quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

VAI PASSAR

Quando eu era criança ouvia os mais velhos dizerem uma frase que reportavam à bíblia: “a mil chegará, de dois mil não passará.” Era o apocalíptico fim do mundo, segundo a crença de muita gente. Ficava temeroso mas um tanto aliviado. No ano de 1999 ia estar com 37 anos e já teria vivido demais. Para uma criança, alguém de trinta e sete anos é um velho. Medo, no entanto, eu tinha algum. Afinal, qualquer pessoa saudável não quer morrer mesmo estando “velho”. Isso me acompanhou durante muito tempo. Passei a não gostar tanto de revellions. Eles abririam as portas para a epifania do fim dos tempos. Cada ano uma porta. Cada porta um passo para o encurtamento da vida. Eu fui crescendo e passei a fazer a minha própria interpretação bíblica. A bíblia é tão enigmática, tão metafórica, tão cheia de dedos humanos que isso acaba acontecendo: cada qual interpretando de acordo com suas vontades, suas convicções e até mesmo interesses mais inconfidentes.


Já mais familiarizado com a matemática, descobri que o fim do mundo poderia ser no ano de 2999. Ainda estaria dentro da casa dos 2000. Relaxei e tratei de rever planos e despachar as dúvidas. Investi na longevidade em pensamento. Digo em pensamento porque os cuidados com a matéria corporal não recomendam que eu tenha tanta vida útil. Veio o século XXI, a terra continua inamovível, apesar de um tanto mais maltratada pelo homem, mas nada que assuste a ponto de acreditarmos que sua destruição é iminente. Confesso que fui feliz muitas vezes. Tive muitos problemas, nem todos que imaginava e também alguns que imaginei acontecerem comigo. As alegrias, entretanto, foram maiores. Planejo até ver netos crescerem um pouquinho...


De 1970 para cá eu me lembro muito bem de todas as copas do mundo. E é através delas que vou agora contanto meu tempo por estas bandas. Teremos no próximo ano mais uma e a de 14 será no Brasil. Não vai dar para ir a todos os jogos pois fortuna não fiz e creio não mais fazer até lá. Se bem que não é meu interesse ser mais afortunado do que já me considero com os afetos que construí até hoje.


A última previsão do flagelo final é para 2012. Justo quando eu resolvi que vou completar 50 anos. Será que o ano desse fim chega até setembro?


Desejo a todo mundo vida longa, muita saúde e paz em 2010 e por todos os anos que ainda nos restarem dentro desses quase nove séculos que ainda virão, segundo minha interpretação. Paz e bem.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM O PAPAI NOEL

Arcanjo Isabelito Salustiano*, o filósofo das ruas, estava passeando pelos shoppings e feiras da cidade em busca de assunto, já que desde o início do ano ele já sabe para quem pode e quanto pode gastar com presentes. Encontrou vários papais Noéis, tirou fotos, conversou muito e observou tudo, até o momento em que passou um cara e roubou um saco que estava ao seu lado. Provavelmente pensou que estivesse cheio de presentes ou dinheiro. Tudo caixa vazia. Enquanto as crianças e populares corriam atrás do sujeito, ele conseguiu essa rápida entrevista com o Papai Noel.


ARCANJO: Papai Noel, explique para nós a sua origem geográfica. Não precisa falar de sua onipresença, isso todo mundo sabe. Onde fica essa tal de Lapônia?


PAPAI NOEL: A Lapônia não é um paraíso fiscal como muitos podem pensar. O saco cheio que carrego é proveniente de muitas doações de gente honesta do mundo inteiro. E a Lapônia fica num lugar onde as renas nascem. Nem avião chega lá. Só as renas. E só as minhas. Rena é um bicho criado exclusivamente para Papais Noéis.


ARCANJO: A tradição cristã fala também que você é a representação do São Nicolau?


PAPAI NOEL: Era, meu filho, era! Pelo menos aqui no Brasil! Apareceu aí um certo Nicolau, de quem falam ser ele um juíz e derrubou a minha reputação de bondade , caridade e solidariedade. Já pensou eu ser tratado pelas criancinhas de Lalau? Vamos ficar só com o epíteto do “bom velhinho”, que já tá bom.


