sábado, 30 de maio de 2009

CASO DE AMOR ÀS PALAVRAS

Não sei se todo mundo perde tempo com coisas inusitadas feito eu. Gosto de etimologia. Isso bastaria para não revelar excentricidades. Mas fuço, questiono e me digladio com palavras. Costuma dar em nada, mas me diverte. Selecionei dez durante uma exaustiva ruminância mental (bonita essa, não?) para apreciação dos meus parcos mas valiosíssimos leitores.


Conurbação: Quando vi, eu também pensei nisso que você está pensando aí agora. Mas nada tem a ver com cornos, nem com masturbação. É o processo de crescimento de várias cidades próximas, que vão se juntando, se confundindo, até formarem uma região metropolitana. Mas, aqui pra nós, não dá uma ligeira vontade de pular o muro?


Cizânia: Não é nenhum país da Ex URSS, que depois da tal cizânia virou CEI, nem nome de mulher, apesar de eu ter tido uma colega de nome parecido, Cirzene. Aquela, sim, unia muita gente em torno de si. Uma belezura!


Lascívia: Me acompanha desde a adolescência, mas não é mulher. Apesar de só ficar me provocando.


Idiossincrasia: Gosto dessa palavra, menos pelo som que vibra meio travado e mais pela significância relativa dos modos das gentes. Os olhares, os falares e os agires. Parece idiotia e às vezes pode ser mesmo um traço do comportamento.


Somatização: não é nenhuma operação contábil, embora remeta a transferência. Não para crédito, mas débito para um órgão do corpo, que fica com o peso que a cabeça não agüenta ou não processa.


Claudicante: Ah, essa é meu martírio! Sempre tive a intuição que queria dizer vacilante, incerto. E é mesmo. Só que fuçando nas origens, vi que Cláudio significa manco, claudicante, vacilão. E não é que meu nome é Cláudio? Ainda bem que manco por enquanto só da cabeça!


Mesquinho: Uma palavra tão bonitinha! Mas ordinária, infelizmente! À primeira vista, fica parecendo um apelido carinhoso de Tomé. Não, se bem que Tomé ( famoso apóstolo) até que não era mesquinho, mas duvidava de muita coisa que não podia ver antes.


Limbo: É a parte que me cabe no universo. Mas, cá pra nós: não parece alguém falando “lindo” com a boca cheia?


Pusilânime: Sempre que eu lia ou ouvia essa palavra, ficava martelando, martelando, martelando na minha cabeça. A ponto de me levar a associar a palavra a uma martelada, significando uma coisa incisiva, uma inconfundível pancada. Dizem que poucas pessoas a usam por ser uma palavra muito forte, muito contundente. Ai mesmo é que eu associava a uma martelada. Descobri que sou mesmo um covarde. Demorei demais para ir consultar o dicionário. Uma covardia!


Inato: Essa é a minha eterna implicância. Amor e ódio caminham lado a lado. Tudo o que já nasce com o sujeito é inato. Existe uma outra definição que é de algo ou alguém que não nasceu, mas ai não vale. É mais confusão. Podia ser nato, nascido, herdado, mas não! É inato. Veja bem: um cara desavisado é incauto, um outro que ninguém agüenta, é insuportável, algo que não acabou é inacabado. Quem não é feliz é infausto. E eu tenho esse tipo chato (que não é inato, viu?) É adquirido de tanta implicância.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

PROFISSÃO DE FÉ PARA O MUNDO TERRENO

Fui ditando para a moça meus dados para o preenchimento do cadastro. Como era para uma pesquisa sem fundamento científico nem me vender nada (graças a Deus), fui divagando.


- Moro numa rua que começa em Belo Horizonte e vai dar no meu coração.


- Meu número é o da sorte.


