quarta-feira, 31 de março de 2010

VIDA DE PEÃO - A PORTA

Os carros brasileiros melhoraram muito de uns tempos para cá. Uns para acompanhar a concorrência cada dia mais veloz e ousada; outros apenas para obedecer uma a legislação que vem evoluindo (devagar) com relação à segurança. Desde pequeno, por exemplo, eu me lembro que eles já vinham com cinto de segurança mas ninguém usava. Não era obrigatório. E no quesito tecnologia , isso não era lá muito observado. Eles não desenvolviam muita velocidade e em quantidade eram poucos. Ainda bem, pois não possuíam muita estabilidade nas curvas nem muita segurança de forma generalizada. Isso já faz um bom tempo.

Dois acidentes que eu vi na infância e não esqueci mais. Nas duas vezes presenciei portas de carros se abrindo em plena curva ou numa virada de esquina e os motoristas despencarem no chão. Cair do carro é mole? Pois é, hoje, não se vê mais gente caindo por ai mas muitos ainda se esquecem de usar o cinto.

Eu trabalhava numa mineradora grande e lá havia daqueles caminhões que transportam mais de 100 toneladas de uma só vez. Para quem não sabe ou nunca viu fica difícil imaginar o tamanho de um bichão desses, né? Pois então saibam que só os pneus têm mais de três metros de diâmetro, quase da altura de uma casa. Do chão até o lugar mais alto do caminhão, são mais de seis metros, da altura de um poste de iluminação. Eu trabalhava na manutenção e a empresa começava a implementar um sistema informatizado de controle. Os caminhões tinham portas bem vedadas e o motorista trabalhava com elas bem fechadas para se livrar do intenso ruído que os caminhões faziam, bem como para se livrar da poeira imensa que era gerada na mina dia e noite. Lá dentro ele tinha ar condicionado. Uma dessas portas estragou a fechadura e o operador fez uma gambiarra e trabalhou ainda o dia inteiro. Ao final do expediente solicitou à manutenção o conserto. Foi feita uma ordem de serviço com os dizeres. “Corrigir porta amarrada com arame.” Com o tempo, rindo muito das curiosidades que encontrava nas anotações que eram feitas nas ordens de serviço depois de concluídos, passei a notar o quanto a tecnologia demora para acabar com hábitos arraigados ou , em outras situações, o quanto o homem convive com ela sem deixar de manter sua ligação com as tradições antigas e com as coisas próprias de sua natureza. Duas que ficaram registradas na memória: sobre a porta, o mecânico escreveu:

“Foi corrigido o problema. Trocado o arame velho por um novinho.”

De outra feita o motorista solicitou que se verificasse um ruído anormal atrás da cabine de comando (da boléia). O mecânico colocou:

“Ora, era só um ninho de passarinhos perto do trocador de calor. Como o lugar é bem quentinho eu fiquei com dó de tirar. Pode trabalhar sossegado e não se incomode com o barulho. Quando der filhotes eles saem sozinhos”.

domingo, 28 de março de 2010

ESPECIALIDADES

O meu avô primordial era o Adão, aquele mesmo do mal falado jardim do éden. E fez questão que minha família preservasse o seu nome no nosso sobrenome. Muita gente me diz, mas você é José Cláudio Adão, três nomes próprios? Ao que eu respondo que o José e o Cláudio foram resultados de um acordo possível depois de uma disputa ferrenha entre minha mãe e meu pai; e o Adão é herança genética (do gênesis). Mais sagrado que broa de fubá (pelo menos aqui em Minas Gerais). Assim, a linhagem dos Adão foi constituindo uma família não muito numerosa até chegar no meu avô mais recente, o Joaquim Adão, que vai ter um papel importante no meu desenvolvimento psicológico. E só isto, pois todas as outras contas foi meu pai quem pagou.

Menino quando é meio adiantado na escola, já ficam logo querendo que escolha o que vai querer ser depois de grande. E ele é quem me aconselhava nas minhas dificuldades pretéritas. Me via jogando bola e eu me queixando que nunca seria uma craque. Ele só olhava, caladão. Me via tocando violão e me queixando que não seria um grande músico, jamais. E ele não ajudava nem a cantar. Até que me viu cozinhar pela primeira vez e ao provar, não resistiu e lascou a sua sentença, por que dizia que os sábios só dizem pérolas, motivo pelo qual falam tão pouco. Me chamou a um canto e disse:

- Bem, gostoso não tá, não! Mesmo assim, acho melhor ir tentando. É melhor ser ruim em muitas coisas do que ser especialista em uma só. Veja o exemplo desse tal de Freud, (falava do jeitinho que se escreve; ele não pronunciava Fróid). - Quis se especializar na cabeça dos homens e só arranjou confusão. Dizem que sua mulher o despachou de tanto que ele refugava as obrigações do lar. Só pensava naquela massa disforme que compõe a cabeça da maioria dos mortais. E ainda por cima recomendava procurar o eu da gente nos outros. Você, meu neto, é filho de operário, tem que procurar seu eu é na secretaria de segurança e no ministério do trabalho. Assim que formar, já tire logo a identidade e a carteira profissional e vá trabalhar. Isso é que faz um eu de valor.