ARCANJO: E sendo assim, meio gordo, por que entrar pela chaminé?


PAPAI NOEL: Isso vai se modificando com o tempo, meu filho. Em primeiro lugar, são raríssimas as casas hoje em dia em que há chaminés. Aliás, o número de casas vem só diminuindo. Nos prédios onde não tem elevador, eu ainda tenho é que subir escadas em vez de descer pela chaminé. Eu tenho que tocar nos interfones e há lugares onde é difícil liberarem minha entrada. Tem tanto clone de papai Noel mal intencionado por aí... Quanto à chaminé, era uma forma de me aquecer, já que de onde venho é muito frio. Agora, além do sumiço das casas, e com esse aquecimento global, já estou querendo é mudar o uniforme, algo mais leve.


ARCANJO: Por que você não se adapta em cada região aos seus costumes? Por exemplo: esse negócio de neve no Brasil nesta época do ano, não cola com a sua imagem nem com o clima. Não acha muito americanizada a sua atitude? Você não estaria puxando a brasa para a sardinha dos americanos? Quer dizer, trazendo essa idéia de neve para cá em pleno verão? Eles já dominam tantas coisas no mundo... Será que o Natal não pode ser cada um com seu costumes e deixar o ecumenismo somente para celebrar o nascimento de Cristo? Não bastou esse tal de panetone que você espalhou por aqui? Deu até confusão numa certa cidade lá no planalto central do Brasil. Tinha um cara disfarçado de papai Noel sem o devido traje roubando dinheiro e dizendo que era para distribuir panetones aos pobres...


PAPAI NOEL: Bom, em assuntos internos de cada país eu não me meto, sabe como é, a minha imagem universal... Imagine se eu chego no Brasil, por exemplo e me visto de bermuda, chinelão, boné e camiseta regata? Aonde iria parar a minha credibilidade com as crianças? Fora o fato de que eu iria ter que ficar me explicando para a polícia. No mínimo iam me confundir com vagabundo. Ou então, num traje desses com um saco nas costas, eu ia era ganhar esmolas.


ARCANJO: Obrigado seu Noel. Quer deixar uma mensagem final para seus fãs no mundo inteiro?


PAPAI NOEL: Se quero! Tenho notado que em todo lugar as pessoas por mais que dêem e ganhem presentes, estão sentindo falta de mais presença do outro em suas vidas. Disfarçam as suas faltas e carências com artigos de consumo imediato mas não conseguem preencher seus espíritos com uma substância que não está à venda em nenhum lugar. Eu gostaria mais de ser outros símbolos. Queria simbolizar mais a tolerância em vez da indiferença. Mais a humanização em vez da coisificação. Mais a essência em vez da aparência. Queria que fôssemos mais sujeitos das coisas e valores e não meros objetos de dominação por falta de envolvimento real nos destinos de cada lugar, de cada país.

Eu desejo natais onde, em vez de meu sem graça HÔ,HÔ,HÔ, eu poderei escancarar um satisfeito HAHAHA!



________________________________________________

* ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO é um personagem que criei.



domingo, 20 de dezembro de 2009

DISCUTINDO A RELAÇÃO

- “Se você disser que eu desfino amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor”.

Isso foi depois de “um dia em que ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar”... Olhou-a de um jeito muito mais frio do que sempre costumava olhar e disse:

- “Não sei por que insisto tanto em te querer”... “Como vai você”? “Eu preciso saber da sua vida”! Nem que seja “só pra contrariar”.

E ela, na rotineira ausência de cumplicidade conjugal, pensava:

-“ Todo dia ele faz diferente, não sei se ele volta da rua, não sei se ele traz um presente, não sei se ele fica na sua. Talvez ele chegue sentido , quem sabe me cobre de beijos? Ou nem me desmancha o vestido? Ou nem me adivinha os desejos”?

Que confusão! É que ele quer uma letra, num acorde de um violão, ela quer um batidão (tum,ti,tum,ti,tum), ele quer um documentário, um filme , algo especial, ela quer uma novela, uma imagem digital com detalhes que mostrem celulites nas mulheres e a cor real da raiz dos cabelos alourados por tinturas mil.