- Identidade? Possuo com muita coisa. “Com algumas pessoas eu me simpatizo por acreditar nos seus olhares, com outras eu me simpatizo pelas suas qualidades de caráter, com outras ainda me simpatizo por me simpatizar com elas, porque sou rei, absoluto na minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser...”(Obrigado, Bethânia)


- Já meu CPF, prefiro omitir, vai que a Receita veja... é muita explicação.


- Agora, a minha profissão? Bom, coloca aí, aposentado. Não, não. Estou novo ainda (mas já não sou aposentado?). Põe historiador. Não, não exerço mais na sala de aula, só na observação. Então ponha técnico em mecânica. Pensando bem, já não exerço mais também. Então ponha cozinheiro. Isso eu exerço bem, mas não sou profissional, tem problema? Tá difícil, vá de escritor. Mas como escritor, se nem livro publiquei ainda? Mas já tenho dois , prontinhos para o forno (opa, confundi com a cozinha). Prontos para a editora. Então não sou profissional. Ponha escritor diletante.


- Que isso moço, diletante?


- Vai de escrevedor, que é melhor. Quer saber, precisa mesmo? Então é melhor gastar essas três linhas e me colocar no sonho dos bóias frias: - “São pais de santo, paus de araras, são passistas, são flagelados, são pingentes balconistas. Palhaços marcianos, canibais...” Tá bom assim? - Agora pode fazer as suas perguntas.


Ela só riu e disse que já bastava. Saiu resmungando:


- Cada maluco...

terça-feira, 26 de maio de 2009

PAI

PAI, VOVÔ, BISA, SOGRO, TIO, COMPANHEIRO,


Falar de quem chegou aos oitenta, simplesmente como quem vai a algum lugar, é fácil. Basta mapear seu caminho, suas paradas e pronto. Saiu, andou, chegou. Há os que trilham os caminhos, há os que observam em sua volta, mudam as rotas, as paisagens. Fazem um mundo diferente para si e para os outros, criando uma fortuna.


Agora, queremos falar a você sobre sua fortuna. Não no sentido da fortuna que se deposita ou se tira nos bancos. É a fortuna dos sábios. A fortuna crítica. Aquilo que se plantou e se colheu pela vida afora.

Você é um afortunado.


- Afortunado por colher com tanto amor e alegria uma família sólida; Teve dores sim, mas muito mais alegrias;

- Afortunado porque construiu amigos desses que a gente não dispensa a companhia em nenhuma hora por elas serem o nosso segundo passo na caminhada. Dá-se um passo e os amigos dão outro, juntos;


- Afortunado porque houve uma compreensão de que sua cidade, sua comunidade, o seu espaço de vivência tinha que ter a sua participação para que fosse cada dia melhor para todos e assim tem sido, desde que você pos suas mãos, seu suor e, sobretudo, seu coração em cada momento de pavimentar esses chãos de Itabira.


- Afortunado porque é no reconhecimento que reside todo o seu legado social, cultural, político, familiar e pessoal. E esse reconhecimento não é de agora, só pelo seu aniversário. Ele é visto e vivido todos os dias. Basta ver as companhias que te rodeiam por querer sempre ter o prazer da sua companhia. Basta ver que tanta gente que se ajunta em torno de você não faz isso com outro interesse e vontade senão de partilhar de seu carisma, de sua generosidade, de sua disponibilidade, de sua crença na coletividade como meio e como fim de todas as realizações e conquistas. Nós, seus filhos, seus netos, bisnetos, seus genros, suas noras, sua companheira somos muito agradecidos por essa fortuna. Todo esse nosso amor não foi transferido assim só de sangue para sangue. Foi construído numa base tão firme que não dá para esquecê-lo jamais.


E agora José? Agora a festa vai começar.


PARABÉNS DESSA SUA IMENSA FAMÍLIA QUE TE AMA.

HOMENAGEM a José Felipe Adão, patriarca, 80 anos

domingo, 24 de maio de 2009

É CIÊNCIA?