Eu sei é que de lá pra cá, tentei me especializar em alguma coisa. “Focar”, usando um termo mais focado na moda. Ora, lá na minha terra já teve um sujeito famoso, o Carlos Drummond. Ele, que depois de ser conhecido por demais com a poesia, ficava deprimido de vez em quando com essas coisas, dizendo que “teve gado, teve ouro e teve fazenda e depois virou “apenas” um funcionário público.” Por que eu não hei de achar uma especialidade?

sexta-feira, 26 de março de 2010

NO TEMPO DO PERSONAL


Usamos uma parte quase insignificante da nossa capacidade cerebral. Eu atribuo isso à falta de conhecimento que temos de nós mesmos. Quanto ao cérebro, no entanto, temos especialistas para cada parte dele. Córtex, lobo frontal, parietal, neurônios, massa encefálica, veias, vasos e o escambau. Os especialistas não nos explicam muito por que eles também não conseguiram ainda apreender o funcionamento de todo o conjunto. O escambau, por exemplo, é uma área ainda estranha... Então, qual o remédio para quando há problemas? Exatamente medicamento. Atua naquele ponto específico e se der um outro probleminha, lá vamos nós para outro especialista ou trocam o remédio e assim sucessivamente até a morte nos apanhar em plena dose de medicamento ou num ataque súbito.


Mesmo não conhecendo toda a capacidade cerebral, o homem inventou o computador, essa máquina que se assemelha, mesmo que com mais pobreza, ao funcionamento cerebral. E nós, por consequência, também não conseguimos usar nem a metade das coisas que ele nos disponibiliza. Creio até que se fosse uma pessoa só ou um grupo de pessoas que se reunisse e criasse a máquina desde a concepção, montagem e programação, seria mais fácil disseminar os conhecimentos de forma que muitos pudessem aprender a totalidade do funcionamento. Se bem que Deus fez isso com o cérebro humano sozinho. Mas, ah, deixa pra lá, Deus é Deus. Ocorre com o computador, que um inventa uma parte aqui, vem outro e aprimora, vem depois um terceiro e modifica tudo e assim vira esse negócio maravilhosamente assustador. Depois, cai em nossas mãos e vamos nós, com a nossa ínfima capacidade cerebral usar o mínimo que nos é possível da capacidade computacional. Aí está feita a confusão.


Por que esta história? Por causa de outra que eu vou contar. O meu pai ganhou um computador. Ele não tem familiaridade nenhuma com Word, Excel, internet, blogs e mais esse tanto de coisa que nem caberia aqui se fosse citar apenas as que eu conheço (pouquíssimas). Então como fazer? Alguém fez um blog para ele. Outro fez um e-mail, outro chegou e tentou explicar como copiar fotografias e imagens em geral para ilustrar textos que ele fizer. Outros, o fácil “copiar e colar”. Qual e-mail pode abrir sem medo de vírus? Os poucos cabelos que ainda lhe restam estão por cair. Isso se não aparecer um personal computer (acabei de criar). O cara que vai lá na casa dele uma ou duas horas por dia dar aulas particulares, senão não terá jeito. Vai virar uma peça de enfeitar a sua sala, é bem bonitinho o conjunto.


Então, com tanto personal por aí, anglicisticamente estou propondo a criação do “personal net.” O cara que vem na sua casa lhe ensinar a acompanhar o surgimento e as mudanças diárias e velozes das opções e recursos. Muita coisa é travestida de novidade, tipo corpo sujo com roupa limpa. Imaginem cobrar 20, 30 reais por hora para ficar à disposição para ensinar a controlar o HTML, o facebook, o twitter, o blog, o tal de rss... Se aparecer, vou ter que arranjar dois, pois moramos em cidades diferentes e eu também preciso tanto...




quarta-feira, 24 de março de 2010

O DIA DA CERTEZA

"Morto" aparece no próprio velório

O servente de pedreiro Ademir Gonçalves quase causa a morte da mãe ao comparecer ao velório dele mesmo em Santo Antonio da Platina, Paraná. Um indigente morreu em um atropelamento na BR-153 e teve o corpo reconhecido como sendo de Gonçalves.

O corpo estava sendo velado na madrugada por familiares e amigos. E no início da manhã, o "morto" apareceu no próprio velório, surpreso com o que via e assustando a todos.