E se ela quer Caras, ele quer um livro. Ela falou pro didjei , ele falou pro maestro: se ela dança, eu ouço uma sinfonia. Ela descia na boquinha da garrafa. Ele, contrariado, descia uma garrafa na boquinha. Não era um 12 anos, mas apaziguava. E ela ralava na boquinha da garrafa e ele ralava com as palavras para encontrar algo que descrevesse tanta “vida besta, meu Deus”!

- “Valei-me Deus , é o fim do nosso amor, onde foi que eu errei? Será que minha ilusão foi dar meu coração com toda força pra essa moça”? Pensava ele.

Se é “cada um no seu quadrado”, uma hora dessas ele vai acabar optando por um triângulo . Mas como antes que ela dissesse mais alguma coisa, ele “se instalou feito um posseiro dentro do seu coração”, - liga não! Disse ele. “É que no peito de um desafinado também bate um coração”. E o assunto ficou para a próxima vez que precisassem discutir a relação.


Nota: As palavras, expressões e frases entre aspas são referências a letras de músicas e trechos literários.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DICIONÁRIO

Corria o ano de 1986 e a minha primeira filha estava esperando para vir ao mundo. E eu não podia me dar ao luxo de muitos gastos. A gravidez era de risco e o inesperado é sempre companhia da temeridade. Ainda que não seja nenhuma tragédia anunciada, inspira poupança. Juntando isso com os sobressaltos de conviver com um plano econômico a cada mês e reajuste salarial apenas uma vez por ano, temores havia sempre. Imagine comprar hoje um quilo de tomates a um real e amanhã ele ser dois, depois dois e cinqüenta. Era assim que funcionava o tal do dragão da inflação, mesmo com o Sarney, na época presidente e sem atos secretos, convocando a população para agir como fiscal nas ruas para vigiar os preços. Quem trabalhava o dia inteiro mal tinha tempo de fiscalizar seu emprego ameaçado a todo momento.


Mesmo assim eu não resisti à tentação e comprei o meu primeiro AURÈLIO, oferecido em quatro prestações fixas (encontrar prestação fixa era como ganhar prêmio em sorteio). E ele solidariamente resistiu, talvez como o maior patrimônio que adquiri em minha vida - pelo menos em meu conceito de valor. Afora as minhas duas filhas, mas isso não se conta como patrimônio intelectual nem material. É muito mais que possam explicar nossas teorias de apego. Não entro no mercado com meus sentimentos postos a avaliações. De lá para cá ele me acompanhou em boletins sindicais escritos quase que diariamente, me acompanhou durante toda a minha graduação e mudou um sem número de vezes de casas e apartamentos. O cuidado quando de seu manuseio era como se estivesse transportando cristais. Sua encadernação é de linhas costuradas.


Agora está chegando ao seu esgotamento físico imposto pelo tempo, esse implacável e impassível senhor das razões e loucuras, das alegrias e das amarguras, assim como faz com gente feita de tutano e osso, neurônio e outros tecidos sem costura. Alguém pode dizer: mas com a wikipédia aí disponível, com um google de todo tamanho, que tolice! Para os muito leigos eles realmente satisfazem. Já para quem se relaciona quase ludicamente e lubricamente com as palavras sabe do que falo. Nele quando o significado traz algum sinônimo lírico, poético ou literário há citação de traços ou trechos de obras literárias exemplificando. Nele há etimologia, há pronúncia. Sem contar que na página em que se está pesquisando algum verbete, há sempre a tentação de namorar outro ali do lado, acima ou abaixo por pura curiosidade ou aquela quedinha inevitável para uma outra palavra. E para quem gosta de pesquisa, a wikipédia não é algo ainda totalmente confiável Enfim não dá para descrever o prazer das consultas quase terapêuticas, da mesma forma que dói a separação.


Ele se vai. Não há mais remendo possível, reencadernações. Não há quem o restaure mais originalmente sem cobrar um valor de uma peça tombada pelo patrimônio histórico, artístico e cultural como merece, aliás. Muito ao meu gosto, mas longe de minhas posses.