O senso crítico, aquele que vive numa luta inglória e insana contra o senso comum adverte: a ciência(?) tem seus momentos de crise existencial. Ela não é um ser com vida própria não, apenas é vitimada, às vezes, ou por excesso de dinheiro destinado a pesquisas ou pela absoluta falta de objeto sério daqueles que têm vida própria, mas muito pouco a fazer ou pensar nas suas deambulações laboratoriais. É muito devaneio para quem lida com método. Não podemos negar que muitas das grandes descobertas científicas devem agradecer ao acaso, a circunstâncias e outras coincidências inicialmente sem nenhuma metodologia prévia. Ele ( o método) costuma ser sistematizado depois da experimentação para explicar o imprevisto. Muita coisa deu certo nesse mundo em benefício de nós aqui, leigos, viventes à espera de milagres.


Eu também, amiúde, não tenho muito que fazer e fico tentando descobrir coisas benéficas para minha mente insistente no aprendizado. E deparo com coisas inacreditáveis, mas que não deixam de ser risíveis, a despeito do rico dinheirinho que vai pelo ralo e deixa para trás uma fila incontável de doenças sanáveis e saúdes por vir.


Anotei durante um mês só as manchetes de sites diversos, algumas das mais recentes EUREKAS da ciência. E fiquei tão pasmo que não consigo comentar mais nada. Fica para vocês, meus queridos muitíssimos poucos leitores. (quem quiser ler na profundeza as conclusões dos trabalhos é só digitar no grande farol google os títulos).


“‘Gás do pum’ pode tratar pressão alta”

“Estudo: café em excesso pode reduzir seios.”

“Estudo liga julgamento humano à temperatura de bebida”

“Brincar e correr como criança pode ser melhor do que praticar exercícios tradicionais, como corrida e ciclismo, sugere uma pesquisa da Universidade de Glamorgan, no País de Gales.”

“Espirro pode ser sinal de excitação sexual.”, diz estudo.

“Tamanho do dedo pode levar ao sucesso financeiro.”

“Cientistas desocupados da Universidade de Newcastle, norte na Inglaterra, descobriram que as vacas que possuem seu próprio nome produzem mais leite.”

sexta-feira, 22 de maio de 2009

GAVETA DE MEIAS

Todo ano no carnaval era o mesmo rito. A mulher ia com a filha pequena para a sua cidade e ele, trabalhador de turnos de revezamento, não folgava nem um só dia do feriadão. Nem por isso perdia a balada, ou melhor, a batucada. Ainda mais sem vigilância qualquer. E carnaval em Ouro Preto, bom sujeito não perde.


Eli era seu companheiro nas mesmas condições. A diferença era que seu filho era homem e a vantagem é que possuía um carro, a mobilidade necessária e agilidade indispensável. Moravam na cidade vizinha e a empresa não perdoava atrasos nem faltas ao trabalho nessa época do ano. Tinha muita chefia que emendava o feriado e a peãozada tinha que garantir a produção. A imprensa vive de pau nos feriados nacionais. Dizem que o país pára. Quem trabalha em indústria e serviços sabe que é uma mentira deslavada e maliciosa.


Mas voltemos às meias. Até umas duas horas antes de encararem uma nova jornada ficavam ali pelas ruas, sobe e desce ladeira, pula, canta e dança e depois soa na consciência o aviso do relógio de ponto. Hora de ir em casa, tomar um rápido banho e enfrentar o batente, afinal, homens de ferro (trabalhavam na mineração) não são só diversão. Pois foi num daqueles dias que o cansaço e a semi escuridão se juntaram à pressa e não deu sequer tempo de tomar um banho. Erraram a hora e foi o suficiente apenas para vestir rapidamente o uniforme na penumbra e sair voando estrada afora para não chegarem atrasados. O Eli lhe esperava na porta e ainda teria que passar em sua casa antes para fazer o mesmo procedimento.