Logo, o engano foi esclarecido. O defunto era muito parecido com o servente de pedreiro, o que levou até a própria mãe de Gonçalves a confundí-lo no momento do reconhecimento do corpo.
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Fonte: http://www.bemparana.com.br/index.php?n=125803&t=morto-aparece-no-proprio-velorio 03-11-09
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A CRÔNICA

E se fosse diferente? Então os mortos passariam a aparecer no próprio velório em carne viva e olhos arregalados para conversar o último assunto que gostariam de ter com uns vivos. Aqueles de quem gostavam e de quem também não gostavam. Uma espécie de acerto de contas “post mortem” rapidinho. Apesar da presença física eles não teriam poder, por exemplo, de dar umas porradas em desafetos que lhe azucrinaram em vida. Por outro lado também não sentiriam dor em caso de levarem uns bofetes de acerto ou de revide.
Mas já imaginou o quanto de problemas não poderiam ser resolvidos com simples conversas em velórios? Quantas máscaras cairiam ante o morto questionando algum choro fingido? Um afago que pode curar uma dor que parece não acabar pela perda do ente querido? Quantos acertos de dívidas com o passado? Quanto alívio isso não provocaria em quem fica? Quanto de substância não palpável poderia ser adquirida num simples velório? Passaríamos a aprender com o eflúvio?
Eu imaginei que se fosse eu e houvesse essa possibilidade, a primeira coisa que faria seria ser pedir perdões. Talvez, com tantos que tenho por rogar eu conseguisse até mesmo acabar com todo o chororô no recinto. Cumpriria o ensinamento da oração do Pai, perdoando a quem me ofendeu e solicitando o perdão pelas minhas ofensas. Essa deve ser a hora em que se torna mais fácil a obtenção e concessão do difícil perdão mútuo.
Tenho certeza que todos iam ouvir um morto. Na dúvida se ele esteve em outra dimensão, iam ouvir. Ouvir com a devida introspecção, coisa que não se costuma fazer em vida. Creio que nessas condições um morto se torna um sábio automaticamente. É tudo que todo mundo pobre ou rico quer ouvir: palavras de um morto. Para muitas coisas. Abnegações, arrependimentos, súbitas bondades, velhas paciências, desprendimentos e compreensões de toda sorte. Também maldades irreparáveis para quem não se importa jamais com culpas de qualquer natureza.

segunda-feira, 22 de março de 2010

ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO* ENTREVISTA ZÉLIA MARIA FREIRE

Arcanjo Isabelito Salustiano é um filósofo considerado “a voz das ruas”. Não é título concedido por nenhuma autoridade eclesiástica nem acadêmica, nem vem de nenhum tribunal superior. Foi ele mesmo que se auto concedeu por achar que a filosofia tem que fazer parte da vida cotidiana mais do que aquelas que são consideradas apenas ditados populares, convertidos em filosofia de vida.

Então, ele vive na tocaia. Não no sentido pejorativo que essa palavra carrega. Como é mineiro, sabe muito bem que esta palavra pode ser empregada em vários sentidos, inclusive, tocaia mesmo. Observa a tudo caladinho e depois, solta o verbo, sujeito e predicado também, para não ficar parecendo coisa de malandro nem de traíra.


Na última viagem que fez, visitando as belas praias do litoral nordestino, passou por Natal, a terra do sol, do sal, do petróleo e de Zélia Maria Freire, a grande filósofa, cronista e poetisa daquela cidade de natureza exuberante, lindas praias e uma receptividade inigualável. Ela deu-lhe uma colherinha de chá, duas de cerveja e três de pinga (da boa). Além disso, concedeu uma entrevista, que está sendo publicada no Recanto das Letras e no blog de seu pai , o Adão (José Cláudio Adão). Confiram aí as importantíssimas, seriíssimas, profundas, bem humoradas e pedagógicas opiniões da nossa querida Zélia, em prosa, verso e alegria.




ENTREVISTA

Meu caro filósofo, como preâmbulo desta entrevista, vos digo que, pelas sete perguntas feitas me lembrei de Plabo Neruda, que fez esta indagação: Cuantas preguntas tiene um gato. O que respondeu o poeta Diógenes da Cunha Lima no seu livro de Respostas: Sete. Cada vida é uma pergunta.


P: Quando nasceu um anjo torto, desses que vivem nas sombras, disse: - vai ser gauche na vida?

R: Não, não disse, só ouvi dele: Não! Não,! Não pode, não pode, não pode...




P: É uma cidadã comum, como essas que se vêem na rua? É feito aquela gente boa, honesta e comovida?

R: Sou uma cidadã comum e honesta. Quanto à comoção... Fico cá a imaginar até onde o sofrimento de verdade e a desgraça de ficção nos atingem... Um escritor amigo meu de nome Mário Moacyr Porto, costumava dizer que o bem e o mal só existem para nós como forças contraditórias quando passam da condição de juízo de valor do raciocínio para a categoria de estado emocionais, vividas pela nossa imaginação. O espetáculo da miséria humana, as brutalidades do egoísmo o sofrimento real e irremissível dos nossos iguais não nos tocam como realidades sensíveis e contagiantes. Não vamos às lagrimas diante de um pobre mendigo faminto que nos pede ajuda. Mas sentimos comoção e choramos, sim, assistindo o sofrimento de ficção revelada por qualquer forma de expressão artística.




P: E a vida?: E a vida o que é, diga lá, minha irmã?

Tijolo por tijolo num desenho lógico ou só o amor constrói?