E minha filha, vendo o meu drama patético, resolveu me presentear com outro, já que carrega o simbolismo de seu ano de nascimento. Não gosto que se apiedem de mim, mas acho que ela ficou com um dó danado.

sábado, 12 de dezembro de 2009

UMA CRÔNICA FÚNEBRE

Dois amigos, companheiros de trabalho de longos anos, cansados de pressões por resultados alheios e da espera por reconhecimento de resultados próprios abandonaram a empresa onde trabalhávamos e foram seguir a chamada carreira solo. Abriram duas funerárias em suas cidades de origem. O primeiro, deu-lhe um nome sugestivo: Funerária Vai com Deus; o segundo apesar do nome não ser tão comovente adotou uma forma insólita de captação de clientes. Passou a cumprimentar seus afetos com um sonoro “quando vai?” no lugar do tradicional “como vai”.


Um curioso símbolo dos tempos de rapidez: as propagandas dos serviços funerários. Deixar tudo prontinho antecipadamente, só faltando enterrar o morto para não atrapalhar o andamento da vida. Compre já o seu plano e não deixe transtornos para sua família, alem das dívidas ou heranças.


Um menino ensinando o avô a andar de bicicleta;

- Olha, Vô, eu vou te segurar, você vai pedalar e pronto! Pedala Vô, pedala!

- Ah, eu sabia...hahaha! diz o Avô, entusiasmado com o reencontro com a meninice.

Aí entra o locutor dizendo:

- Olha a vida lhe ensinando de novo! Funerária Bom Destino; garanta já o seu futuro. Estranho, não?

E que tal sofrer uma reparação estética digna de celebridade (???) antes de entrar no caixão? Uma funerária no Brasil possui serviços de acompanhamento do féretro numa limusine, serviços de eliminação de rugas e maquiagem para remover a palidez além de preenchimento do corpo com silicone no caso do defunto ter se tornado muito magrinho, tudo do mesmo jeito como se faz com um procedimento de plástica em vida. Há ainda tratamento de cabelo e manicure.


A morte é um conceito, segundo os especialistas, um evento quase festivo. Para legitimar já existe até a ASFUNÉRAS , uma associação de funerárias com status de entidade de classe. Imagino que toda essa pompa deve obrigar também aos frequentadores de velórios a gastarem uma fortuna com a apresentação. Imagine aparecer em mangas de camisa, calça jeans e tênis num lugar desses! Acho que nem o defunto vai receber bem.


Há um desafio enorme a ser vencido. Superarmos a tentação que a publicidade nos impõe o tempo todo em troca de pensamentos mais úteis do que adquirir coisas. Acho que não tem é sobrado tempo. Enquanto não se está trabalhando para garantir a sobrevivência, está se debatendo com as formas de gastar o seu dinheiro ou de ganhar mais para absorver tudo que é necessidade que se cria para a vida. Como se ela fosse acabar se você não adquirir isto ou aquilo. Então, nada mais justo que até na morte essa tentação lhe acompanhe. Em paz e na riqueza eterna. Ah, humanos!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

(DES) FIGURADOS


Machado de Assis criou um personagem superlativo em Dom Casmurro, o insuspeitíssimo José Dias. Esse aqui era redundante O cara era tão redundante que seu filho veio a se chamar Pleonasmo. Havia gostado da palavra. Uns dizem que seria Leonardo entendido de forma errada. Outros que foi gesto proposital do escrivão lá no cartório de registros. Pleonasmo foi crescendo para cima, isto era um fato real que seu pai gostava muito de contar para todos. E vendo e ouvindo os outros falarem, Pleonasmo também aprendeu. Só que aprendeu mais com o pai, que o levava onde quer que fosse. Tanto que a primeira frase completa de Pleonasmo foi “eu sou filho de papai e mamãe”. Dentre as amizades dele estavam meninos e meninas todos do sexo masculino e feminino como explicava a quem lhe perguntasse se tinha amiguinhos. Indo para a escola cursar um curso regular, era com a professora das aulas que falava. Lia muito, gostava de ir à biblioteca para ver o acervo de livros. Era no pátio de recreação que brincava nos intervalos e era na cantina de merenda que merendava.