Deu certo. O relógio registrou os pontos exatamente às sete horas e nem um minuto. Foi até um alívio, já que havia a tolerância (?) até as sete e dez. Só foi dar conta da trapalhada ao ser motivo de chacota entre os colegas. Não entendia por que todos riam tanto de sua aparência. Uma pausa para ilustrar melhor a triste figura: era muito alto e suas calças de uniforme sempre eram mais curtas que as pernas, deixando as meias às vistas. Olhou-se no espelho, procurando um despenteado, uma cara suja de creme dental, alguma marca que despertasse tanta ironia. E nada. Só depois de sentar para preencher uma ordem de serviço recém concluída é que foi notar. Na pressa em casa, havia revirado a gaveta (errada) em busca de meias. Calçou a primeira que encontrou. Era um lindo par de meias de crochê, alaranjadas, de sua mulher.

terça-feira, 19 de maio de 2009

O MUNDO É UMA BOLA

Diálogo acadêmico. Um pesquisador em fim de carreira e um ambicioso doutorando, mas num bar porque na academia, tem que ser mais técnico.


- Nessa altura do campeonato? Essa tese esdrúxula?


- Mas eu não pisei na bola...


- Pisou. Fica aí, dando canelada por todos os lados, perdido. Resolve: ou vai para o chuveiro, ou vai para a galera.


- Vou fazer é gol de placa.


- Que nada, rapaz, você já é bola fora.


- Mas eu driblo qualquer situação embaraçosa...


- Baixa essa bola, meu, você tá é chutando...


- Inveja, só por que você já foi mandado para escanteio!


- E você, que fica ai, batendo cabeça, só jogando para a torcida. Tá pensando o quê, que tá com essa bola toda?


- Entrego, defendo antes do apito final e ganho o jogo.


- Nem nos acréscimos, nem nos acréscimos! Você vai ver a barreira...

domingo, 17 de maio de 2009

PERDIDO

Estranhamente confuso

Estranha mente confusa

Estranha a mente

Estranha, mente

sábado, 16 de maio de 2009

AEDO CIBERNÉTICO - MEU CARO AMIGO *

Augusto Boal (teatrólogo) estava exilado em Portugal em 1976 em plena ditadura no Brasil. Dizem que ele reclamava que Chico Buarque não respondia as suas cartas. Ai, a genialidade entrou em cena. O Francis Hime havia composto um chorinho e Chico resolveu colocar a letra em homenagearem ao amigo com essa belezura toda.



MEU CARO AMIGO

CHICO BUARQUE E FRANCIS HIME


Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus

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* Na antiguidade, como a escrita era pouco desenvolvida, o AEDO cantava as histórias que iam passando de geração para geração, através da música. Depois, veio o seu assemelhado na idade média que era o trovador. Hoje, juntado tudo isso com a tecnologia, criei o AEDO CIBERNÉTICO.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

PREGÃO

No séc. XVIII, nas vilas de Minas, quando morria um sujeito rico ou importante seu cortejo era comandado por um pregoeiro, geralmente alguém que possuía uma voz forte, grave e alta. Ia pelas ruas e distribuía aos berros, ordens, orientações, limitações e mandamentos para o povo. Esse, por sua vez, tinha que cantar alto ou fazer barulho em homenagem ao defunto. O cara ganhava audiência para o morto, literalmente no grito. Essa solenidade se chamava pregão.


Eu, em vez de arranjar um jeito de ganhar algum aos berros, não! Fico aqui tentando achar explicação e relacionar os fatos, procurando origens, escarafunchando a história atrás de esclarecimentos para tantas coisas que vivemos e nem damos conta dos significados. Felizes aqueles que ganham o seu, pouco ou muito e vão tocando a vida sem muitas preocupações filosóficas, gnosiológicas, e outras bobagens da existência.


