sermos execrados como maus. Corrigir um filho rispidamente na rua, é risco de linchamento. Nesse vazio psico-pedagógico, surge a figura do especialista. Hoje há especialista até em unha encravada. Gente que se arvora em aconselhar educação de filhos sem nunca ter tido um elabora manuais que são seguidos até mesmo por causa da falta de tempo dos pais de se dedicarem aos filhos. É, creio, uma forma também de expiação de culpas (seguindo-se o que manda o manual e em concordância com o senso comum está se fazendo o certo). Acho que é nesse vácuo que nascem as leis feito o ECA. De um lado, há abusos, de outro, há incapacidades pedagógicas. O estado num esforço de equilibrar as tensões age. É certo? É errado? Acho que são iniciativas. Ainda vamos passar por uma longa transição (que a meu ver vai deixar seqüelas em toda uma geração), mas é o preço que pagamos por acreditarmos mais nas coisas do que pensarmos nelas. 

O tapa passou a gozar de um status da maior violência que se pode cometer contra uma criança. Acho que há violências piores, sem que se encoste um dedo numa criança. Abandono, fome, chantagem, castigos no escuro, palavras de rejeição, enfim, é realmente polêmico e não quer dizer com isso que eu defenda uns tapas. Também sou contra toda espécie de violência. O que eu acho estranho é o legislador não se preocupar com o tecido social inteiro. Vai fazendo remendos que podem não resultar em uma bela colcha de retalhos. É temerário deixar que o estado tome conta de assumir de forma tão acintosa a educação dos filhos. Pode resultar em frangalhos.
Esta é uma opinião ainda em ebulição.


* O título com exclamação é um trocadilho infame que eu fiz
** Karl Marx, A Ideologia Alemã, ed. 1976, pg. 46.

sábado, 7 de agosto de 2010

BOM EM QUALQUER ÉPOCA - ALMA NUA


Há tanta produção literária por esse mundão, tanta coisa que tanta gente tem acesso e muito mais coisa que tanta gente não tem que, pelo bem do conhecimento humano e da literatura, acho que toda oportunidade que tivermos para aumentar a visibilidade de textos bons não pode ser perdida. Selecionei alguns que acho precisam de quando em vez ser divulgados pelas suas qualidades inumeráveis. É só mais uma forma de dar ainda mais vida à sua imortalidade. Só lendo para qualificar. E isso cabe ao leitor.



MINHA HOMENAGEM A TODOS OS PAIS DA BLOGSFERA



ALMA NUA - Vander Lee

Ó Pai,não deixes que façam de mim
o que da pedra tu fizestes
e que a fria luz da razão
não cale o azul da aura que me vestes.

Dá-me leveza nas mãos
Faze de mim um nobre domador
lançando acordes e versos
dispersos no tempo
pro templo do amor.

Que se tiver que ficar nu
hei de envolver-me em pura poesia
e dela farei minha casa, minha asa
loucura de cada dia.

Dá-me o silêncio da noite
pra ouvir o sapo namorando a lua

Dá-me o direito ao açoite
ao ócio, ao cio
a vadiagem pela rua.

Deixa-me perder a hora
pra ter tempo de encontrar a rima
ver o mundo de dentro pra fora
e a beleza que aflora de baixo pra cima.

Ó Meu Pai, dá-me o direto
de dizer coisa sem sentido
de não ter que ser perfeito
pretérito, sujeito, artigo definido.

De me apaixonar todo dia
de ser mais jovem que meu filho
e ir aprendendo com ele
a magia de nunca perder o brilho.

Virar os dados do destino
de me contradizer, de não ter meta
me reinventar, ser meu próprio Deus
Viver menino, morrer poeta.

Vander Lee



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

NÃO ERA HORA DAQUILO


Ultimamente tenho dedicado algumas horas a procurar umas músicas tão cantadas muito tempo atrás e desaparecidas completamente das paradas. A música de boa qualidade está numa crise braba. Quem não achar pode dizer o contrário. Eu digo que é a que eu me acostumei a gostar e estaremos resolvidos na preferência pessoal.  Os grandes compositores estão numa espécie de férias, eu quero crer. Dos novos talentos posso destacar muito poucos. Uma hora vou falar deles.

As músicas que marcaram época nos foram apresentadas pelos grandes festivais que existiram num passado muito fecundo de idéias e efervescência cultural no mundo e o Brasil foi um celeiro de grandes manifestações. Embora esta última frase que fiz pareça um artigo cheio de clichês de crítico de arte, é a mais apropriada que encontrei. Música também sempre foi associada a movimentos, a vanguardas, uma espécie de abrigo às idéias que circulam no mundo. E a nossa tumultuada última metade do século vinte ofereceu um prato cheio à criação.