R:Tem um conto sueco que o bem-ti-vi faz esta pergunta. A roseira respondeu que é desenvolvimento. A borboleta disse que a vida é só alegria e brilho. A formiga disse que a vida não é mais do que trabalho e cansaço. A abelha disse que a vida era um misto de prazer e trabalho. O rato disse que a vida é uma luta no escuro. A chuva disse que a vida consiste só em lágrimas. A águia disse que a vida é um esforço pra subir. Uma árvore curvada disse que a vida é inclinar-se sob uma força maior. A coruja disse que a vida é aproveitar as oportunidades enquanto os outros dormem. Um rapaz que caiu na relva cansado de dançar e beber disse que a vida é uma busca constante de felicidade e uma corrente de decepções. Finalmente , a aurora levantou-se em toda sua plenitude e disse: assim como a dia é um instante da vida, assim a vida é um instante da eternidade.




P: A dor da gente não sai no jornal? Ou cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é?

R: eu sou o que sou. Dor... quem já não as teve? Delícia de viver... Conheço.




P: Vastas emoções e pensamentos imperfeitos?

R: São tantas as emoções já vividas... Pensamentos? Acho que são tortos.

P: Quanto mais a gente ensina mais aprende o que ensinou?

R: Vamos lá: faz de conta que eu ensino, você faz de conta que aprende e juntos chegamos à conclusão que eu nada ensinei nem você nada aprendeu.




P: Viver e não ter a vergonha de ser feliz?

R:Viver é não ter vergonha de si próprio. Quanto ao ser feliz, como é um estado de alma, feliz hoje... amanhã quem sabe...


Obrigado, Zélia! Paz e bem.


Obs: as perguntas foram adaptações de trechos de letras de músicas e frases de livros.

P.S: Esta entrevista está também publicada na página da Zélia Maria Freire.

*Arcanjo Isabelito Salustiano é um personagem meu.




domingo, 21 de março de 2010

FRONTEIRAS INVISÍVEIS

Quando penso em fronteiras me vem à mente um outro pensamento não geográfico. A normalidade e a loucura. Essa é a minha fronteira imediata para pensar. Até onde vou com meu pensamento? Até onde a loucura não é o que me conduz? E que referências uso para diferenciar loucura de normalidade, senão um conceito que eu mesmo estabeleço de fronteira, de normalidade e de loucura?
Ai, meu Deus, acho que entrei por um caminho que não sei onde vai dar! Então, estou no limite. Agora, aqui escrevendo, acho que sim. Nas ações, um discernimento fala mais alto, pois provavelmente terei reações, como na lei da física. E tem muitos atos que posso desagradar a mim mesmo ou ao próximo. Então sou um pouco mais definitivo quando ajo do que quando penso. Lógico, não? Pronto, outro limite!
Entre tantas escolhas à disposição, a única certeza que fica é que não posso parar no meio do caminho. Afinal, a vida tem uma fronteira bem absoluta que é o seu fim a qualquer momento.

sábado, 20 de março de 2010

OUTONO

Outono me dá uma sensação de neutralidade, de prenúncio. As outras estações têm um apelo coletivo muito forte. Muita coisa a favor da primavera. Inverno e verão numa disputa acirrada de preferências, mas outono... Nada sobra, nada falta, mas também nada se equilibra. Parece uma neutralidade da natureza, desprovida de consciência. Se continua o que passou ou se prepara o que vem adiante. Alguma coisa como deixar estar para ver como vai ficar. Não conheço os Deuses do outono, não sei dos reis e rainhas dessa estação. Qual o seu símbolo de encanto? É..., acho que folhas caindo são para a dúvida!

sexta-feira, 19 de março de 2010

PREMIAÇÃO OU VALORIZAÇÃO?

A NOTÍCIA

Lei prevê 14° salário para professores de escolas que tiverem bons resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
O projeto, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), prevê que, para ter direito ao 14° salário no final do ano, os professores precisam elevar o Ideb de sua escola em pelo menos 50%.
Também serão beneficiados profissionais de escolas que alcançarem um índice igual ou superior a sete. O indicador foi criado em 2005 e avalia a qualidade do ensino público a partir do desempenho dos alunos na Prova Brasil e das taxas de aprovação.
Escolas, municípios e estados ganham uma nota, em uma escala que vai de zero a dez. A média nacional em 2007 foi de 4,2 pontos para os anos iniciais do ensino fundamental. O novo Ideb será divulgado em 2010.
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FONTE:
http://educacao.ig.com.br/us/2009/11/10/ 10/11/09
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A CRÔNICA

SÓ PARA DESANUVIAR, ANTES DE MAIS NADA: PROFESSOR DEVERIA SER A CATEGORIA MAIS BEM REMUNERADA DO MUNDO.

Não sei se minhas teses têm fundamentos, mas não me parece uma boa idéia premiar professores pela produtividade com dinheiro. Entendo a educação como um processo de formação integral do indivíduo, uma preparação complementar para a vida. Esse tipo de compensação pode legitimar uma tragédia que vem acontecendo há muito tempo no sistema educacional. Ele está muito mais voltado para a preparação do sujeito para o mercado de trabalho do que qualquer outro fim. E mesmo sendo assim, a preparação tem sido péssima na maioria dos casos.