Ficava curioso para saber o que falavam aqueles corretores que aparecem na televisão na hora que vão dar as cotações das ações das empresas. O que subiu, o que baixou, quantos pontos. Os caras ficam com um telefone gritando cada um mais alto que o outro, que deve ser para ninguém ouvir. Dizem que saem de lá todos os dias afônicos, atrás de gengibre para agüentar o outro dia. Em São Paulo, o comentário é de que a Bolsa passou a funcionar somente a partir de 11 h da manhã exatamente pra dar tempo deles recuperarem a garganta.


Aquele berreiro todo não homenageia nenhum morto rico, mas gente ganhando um dinheirão. Vivo! E quanto mais alto o tom, mais o sujeito deve estar ganhando. É, porque nessa mesma história, quando chega a perder muito mesmo, com a mesma velocidade que encheu os bolsos, o que vemos é o cara se desesperar e se matar ou então morrer de um colapso fulminante. E seus velórios costumam ser tão silenciosos...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

PARA GOSTAR DE LER *

Acabo de ler no blog do Sérgio Rodrigues, um excelente texto sobre incentivo à leitura na escola (http://colunistas.ig.com.br/sergiorodrigues/2009/05/12/o-desprazer-de-ler). Há que se louvar as tentativas tímidas e renitentes de muitas delas para o incentivo à leitura entre as crianças e adolescentes.


Eu constato que a dificuldade vem de longa data. Quando estava no ensino básico, tinha que ler pelo menos um livro por mês, para prestar exame ao final, valendo nota. Machado de Assis foi minha primeira vítima de literaturicínio, um homicídio de literatos, que acabo de criar. As crianças o incluíam até nas piadas de mau gosto. Lembro-me de uma que meu irmão mais velho contava (e olha que ele já gostava de leitura!). Era um método para pescar jacarés. O sujeito ia para a beira de um rio que tinha muitos jacarés. Levava em sua bolsa um livro qualquer de Machado de Assis. Sentava-se na beira, chamava um jacaré. Começava a ler para ele até que adormecesse, pois ia achar a história chata. Daí pegava o jacaré entorpecido, amarrava, colocava na bolsa e levava embora. Veja em que isca se tornou o monstro sagrado da literatura mundial.


E escola indica clássicos e famosos para crianças em formação. Talvez queira mais status para si (a escola) do que formar educandos. Como compreender esses autores aos nove, dez anos e gostar de ler? O problema pode ser o método, a forma, as indicações. Acho que foi na época errada, na medida errada o que me mandaram ler. Acabei tomando gosto através dos gibis, dos jornais que via meu pai lendo, dos livros sobre ervas e plantas que via minha mãe lendo. Fico hoje tentando me redimir com o Machado e todos os clássicos ao meu alcance, lendo. Agora, sem nota, sem medida. Puro prazer.


Assim a escola não vai, assim não vai haver espaço nas casas, nos quartos , para livros, ao lado de joysticks, dvd’s, mp 3,4,5,...

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* O TÍTULO SE REFERE A UMA COLEÇÃO DA EDITORA ÁTICA QUE VINHA MENSALMENTE COM CONTOS E CRÔNICAS DE AUTORES BRASILEIROS DESTINADAS À FAIXA INFANTO JUVENIL. ALGUMAS ESCOLAS A ADOTARAM COM RELATIVO SUCESSO

domingo, 10 de maio de 2009

ENTRANDO NA VARA

- Amor, tô indo lá na Vara! Gritou a mulher na porta.

- Opa, pera aí, que negócio indecente é esse?

- Calma, meu bem, é na Vara de família.

- Piorou, além de corno ainda tenho que passar por esse constrangimento? E com alguém da família? É algum irmão meu? Sobrinho? Ou é da sua família? Que é isso, onde estamos?

- Achei que você soubesse. Vara é a separação das especializações judiciais. Tem vara de família, vara criminal, vara civil, entendeu agora? Vou lá buscar um processo. Preciso fazer um laudo pericial.

Ah, bom, meu coração já tava aqui se despedindo. Não iria aguentar um sofrimento desses.