As músicas de protesto contra a moral e os costumes abrigaram-se no Tropicalismo. Aquelas que protestavam contra o regime político ganharam o país como verdadeiros hinos clandestinos de uma geração engajada nos movimentos de transformação e rebeldia; “os subversivos” como eram saudosamente chamados quem compunha e quem ousava comprar disco deles. (Êta saudade de uma subversão!). Chegamos a ter um policiamento entre os próprios artistas, isolando-se os românticos, considerados alienados de um lado, na jovem guarda, e os subversivos engajados de outro, no Tropicalismo. E tinha os independentes ou marginalizados pelos dois lados. Vejam um exemplo: Antônio Carlos e Jocafi eram uma dupla adorável de baianos, produziam uma espécie de samba canção lento e delicioso. O mais notável e mais conhecido foi VOCÊ ABUSOU, onde, numa analogia poderiam estar se defendendo da condição de alienados ou fazendo apenas um protesto a uma amada intelectualizada. Pra um bom entendedor, uns versos bastam:

“...me perdoem se eu insisto nesse tema, mas não sei fazer poema ou canção que fale de outra coisa que não seja o amor.”
 “Se o quadradismo dos meus versos vai de encontro aos intelectos que não usam o coração como expressão...”

Por onde andarão? Eles eram muito bons, mesmo.

Vandré, caminhando e cantando, conformou-se com a derrota numa final de competição musical dizendo que “a vida não se resumia a festivais.” Chico e Jobim foram sonoramente vaiados como  vencedores com a romântica “Sabiá” num festival. Mal interpretada pelo público, que não entendeu as metáforas da letra da canção. Estes são, no entanto, um caso à parte. Transitavam bem em qualquer modalidade, estilo, nota e melodia. Até o Raul  Seixas entrou na rebeldia, ele que era rotulado um eterno rebelde de outra galáxia, acabou dizendo que, no fundo, no fundo, todo mundo queira mesmo era vender discos:
“ Mas é que agora pra fazer sucesso, para vender disco de protesto, todo mundo tem que reclamar?...”
Quanta saudade!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MUDAM OS MOSQUITOS...


O preconceito não acaba. Ele muda de lugar, de forma, de manifestação. Isso é o que podemos constatar ao longo da história. Desenvolve-se uma convivência pacífica com ele (às vezes na marra), em nome de um aparente bem comum e seguimos vivendo como uma civilização em constante evolução. 
Tudo aquilo que não se modifica no interior da cultura de um povo, não vai ser por lei que se modificará. Será amenizado, escamoteado, punido, mas não acabará. Assim eu vejo o interior das pessoas também. Se não modificarem-se interiormente, não vai ser pela pressão social nem pelas aparências que elas vão se transformar. Fica sempre um potencial explosivo de aleivosias e hipocrisias outras. Embora a lei seja necessária para, pelo menos em intenção, igualar direitos e obrigações.

Estou vendo os rumores acerca da recente aprovação da união legal de homossexuais na Argentina, porém do ponto de vista dos filhos que são adotados por esses casais. Já há manifestações em escolas de isolamento de crianças que são filhos adotivos de casais de gays, não só lá, também aqui e alhures.

Lembro-me que havia um tempo em que mulheres que se separavam, por desquite ou divórcio, seus filhos sofriam juntamente com a mãe toda sorte de rejeição. Podiam ser as melhores pessoas do mundo, desde que não rompessem o vínculo familiar aceito pelo consenso da sociedade. Passavam a representar alguma espécie de perigo invisível. A mulher, no caso, mãe, representava  ameaça às famílias por se tornar uma potencial usurpadora de lares, assim, do nada. Os filhos transformavam-se num tipo de aleijão, uns renegados pelos colegas, estes talvez sob a influência dos mesmos pais que discriminavam mães.

Posso citar uma dezenas de casos onde a lei não alterou comportamentos. Refreou impulsos, provocou rebeldias e o desrespeito continuou sendo a demonstração de que o interior das pessoas não mudou, a sociedade não avançou evolutivamente. Apenas há salvaguardas para recompor as grandes perdas morais. Há indenizações, multas e até prisões mais sérias quando o infrator é pobre ou não possui alguma forma de poder.