Ora, a escola não pode se tornar apenas instrumento das relações de produção! Se assim for, não podemos sequer queixar de que, não havendo espaço para todos num mercado seletivo, alguns descambem para a marginalidade pura e simples. É um complexo sistema de inter-relações que nem dá para ser tratado em uma crônica simplória, mas que tem seus desdobramentos negativos nesse aspecto, isso eu afirmo com todos os ônus possíveis para mim. Um professor é uma extensão de um lar, de uma família e não de uma teia de relações sociais de produção. A partir do instante que a sua valorização depende de gratificação extra para aprovar e melhorar alunos, sua atenção pode se concentrar exclusivamente em resultados palpáveis e não mais em formar pessoas. O que seria educar viraria treinar, disciplinar, adestrar pessoas. Então, nesse caso, melhor mesmo é ensinar às crianças até a alfabetização e a partir daí, coloca-las logo em instituições exclusivamente profissionalizantes e pronto. Aí, sim, está desfeita a ligação aparentemente real de que estará educando. Sairão todos prontos para serem mão de obra disponível no chamado exército de reserva do mercado de trabalho e acabaríamos com a hipocrisia de que a escola é lugar para se educar. Melhor colocar uma placa na porta: Centro de Formação, Disciplinamento e Adoção para o Mercado.


NOTA: Mesmo discordando dessa lei, contemporizo com o senador por considerá-lo uma voz quase solitária em defesa da qualidade da educação no Brasil nos meios do executivo e legislativo.

quarta-feira, 17 de março de 2010

INSPIRAÇÃO

São 5:40 h da manhã. Na rua os termômetros já marcam 23 graus. Eu saí pedalando para me antecipar e buscar a chuva que há dias a meteorologia promete que vai cair a partir de hoje. Vou de encontro dela para refrescar um pouco. Não tem sido fácil ter uma boa noite de sono diante de tanto calor. Queria ter ficado no computador, posto que minha vontade era de escrever. Mas andando de bicicleta, nem mesmo levando o note book nas costas tem jeito; eu teria que fazer uma coisa ou outra. Ademais, se chove, adeus minha tecnologia ambulante.

Então, dispenso a modernidade e volto para o papel, mais precisamente, meus “papelim”, como gosto de falar de um jeito bem mineiro. Papelim é gíria de quem gosta de cigarro de palha. Hoje em dia ele já está industrializado, vendido até em caixinhas, mas houve um tempo em que na falta de uma palha de milho, o fumo era enrolado em qualquer tirinha de papel limpo. E são essas tirinhas e caneta que me acompanham. Tenho no bolso, no banheiro, na cômoda ao lado da cama, no porta-luvas do carro. Sempre que aparece uma idéia, eles estão ali, à mão. Afinal, eu sempre costumo dizer que qualquer um pode escrever. Vira escritor é quem tem a idéia e anota. Falo dos comuns. Os geniais não precisam desses recursos. O cara faz aquela cara estranha, bota a mão no queixo, coça a cabeça, deita a mão no teclado e saem coisas maravilhosas. Eu vou exercitando um pouco a cada dia. Se fosse genial eu dispensava esses recursos e pitava o papelim.

Não sabem desse causo? Os dois caipiras, viajando num ônibus numa época em que era permitido fumar em qualquer recinto ou ambiente. Vem o fiscal de viagem e lhes pede a passagem para conferência. Pede e fica esperando e o cara calado.
- Senhor, a sua passagem.
- Que”passage” moço?
- O bilhete que o senhor comprou para viajar.
- Ah, aquele pepelim branco?
- Sim!
- Ih, pitei ele!

domingo, 14 de março de 2010

UM PASSEIO RELAXANTE PELA DOR

As soluções prontas são um balde de água fria no hábito de pensar. Antigamente as coisas iam acontecendo e os recursos eram escassos. Enquanto faltavam técnicas apuradas por um lado, abundavam pensamentos por outro. O homem ia vendo as coisas, os fenômenos naturais e ia teorizando, esperando socorro. Foi assim que nasceu a filosofia. E como tinha pouca gente para pensar, os mesmos filósofos viram que tinham que resolver os problemas eles mesmos. Tanto que viraram cientistas também. Enquanto deixavam o pensamento vagar em observações no cosmos sob o sol, luares e estrelas, iam fazendo umas continhas, misturando umas substâncias, testando umas superfícies lisas ou ásperas e tomando anotações. Nasciam os astrônomos, fiscos, matemáticos e por ai afora.

Quando pensaram na dor, que remédio tinha a não ser teorizar? Teve gente que afirmava que com a dor se aprendia a viver melhor, uma forma de superação de adversidades. Ficar impassível diante da dor provocava uma elevação do caráter. Veio o tal do estoicismo. Uma aula com a dor. Era preciso aprender a cura, no entanto, pois muita gente não entendia o princípio e continuava sentindo dores. Além do mais quem poderia transferir para a alma, onde o suporte é maior, uma dor que tá doendo no braço, na perna, na barriga? Aí teve uns que começaram a estudar o corpo humano e a medicina foi aparecendo depois, devagar.