- Se você fosse se despedir de mim por esse motivo, teria que entrar na vara junto comigo. Mas na de família, pois é onde se fazem os divórcios, explicou ela, saindo e batendo a porta impaciente.


Há algumas denominações que nos deixam assim, intrigados, por combinarem a sua função nobre com situações cômicas. E podem se tornar trágicas se não vier uma explicação razoável para que a ignorância no assunto desapareça.


No Brasil colonial, lá no séc XVII, quando ainda nem existiam cidades, as vilas eram administradas por um regime de nomeações de pessoas de posses e títulos concedidos pela coroa portuguesa. Juízes, vereadores e homens da segurança portavam cada qual uma vara que, pelas suas características, distinguia o cargo e conferia autoridade e dignidade. O juiz (que não era do lugar, daí a expressão Juiz de fora) empunhava a sua, branca, com uma cruz sob a qual prestava juramento. O vereador levava outra, vermelha, com as figuras das armas do reino e a dos quadrilheiros (uma prévia do que viriam a ser os policiais), era verde, usada para separar briguentos de rua e efetuar prisões. 1


Não sei por que somente a justiça permaneceu com essa denominação. A polícia perdeu a vara, mas o cassetete continuou garantindo as bordoadas. Já os vereadores, mesmo sem as varas, continuam com o condão, multiplicando-se em número e benefícios, sob a égide da justiça e a proteção da polícia.

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1 – In: Donato, Hernani, História dos Usos e Costumes do Brasil – 500 anos de vida cotidiana. Ed Melhoramentos, São Paulo, 2005.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

CONSEGUINDO A MINHA VIDA DE VOLTA

“Vamos tentar viver fazendo o menos mal possível. Talvez seja a única sabedoria ao nosso alcance.” (José Saramago)


CARTA A ANTÔNIO MARIA SANTIAGO CABAL

Meu Caro Antônio Maria,

Eu acabo de ler o seu livro, seu relato autobiográfico, sua essência humana. Misturei sentimentos vários durante a leitura, o que pode ser natural num romance, num livro de poemas, numa biografia, enfim, num livro comum. A força das descrições, sem preocupação com estilo, com forma, simplesmente a catarse pessoal é que mais impressiona. Difícil missão. A gente tende a colocar como enfeite um pouco de vaidade pessoal nos escritos. Nenhum demérito. Apenas objetivos diferentes. O seu, na minha humilde opinião, foi cumprido com todas as letras; isso mesmo em cada letra juntada que formou palavra, que formou frase, que exprimiu sentença, que transmitiu sentido e afetou sentimentos.


Deu vontade às vezes de abandonar a leitura: raiva. Deu vontade de ter você por perto para ir te olhando com comiseração. Deu vontade, estando você por perto, de me emocionar junto, imaginando o quanto de angústia foi reviver toda uma vida passando-a para o leitor. O que pode ter sido para você uma espécie de tratamento de choque, uma lavagem na alma, uma expurgação de aflições, é para nós, leitores, humanos e falíveis, um lenitivo, um bálsamo e acima de tudo, reflexão. Muita reflexão acerca dos significados da existência humana. Desse inato instinto gregário que possuímos, dessa necessidade do outro para dar à nossa própria vida significação que valha a pena, de fato. No final, deu vontade mesmo foi de te abraçar e olhar nos seus olhos tão sinceros estampados na fotografia da contra capa.


Ah, como desejamos que a superação humana seja tão ricamente acabada! Tantos tombos, tantos motivos para desistir de tudo, para abandonar o barco e ir para as profundezas, não te esmoreceram jamais. Mais importante ainda é, a despeito de tudo que conspirou contra a sua ânsia de viver, tantas mazelas, tantas recaídas quase insuperáveis ( é assim que a gente sente lendo o livro), você tirou disso lições incomparáveis e as transmitiu (mesmo que não fosse essa a intenção). Inevitável não sermos embalados pelo calor de sua luta incessante, às vezes insana contra a morte e, paradoxalmente em direção a ela.