Veja o tanto de legislações de trânsito que já tivemos nos últimos 50 anos. Radar não resolveu, redutores de velocidade não resolveu, bafômetro não resolveu, mudança do enquadramento penal de quem mata não resolveu... Veja o caso do preconceito racial. O sistema de cotas é uma polêmica que parece não ter fim. Estas resistências todas não será por causa de uma necessidade de mudança cultural anterior? E então a lei viria para ser apenas uma espécie de aviso a quem chegasse posteriormente no grupo social? Dá vontade de dar umas palmadas em alguns legisladores. Eu disse palmadas? Ih, parei!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

DOUTOR *


Para tudo o que se pensar hoje em termos de necessidades imediatas acha-se um especialista. Quer saber sobre um investimento? Tem dificuldade na educação dos filhos? Quer saber sobre perspectivas de carreira? Quer saber qual alimento faz menos mal? Quer saber por que o seu relacionamento não dá certo? Tem para tudo e todos. E, se não puder pagar, digite “tutorial” - “criança birrenta”, por exemplo, no google. Estará lá, de graça, o passo a passo para qualquer coisa, até espinhela caída.      

O caso da medicina é o mais presente na vida de todo mundo. A  chamada junta médica, que nada mais é que uma reunião de especialistas, mostra a fragilidade das nossas vidas por causa das especializações extremadas, do apego excessivo ao diploma como única forma de dar legitimidade ao conhecimento. Bom por um lado, excludente por outro, já que quem pode arcar com isso tudo é uma parcela insignificante do mundo.

Hoje em dia nenhum saber que não venha de escolaridade tem sido levado em consideração com o devido respeito. Experiência e prática não têm sido levadas em conta mais, se a pessoa não tiver por trás de si um canudo. Pode ser por isso que há tanta gente com tanto título que não sabe fazer nada. Pode ser por isso também que não há muito respeito com as pessoas mais velhas. Elas simbolizariam esse passado tão descartado a todo minuto. Deixam de ser portadoras de um conhecimento acumulado no passado para serem simplesmente pessoas ultrapassadas. Pelo menos é assim que eu vejo as cabeças mais modernas funcionando. O novo vem e o velho tem que dar lugar, sem transição nenhuma. Seja um velho sem nenhuma fama ou fortuna acumulada e saia por ai disseminando experiências de vida para ver a repercussão do que estou falando. O máximo que se consegue é um lugar preferencial numa fila e olhe lá ainda as caras de má vontade  ou piedade com que lhe tratam.

 Quase todos os que alcançam um nível escolar superior gostam de ser chamados de doutor, doutora. Vou falar de Drauzio Varela para exemplificar um generalista, o oposto de tudo isso. São pouquíssimos médicos no Brasil, talvez no mundo com o cabedal de conhecimentos assemelhados ao dele. Ele fala de tudo o que diz respeito ao corpo humano, suas manifestações físicas e psicológicas. Estudioso da história da medicina, das artes como contraponto às doenças, das terapias não convencionais, da cura do corpo pela mente. A literatura que ele produz é coisa de gente que se envolve com o conhecimento de tal forma que não o dissocia de todos os elementos que o compõem. Ou seja, é um especialista em tudo ou um não especializado em uma parcela que dependa fatalmente de outra. Se eu tivesse uma doença em qualquer ponto da cabeça aos pés eu confiaria o meu tratamento exclusivamente a ele, sem que necessitasse chamar ajuda. Esse sim, eu chamo de Doutor. Poderão dizer que é um caso de genialidade inata. Mas qual gênio que é gênio a vida inteira sem associar vários conhecimentos? Os que eu tenho notícia e que se limitaram a seu campo específico que o alçaram a esta condição (foco único), enlouqueceram de alguma forma  por não desenvolver todas as suas potencialidades. Assim como o DR Drauzio pode ser a imensa maioria das pessoas que se dispuser a enxergar além do que lhe é ditado. Esse negócio de “cada macaco no seu galho” pode ser relativizado tão intensamente quanto maior for a dedicação na aquisição de novos saberes, que ao contrário do que muita gente pensa, não é perda de tempo.
---------------------------------------------------------------
* Escrevi esta crônica por causa de uma outra (ESPECIALIDADES), onde afirmava que “preferia ser ruim em muitas coisas do que especialista em uma só.” Uma ou outra opção é exagero. Bem sei que o equilíbrio entre a água e o fubá é que fazem com que o angu não dê caroço, já ensinava o meu avô. Só que eu estou tomando uma surra dos dois lados. Dos especialistas e dos “meia boca” assim como eu.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

NEGÓCIO DA CHINA


Catastrofismos ambientais à parte, esse negócio da China ter assumido o segundo lugar na economia mundial é um negócio da China mesmo. O trocadilho é por minha conta. Eles passaram o Japão e estão no pé dos EUA. Segundo os especialistas, o país vai ser o mais rico do mundo por volta de 2025.