Pleonasmo, já um rapaz crescido conheceu uma moça da cara toda pintadinha de sardas e apaixonou-se por amor a ela. E a menina, sabem como se chamava? Antonomásia. Eram fãs dos Beatles, chamados, por Antonomásia, “os quatro rapazes de Liverpool”. Se intitulavam o “casal perfeito”. Gostavam ambos de tudo que facilitasse para os outros a compreensão ou a identificação das coisas ou das falas.


Quando eles se casaram seu primeiro filho homem veio a se chamar Eufemismo. Muito feinho; o pai lhe chamava de boa pinta simpático e a mãe de meu “futuro lindinho”, mas já é uma outra história. O menino ainda não aprendeu a falar. Pode ser que por ironia do destino ou influências externas venha a ser politicamente correto no linguajar.


terça-feira, 8 de dezembro de 2009

PALAVRAS (MAL) DITAS

CONFUSÕES


O cujo confundiu profícua com promíscua, virou uma balbúrdia o que era plácido e transformou-se quase em quiproquó o colóquio amical. Era uma loa que estava sendo tecida pelo primeiro, pouco afeito a encômios e dirigida à prole feminina do outro, acerca do que ela fazia em seu mister. Então na zanga do incauto abriu-se o duelo de impropérios. Para o rebate usou como despique um ataque ao mancebo, cria do outro, que confundiu com ensebo e atacou a antes prolífica com o pejorativo termo rapariga. Nesses casos, em sendo nas terras lusitanas em nada incidiria visto que são comuns os termos por aquelas plagas. Certo é que o aparte só foi possível com a chegada providencial do titular do estabelecimento e este entendia sobremaneira os meandros da língua pátria, que mesmo com a unificação feita pela reforma ortográfica, não uniu os regionalismos que dão pano para mangas em dadas circunstâncias.


DESFECHO TRADUZIDO


Dois amigos conversavam assuntos familiares em um bar enquanto bebiam. O ambiente estava tranquilo e por falta de acordo semântico virou quase briga de porrada. Um deles quis elogiar a filha do outro dizendo-lhe que ela era muito criativa em seu trabalho, o que foi confundido com galinha ou piranha, como queiram. Esse que elogiou era pouco dado a palavras de incentivo ou reconhecimento das qualidades alheias e havia aberto uma exceção à filha do amigo quanto à profissão dela. O outro, entendendo como ofensa, partiu para o troco chamando o filho do amigo de mancebo que vem a ser jovem rapaz e para piorar foi entendido como sendo um sujeito sujo, maltrapilho e maltratado. Na réplica, já retirou o elogio acusando a moça de rapariga, o que não seria problema nenhum em Portugal, onde mancebo e rapariga são tratamentos semelhantes aos que damos aqui a moças e rapazes. Isso, (a explicação) foi o que o dono do bar fez ao notar que as coisas poderiam ter saído do tom e colocado fim à amizade com uma tragédia.


Moral da filosofia de boteco:

Para um bom entendedor meia palavra basta. Para um mal bebedor meia dose é funesta.

domingo, 6 de dezembro de 2009

SE A MODA PEGA

Mãe dá nome de companhia aérea a bebê que nasceu em voo

O bebê que nasceu a bordo de um avião na Malásia se chamará Air Asia, em homenagem à companhia aérea responsável pelo voo, informou nesta quarta a imprensa local.

A criança nasceu em 21 de outubro passado em pleno voo, quando sua mãe, Liew Siaw, viajava entre as cidades de Kuching e Penang. Logo após a decolagem, Liew Siaw começou a sentir fortes contrações e entrou em trabalho de parto quase imediatamente.


Quando se recuperou da experiência, ela e seu marido decidiram chamar o bebê de Ya Hang, que significa Air Asia em mandarim. "É o melhor nome que poderia dar a meu filho", explicou Liew Siaw.

A companhia aérea, que foi escolhida este ano a melhor de baixo custo do mundo, presenteou o bebê e a mãe com passagens de graça para o resto da vida.


Fonte: http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI4066602-EI8143,00-

28/10/09

-----------------------------------------------------------------------------------------


A CRÔNICA


Nomes esquisitos já são de conhecimento público e vergonha para os detentores deles há muito tempo. Se alguém quiser saber alguns, basta dar uma consultada na internet digitando no “cartório” do google “nomes esquisitos” e verá uma lista interminável de filhos de pais que, se pudéssemos vingá-los, bem que seria de bom tamanho dar-lhes nomes, por exemplo : Idiotildo Abestado da Silva, Malinformada Cúmplice de Souza, ou qualquer outra ofensa equivalente ao mal que fizeram à sua prole.