O que atrapalhou um pouco os planos, ou melhor, os pensamentos bem intencionados acerca da dor foram umas pessoas que passaram a sentir um certo conforto e prazer com ela. Eram os tais dos masoquistas atrasando o desenvolvimento da filosofia e da ciência. Pode uma coisa dessas? Como tudo tem uma reação (já estava começando a germinar o conhecimento da lei da ação e reação), apareceram aqueles que gostavam de ver o sofrimento alheio e também sentiam prazer nisso. Eram os sádicos, tradicionais rivais dos masoquistas durante muito tempo. E bem mais à frente na história vamos ver que se aliaram. Muitos acabaram em moderníssimos motéis com chicotinhos, correntes, algemas e outros apetrechos, já que a sociedade começou a punir abusos em praça pública. Coisa de foro íntimo, eu nem tenho nada com isso.

Não falei dos hipocondríacos, uma categoria intermediária, mas deixa pra lá. O caso deles quase nunca envolve dor. Acho que se trata mais de carências da alma querendo algum reconhecimento e que são substituídas por aparentes doenças e muitos remédios. Se lhe derem umas pílulas de trigo ou maizena disfarçadas e disserem que resolvem os problemas muitos se curam com uma facilidade incrível.

Motivo dessa prosa toda? Eu estava andando de bicicleta e me deu uma dor danada no cóccix. Pode falar nos ossos da bunda? Não me levem a mal, não há intenções sádicas nem masoquistas. É que eu fiquei uns tempos parado e até me acostumar novamente não tenho outro remédio senão pensar e ir me exercitando. E cóccix é uma palavra muito difícil de ser pronunciada. Só de pensar dói.

sexta-feira, 12 de março de 2010

RECORDAÇÕES

“Amar o perdido deixa confundido este coração.

Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não.

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão.

Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.”

(Drummond – Memória)



A nostalgia eu a considero um libelo contra um futuro que se faz de presente na vida sem pedir licença, sem nos dar tempo de aceitá-lo. Resisto a todo novo que não se justifica em oferta de felicidade. Se estamos em algum lugar diferente do usual, chega um momento em que queremos retornar. Se estamos em uma condição de vida não muito agradável afetivamente, também chega um momento de desejo do retorno. Retornar para onde? Retornar para que? Normalmente para a segurança por vezes insuportável da nossa rotina.

Isso me faz lembrar algo. Estive em casa de meu pai durante as festividades de natal durante 4 dias e por melhor que estivesse o ambiente, toda a família reunida, bateu uma saudade de casa. Porque ela é a minha rotina. Escrever, cozinhar, ficar em casa, enfim. E afinal cheguei. E as recordações dos dias que lá passei são o registro mais evidente da minha vontade de voltar. Estava ruim? Ao contrário. É por gostar mesmo das recordações e para que elas não se percam em uma outra rotina é que resolvi voltar. Para ter mais assunto ano que vem, quando nos reunirmos todos novamente e contarmos casos do ano que passou e da infância. Esses são infalíveis. Talvez pelas marcas indeléveis que ela deixou. Talvez por querer que a nova geração de filhos e sobrinhos saiba o quanto foi bom e o quanto serve de estímulo para que eles construam a sua história também. Mas história a gente não constrói com intenção historiográfica. A gente constrói com propósito de satisfação pessoal ou de grupos. Só no momento do pensamento na posteridade é que há desejo de registro. E ele se dá em primeiro lugar com recordações.

Agora, aqui pra nós, a recordação não é um assunto que fica melhor encaixado dentro de uma música ou pelo menos embalado por ela? Não consigo embarcar nos momentos de memória afetiva sem um fundo musical. Na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, até que a morte me separe da matéria pensante, não consigo dissociar recordação e música.

Nesse arrebatamento, essa tal recordação é assunto que nos transforma a todos em poetas. O amor que guia os versos, o pensamento que leva para cantos recônditos, a emoção que cutuca o sentido da lembrança. Sempre que o presente se apresenta insosso e o futuro dá ares de pessimismo, as recordações me acalmam o espírito trazendo esperança diluída em saudade.

(Obs: escrita para o site Duelos Literários como tema do mês)


quarta-feira, 10 de março de 2010

MEDO

Segundo a psicologia, o medo é um instinto humano que faz parte da luta pela sobrevivência. Aquilo que é conhecido pode balizar nossas atitudes e dividi-las entre coragem, precaução, ousadia e pavor. Já o desconhecido coloca limites mais radicais nos atos da gente. Costuma nos dividir entre aventureiros ou borra-botas. Acertei? Não sei. Tenho medo de afirmar categoricamente tudo aquilo que desconheço. O que eu sei é que quando criança possuía um medo exagerado de tudo. Não podia ficar no escuro, não gostava de brigas de braço, tinha medo de quedas, de ciganos, não entrava em bola dividida. Talvez por isso tenha feito xixi na cama até os doze anos. Mas isso é um quadro patológico que não vale a pena pintar como ilustração.