O que suscita o livro é uma vontade de que ele fosse lido por quantos e quantas for possível, tendo ou não problemas correlatos. Assim como faz a mídia grande com os supostos heróis e heroínas efêmeras ,mas vistosos e exemplares para muita gente no nosso meio, precisamos nós, cidadãos comuns, fazer com nossos pares, que são na verdade nossos verdadeiros espelhos, nossa razão de estar vivendo, lutando para justificar nossas vidas.


Eu já o conheço. Considero-o um quase irmão mais velho, quem sabe um pai? Afinal temos uma diferença de quase uma geração, 20 anos. Mas considero, sobretudo, um amigo, se assim me permitir. Recomendo que todos quantos possam ter acesso ao seu livro que leiam-no. Não com intuito de comprá-lo para aumentar suas vendas, você não precisa disso. Para aumentar ainda mais sua estima, baseada no reconhecimento de determinação, de garra, de um não-conformismo e de olhos e coração que buscam para sempre não ser apenas mais um nessa multidão planetária. Nos olhos, a gente vê absurdamente brilhantes, no coração a gente sente pulsar, mesmo estando de longe.

Um afetuoso e fraterno abraço.

José Cláudio

SOBRE O LIVRO:

“CONSEGUINDO A MINHA VIDA DE VOLTA”

De (ANTÔNIO MARIA SANTIAGO CABRAL)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A CANÇÃO DA VIDA

SOBRE A CANÇÃO DA VIDA

(de Mário Quintana)



(Eu, falando sozinho no ônibus)


Quintana, Quintana

Que da lápide ou túmulo me escuta

Tu és mesmo filho do elfo luminoso da selva de pedra

O ser que rege o décimo terceiro signo do zodíaco

O astro dos gênios e dos poetas.

Só mesmo um elfiano, nascido das luzes

Para rimar Renoir com poluir

E eu, esse grosso, rude e bronco literário

Filho da picareta das minas

Para procurar razão no dicionário.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A SUICIDA

Tinha a minha mãe que largar seus afazeres na correria toda semana para socorrer a Aparecida. Era álcool que tomava, era comprimido, era o pulso que mal cortava. Vivia tentando um suicídio falido sem querer muito a morte de verdade. Despertava com os gritos finos de D. Maria, sua mãe. – Acode aqui, Maria (a outra, minha mãe), que a Aparecida tá morrendo. Ia lá, a retirava do banheiro, olhava bem a cara desfalecida e patética, lhe dava um copo de água com açúcar. Queria mesmo era um reconhecimento, uma atenção ou um casamento para se livrar daquela vida insípida e sem significado.


Uma família sem o menor gosto por nada. Nem de confusão gostavam. Eram alheios até na indiferença. Seu Clemente, o pai, era vigilante noturno do grupo escolar do bairro. Não fedia nem cheirava. Se falava, nem me lembro. Tão poucos dentes na boca silenciosa! O que realçava nele eram as botas de couro com os dedinhos dos pés para fora. Era assim que aliviava os calos. Curioso para crianças, mas, meu Deus, como pode um homem cuidar de uma família se trata assim dos calos? Os irmãos e irmãs passavam ao largo da Aparecida, linda (era a única bonita da casa). Ela nem se justificava depois de socorrida tantas vezes. Nenhuma queixa, nenhum choro arrependido. Idiossincrasias? Mau agouro? Inveja não poderia despertar. Não há quem inveje o suicídio. Nem mesmo os suicidas de verdade, que levam a termo o pacto.


Aparecida sumiu por uns tempos. As crianças da vizinhança imaginavam que havia finalmente, conseguido seu intento. Mas não. Revigorada, apareceu num carrão de um homem bem mais velho, seu amor. Casou-se, mudou e de tanta indiferença contagiosa, nem sei se viveu feliz para sempre.

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