Há casos dignos de louvor, também vamos dar um equilíbrio nas esquisitices,né? Tenho um amigo de sobrenome Moura casado com uma mulher de sobrenome Santos. Fizeram um longo e caro tratamento de fertilização até que, no último lance que a natureza permitia à idade gerarem um rebento conseguiram gestar uma linda menina. Acompanhei o caso e o nome veio em boa medida de recompensa pelo sacrifício: Vitória de Moura e Santos.


Um dos meus irmãos, na época em que a maioria das cidades não tinha água tratada e era comum a proliferação de verminoses de todo tipo teve uma série de vermes detectada num exame de fezes que éramos obrigados a fazer todos os anos. Ainda éramos obrigados a tomar aqueles remédios cujo gosto amargo ainda guardo na memória da boca, de tão ruins que eram.


Ele tem dois filhos, de nomes bonitos, graças a Deus: Leandro e Gabriel. Havia prometido na época que se tivesse uma filha um dia, ela se chamaria Giárdia Lâmblia.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A LEI DO BAFÔMETRO

Um susto que se emenda com outro a cada minuto se formos acompanhar o dia inteiro as notícias que chegam acerca de acidentes automobilísticos. Uma morte a cada 15 minutos segundo os últimos dados da polícia rodoviária. Acho que isso não é senão uma guerra sem que haja um inimigo declarado. Nenhuma é justificável, mas os números não se assemelham àquela guerra quando alguém elege um inimigo e resolve combatê-lo com armas. É muito maior e silencioso (ou esparso).


Os carros saem das fábricas cada vez mais velozes e potentes e caem nas mãos de motoristas cada vez mais furiosos. As rodovias estão cada vez mais desgastadas, mal traçadas, maltratadas. Sem contar que mais cheias, uma vez que a frota vem crescendo como cresce a população (acho que até mais).


É curioso como as pessoas se comportam enquanto pedestres e enquanto motoristas. A fragilidade manifestada à pé, de ônibus, trem ,metrô ou bicicleta, se transforma subitamente em agressividade quase descontrolada quando se assume um volante. É o poder que o carro (falsamente) imprime na pessoa? É a sensação de potência transferida diretamente do motor para o cérebro humano? Como pode se manifestar um comportamento solidário no trânsito sendo que em tudo somos indivíduos (particulares e individualistas)? E sendo o carro uma máquina auxiliar ao sentimento de (pre)potência, não se transforma em uma arma? E sendo uma arma não estaria sujeita ao mesmo uso que fazemos se fosse uma arma de fogo, pelo poder de letalidade? As armas em tese não nos protegem e ao mesmo tempo não intimidam o outro dependendo da circunstância e da intenção com que elas estão sendo usadas?


Existia uma lei que nas letras era rigorosa com os infratores das regras de trânsito. Esta lei não era cumprida e não havia punição exemplar. Criou-se lei mais rigorosa, também no papel, para punir com rigor aqueles que abusam do álcool para dirigir. Mas, se nem a anterior era cumprida, a sensação de impunidade não prevalece com a nova lei? Em Belo Horizonte há um caso exemplar do homem do pijama que virou notícia nacional: o mesmo cidadão foi preso por três vezes, em todas embriagado, não perdeu sua habilitação (ou a recuperou), foi preso, solto, preso, solto, preso, solto. Se houver condenação final, daqui a não se sabe quanto tempo, ela será cumprida em regime fechado ou transformada em serviços comunitários ou doação de cestas básicas? Isso não encoraja outras pessoas, mesmo as bem intencionadas a se arriscarem a cometer algum deslize?