Se fosse nos dias de hoje, provavelmente seria tachado de covarde. Já pensou, eu, nessa idade com medo de tudo? Curei-me, creio, mais por necessidade do que por ousadia. Tenho ainda alguns medos, todos relacionados aos vivos, que desconheço mais do que o sobrenatural.

Houve um acidente com meus dois irmãos, um primo e um vizinho, dono do carro. Chamava-se Édio. O Seu Dico Batista, outro vizinho, viu aquele monte de crianças na porta da casa onde era velado o corpo , aproximou-se e nos disse que era para entrarmos lá, beijar os pés do defunto e pedir a ele que levasse o nosso medo junto. Era assim que funcionava com o desconhecido e com a incapacidade de nossos pais e educadores de lidar com os mistérios da imaginação e com a fantasia infantis. Veja que (contra)tradição: os mortos curando o medo dos vivos! E lá fui eu, tremendo feito vara verde visitar o mensageiro de meu medo para o além. Minha coragem só foi suficiente para encostar minha mão nos pés dele. Estavam gelados. Nunca imaginaria que alguém pudesse adquirir uma temperatura daquelas. O calor humano passou a ter para mim um duplo sentido desde então. Corri com meu medo de volta para casa e ele agora tinha se transformado em pavor.

Pouquíssimo tempo depois, veio a falecer o Seu Dico Batista. E foi no velório dele que, estranhamente despachei de vez um bocado dos meus medos. A morte naquela época ainda não era tão banal ou os sentimentos humanos não eram tão fugazes e efêmeros. Uma vizinhança em um bairro era como uma enorme família. Conversei do meu jeito com ele, expliquei-lhe que a sua recomendação com o Édio não havia funcionado e fiquei lá, a noite inteira e até a hora do enterro no outro dia para certificar-me de que, enterrando-o, o medo estaria em sua companhia e não mais na minha. Funcionou? De lá pra cá, não sei. Criei muitos mecanismos de defesa mas ainda tenho umas portas abertas que me deixam entrar medos dos vivos quando as relações se escondem nas mais misteriosas intenções.

segunda-feira, 8 de março de 2010

CRIME COMUM X CRIME ESPECIAL


Se é limpa a sua ficha
é bom ter certo cuidado
não cometa deslize
não ouse um pecado

A pena é áspera como lixa
seu foro não é privilegiado
A menos que seja você
juiz, vereador, presidente, governador
parlamentar do tipo senador
ou sido eleito deputado

Portanto , meu amigo
malandro que é malandro
sabe o gosto da pancada

Quando um infortúnio lhe põe a teste
a frase é a de César
“alea jacta est”
o que quer dizer
sua sorte está lançada.

sábado, 6 de março de 2010

NÓ CEGO

Vão me desculpar os colegas historiadores, vão se danar os politicamente corretos. Eu cheguei a uma conclusão dessas que não agradam muito a ninguém, inclusive a mim, quando se fala que brasileiro não gosta de trabalhar. A conclusão, no entanto, nada tem a ver com a disposição para o trabalho. Gostando ou não estamos aí trabalhando como sempre, sustentando a nós e a muitos outros menos afeitos a um “trampo”, porém bons em outras coisas como, por exemplo, a famosa “lábia”.

Falo é do “nó cego”, um termo que exprime o jeitinho pouco suspeito de driblar as tarefas penosas, cansativas e repetitivas no trabalho. É também uma armação quase incontestável, às vezes, para se ausentar dele. Uma forma de enrolar o chefe ou em trabalho direto do empregado com o dono de um “negócio” (que, diga-se, quer dizer negação do ócio) ou ainda numa relação contratual de prestação de algum serviço.

Pois bem, o nó cego foi criado pelos escravos. Lendo relatos de brasilianistas* e viajantes**, especialmente quando falam da organização da vida no Brasil colônia e no Brasil império, a constatação é de que o homem branco daqui abominava o trabalho e o negro, como não podia copiá-lo, aprendeu a dar seus nós. Apenas seguia o exemplo dos seus proprietários, afinal que estímulos de nobreza laboral haveriam de ter? Só na base do açoite, quem gostava de trabalho passava a detestar.

Os viajantes narravam suas andanças pelo país observando o comportamento dos fazendeiros que lhes davam pousada. Também visitavam as senzalas. Tinham contatos com os donos, com os escravos domésticos e com aqueles que trabalhavam direto nos plantios e colheitas. É bem verdade que muitos deles também davam verdadeiros nós cegos no pessoal da corte. A pretexto de conhecerem o novo mundo, bem que muitos estavam a serviço de seus países, mapeando tesouros minerais, fauna e flora brasileiros. Podemos dizer que eram nós cegos especializados.

Agora, não vamos querer também comparar com o que fazem alguns políticos, né?Aqueles que superaram qualquer noção de trabalho digno e honesto e com a sua criativa malandragem conseguem dar nó até em pingo d’água! No caso brasileiro, tanto os antigos como os mais recentes já é safadeza mesmo.

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* BRASILIANISTA:Estrangeiro especialista em assuntos brasileiros

** VIAJANTES: Ina Von Binzer, Hans Staden, Saint Hilaire, Spix, Martius, Eschwege.

quinta-feira, 4 de março de 2010

DEMOCRACIA RIMA COM APATIA?