Há duas versões que conheço para explicar a expressão “negócio da China”. A primeira diz que Marco Polo (séculos 13 e 14), aquele famoso viajante veneziano viveu lá durante 16 anos e depois fez um livro com os relatos de sua viagem onde consta que acumulou uma fortuna incalculável. A outra diz que os ingleses no século 19, usaram a famosa guerra do ópio para controlar o monopólio do comércio e ainda de quebra, levaram alguns territórios chineses para o seu domínio. Durante esses quase oito séculos que separam estas histórias até os dias atuais, a China só havia crescido em número de pessoas. É a maior população do mundo, quase um bilhão e meio de pessoas.

Só fico com uma preocupação. As outras relacionadas com a exploração excessiva de mão de obra, com uma desigualdade do tamanho do país e com uma repressão assustadora com a população, deixemos que eles resolvam lá internamente. A correlação de forças na briga entre os donos de dinheiro e os donos da força de trabalho vai tomar um rumo, mais dia menos dia. A outra preocupação de que falo é com relação ao meio ambiente. Segundo os dados disponíveis nos maiores órgãos de defesa ambiental internacionais, os EUA, com pouco mais de 300 milhões de pessoas consomem ¼ de tudo o que se produz no mundo e entram com 40 % da cota de poluição mundial. Imaginem a China com cinco vezes mais gente?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O ASSUNTO DO MOMENTO


A Geyme escreve no Recanto das Letras e no blog Boutique de Ideias e mora na Alemanha. Ela me enviou um vídeo sobre uma menina que tentou fazer o mundo ouvi-la por 5 minutos, com uma fala contundente. Imediatamente após assistir, enviei para umas cento e vinte pessoas. No mesmo dia recebi comentários da Bahia, São Paulo, Rio, Brasília, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Maranhão, Pará, Minas, Polônia, Holanda e Portugal. É impressionante o que a internet pode fazer com a nossa vida. Pode até nos salvar de uma guerra iminente pela possibilidade de mobilizar o mundo em pouquíssimo tempo. Estamos usando-a como usamos todas as tecnologias, para o mal e pelo bem. O vídeo trata da visão das crianças sobre o que estamos fazendo com o meio ambiente. E não fala vagamente de meio ambiente como água, lixo e poluição. Vai além, incomodando os todo-poderosos do dinheiro: fala da ganância excessiva e da má distribuição da renda mundial como fontes de destruição das riquezas naturais, o ponto central da polêmica defesa ambiental. Nunca, jamais vamos viver num mundo preservado de suas condições naturais salubres com a desigualdade gigantesca entre países ou entre os pobres demais e os ricos demais. Uns vão continuar destruindo pela falta de alternativas e os outros pela não otimização das alternativas que o dinheiro pode proporcionar. Irracionalidade dos dois lados. Todos optam pelo caminho mais fácil, o que dá menos trabalho, que gera menos despesas, que dá resultados instantâneos. Nesses tempos de afastamento das pessoas das outras pessoas, quando não mais se vê grandes mobilizações de rua em favor de causas coletivas, a internet vai lentamente substituindo o corpo a corpo. Ainda bem que algo vai ficando no lugar, apesar daquele calor humano emocionante das ruas não ser possível diante de uma solitária tela nas casas e locais de trabalho de cada um.

Se alguém se interessar por essa cruzada mundial pelo bem, eis o vídeo:

domingo, 1 de agosto de 2010

BATE BLOG. POR AÍ


Até maio passado eu estava meio devagar com meu blog. Publicava quase diariamente mas não dava a devida atenção que a internet propicia e depois exige quando se estabelecem relações e a gente as leva a sério como faz na vida real. Comecei então a frequentar outros blogs de literatura e afins e vi que o paspalho era eu.

O que quero falar aqui, no entanto, é sobre o imbricamento (gosto dessa palavra pra caramba!). Você vai a um blog, comenta o assunto e, de repente, depara com um outro comentário que lhe interessa, vai na trilha daquela pessoa, cai no blog dela, acha outro texto interessante , se torna seguidor, acha mais um comentário interessante... Se bobear,  não sai da cadeira durante as vinte quatro horas do dia, de tanta coisa boa que encontra. Aí, indica para outro, recebe indicação também, que coisa boa!

Eu não sou de ficar agindo por conta do número de pessoas que me seguem ou preocupado com o número que o meu contador de visitas marca. Me importa mais é o que vem de pessoas ler e comentar. Essa é a interatividade que faz a gente crescer aprendendo. Na reciprocidade. Isso que a internet proporciona não era acessível nem aos grandes escritores da literatura mundial até há pouco tempo. Você comprava um livro, lia e guardava na estante. Não que não seja bom e saudável continuar fazendo isso, afinal o livro de papel ainda tem os seus encantos que cada um que gosta sabe, mas esse negócio de o leitor poder conversar com você aqui e agora, dar a opinião, elogiar, esbravejar, discordar ou concordar é muito enriquecedor, não é mesmo?
Web Statistics