Democracia: Conceito vago esse. Perdeu-se na imensidão do mundo que tanto a enalteceu desde a Grécia clássica, que a fundou sob o manto da escravidão. Ela veio imperfeita como tudo que nasce da criação humana. Natural e louvável que se quisesse igualar os homens no exterior da vida. Por dentro não precisa de nenhum sistema que o regule. Nunca superaria o seu cérebro. Pelo menos, se espera. Tornou-se, portanto, um instrumento utilitarista na história. Nos momentos em que a barbárie natural do homem dá sinais de manifestar em forma organizada, ela é invocada, trôpega e claudicante para por ordem nas coisas.

Penso nisso e imagino que o homem só a valoriza, só a torna valor intrínseco, só a defende quando, ou foi usurpado pela sua falta, ou sofreu reveses irreparáveis na sua lida cotidiana. Aqui, tanto se lutou durante tantos anos pela sua implantação e parece-me que se limita hoje à obrigação de votar e ao direito de ser votado e depois quem votou passar para o lado de fora, aquele do xingamento; e quem foi votado para o lado de dentro da vitrine O resto espera-se subliminarmente que se resolva por si mesmo, até o próximo pleito se alguma coisa não der certo.

O que vem ocorrendo no mundo inteiro, mas vamos ficar só no nosso chão, o Brasil, me preocupa. Somos ainda uma nação muito jovem do ponto de vista de formação histórica de estado nacional, de consolidação como país. A referência para datar nossa juventude é o hemisfério norte e especialmente a Europa. Eles têm milênios nessa grande aventura chamada civilização. Têm tradição de reinos, impérios, repúblicas, parlamentarismos monárquicos e presidencialismos há muitos séculos. O povo também já está calejado com tanta fome e abundância, direitos, deveres, massacres, derrotas e conquistas. Portanto, creio que dão mais valor à democracia no seu dia-a-dia do que nós.

Os grandes regimes de carnificina que aconteceram na história foram cozidos num vapor barato, onde o calor não era suficiente para fervilhar os neurônios de populações inteiras. Então apareceram os incendiários travestidos de bombeiros oferecendo sua água inflamável para apagar o fogo. Construíram os tais impérios do mal com o apoio popular. De pão e circo passamos a lágrimas e sangue em muitos momentos em que a apatia e a crença que somente por si mesma a democracia representativa resolvesse todos os problemas de quem se preocupa apenas em encher os buchos ou os bolsos.
Se eu estiver errado, espero que não os críticos, mas a história me absolva.

terça-feira, 2 de março de 2010

INTRIGA

O que se faz hoje em intranet, se fazia até pouco tempo intramuros: fofoca. Muitas empresas para não deixar que a lavação da roupa doméstica caia na rede mundial possuem esse sistema privado de internet. Ali se distribuem novidades de interesse corporativo, se faz propaganda dos produtos e se impõe a doutrina dos donos. E fala-se muito, mas muito mesmo dos concorrentes, tudo com a garantia dos empregados de manutenção do sigilo interno. Rola uma fofoca solta.

Uma vizinha que tive, a Dona Iranilda gostava muito de jogar buraco * . Chamava a gente por trás do muro para uma partidinha quase todos as noites e íamos sempre que havia disponibilidade. Continuamente em sua casa, não gostava alternar nas de seus parceiros ou adversários. Proclamava-se a mais velha e mais cansada e alegava gostar muito de receber pessoas. Durante o jogo, conversas poucas e muita concentração, afinal não gostava de perder de jeito nenhum. Uma boa anfitriã, descontando-se o verdadeiro nevoeiro de pub inglês em que se transformava sua sala, de tantos cigarros que fumava em cerca de três ou quatro horas que duravam as partidas. Eu gostava dela até o momento em que começou a atazanar a minha vida com fofocas. Captava todos os ruídos que vinham de minha casa e transformava-os em histórias que a sua imaginação queria. Gostava de provocar desavenças. Falava com a minha mulher pelo muro, nem subia para mostrar a cara. Ficava aquela conversa de ecos.
- O pau quebrou ai em sua casa neste final de semana, hein? Tava um cheirinho de churrasco...
- Você não estava aí nesse fim de semana, né? Uai, parecia que estava tendo festa...
- Menina, seu marido fica muito em casa, né? Tem dias que você está viajando e ele está aí em plena luz da manhã... (Eu trabalhava em regime de revezamento de turnos).

A minha esposa do primeiro casamento tinha crises de enxaqueca frequentemente. Sempre que havia amigos em casa e as dores a acometiam ela se recolhia num ambiente fechado e escuro. Não suportava luz. Então, estava sempre junto dos eventos. A D. Iranilda, da última vez que fui lá jogar, discretamente a convidei, na saída para aparecer em minha casa qualquer dia. Ela disse que saía pouco, estava ficando velha e cansada. Aproveitei e respondi injuriado - Por isso mesmo, vá dar uma relaxada. Tem sempre festa!
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* buraco é um jogo de cartas
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