A lei garante à pessoa recusar-se a fazer o teste do bafômetro sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova conta si mesmo. Ora, mas se não tiver bebido, qual o problema em se fazer o teste? Não haveria, também em tese, o que temer. E o direito coletivo, não conta? É mais fácil punir alguém que está prejudicando toda uma coletividade ou deixar toda uma coletividade à mercê de um sujeito em nome de um direito individual sem perspectiva da pagar algum preço pelo descumprimento de uma lei que (também em tese) deve ser igual para todos? Claro que o direito individual deve ser garantido sob pena de justiçamento sumário. Mas a questão é com relação à primazia do individual em detrimento do comunitário, quando se trata especialmente de situações que envolvem qualquer um , em qualquer lugar que venha a ser colocado sob o risco iminente de ser afetado em sua integridade física ou moral.


Se concordamos com o sistema jurídico em que estamos inseridos, que canais podemos usar para fazer prevalecer o efetivo direito coletivo sem prejuízo das garantias individuais? Quanto de nossa responsabilidade deixamos delegada sem que tomemos atitudes para mudar aquilo que não contempla a satisfação dos nossos direitos?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CARTA PARA UMA GALERA

Não sei o que seria da minha angústia com esta modernidade se não fosse um certo saudosismo.(Eu)


“Não hei de trocar datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas.”

(Machado de Assis, Dom Casmurro)




Rita Lee falava em 1978 sobre as perspectivas da Miss Brasil do século XXI, questionando: “será que ela vai continuar uma tradição? Será que ela quer modificar uma geração?”

Todo mundo preocupado por ai em resolver os problemas imediatos, a pressão no trabalho, ou a falta de trabalho para sentir pressão, os amores desfeitos, os filhos na escola, crescendo, a prestação, o cartão de crédito, a empresa no vermelho, a beleza fugaz mas inseparável, o que fazer para garantir o presente e eu aqui pensando no futuro.


Estava viajando na velhice da geração atual. Será que vai haver um conservadorismo ou um saudosismo quando, daqui a trinta quarenta anos, estiverem convivendo com uma modernidade mais modernosa do que esta? Com carros movidos a nitrogênio, com telepatia feita por chip inserido no cérebro, uma comida frugal feita em pílulas, com uma governança mundial única sendo disputada por guerra de mísseis, ou o fim das rugas na pele? Será que vão se preocupar com o tipo de balada que seus filhos e netos freqüentam, bebendo não mais da mesma bebida de hoje, falando um idioma universal e namorando sem mais neuras de sentimentalismos piegas?


Será que vão dizer: - no meu tempo não era assim? No meu tempo era melhor? Será que vão cantar “Como Nossos Pais”?


Quero falar de nostalgia para me sentir mais vivo e entender melhor o que se passa no presente. Não deixo minha existência cair no vazio das alegrias efêmeras para não ter que zombar depois de quem construiu história que me causará inquietação invejosa.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

VAMOS CONVERSANDO ENQUANTO A PIZZA NÃO VEM

Arruda é uma planta

Que mau olhado espanta

É também uma gente

Que , mineiro, infelizmente,

Tá roubando adoidado

Já violou o painel

Fez que votou , roubando a granel

Uma esquecida trapaça no senado

Agora no Distrito Federal

A nossa capital

Sendo governador, já estava perdoado

Pelo eleitor desafinado

Com retidão moral

Caráter e coisa e tal

Lhe deu uma segunda chance

Filmado num relance

Com câmera escondida

enchia de dinheiro

bolsos, meias, sacolas,

que vida

essa de esperto celerado!

Será que só votando

feito boi teleguiado

estamos sendo críticos

Seletos, cidadãos de vez em quando?

ou estamos dando a cada 4 anos

o direito aos ratos, cobras e lagartos

as chaves do cofre da nação

do nosso dinheiro suado

pra dividir pra ladrão?

II

Povo, povo meu,

Não sejas tão mesquinho

Se te chamo à revolução

Me chama de louco, comunista ,

me diz que não é o caminho

Mas repetes a chamada hipócrita da televisão

e da revista semanal

Uma capciosa outra oportunista

Que apontam o caminho

Onde aprendes a ser dócil, mansinho

E vais procurar canais de protesto,

no voto de cabresto

No gesto tresloucado

De quem em tudo acredita

Que pode ser mudado

Com uma corja de safado.

Que opções tens , meu povo

Senão buscar o novo,

o outro lado da moeda

Sem cara sem coroa?

Gente que não afunde a canoa

A vida séria do país

Que não se apodere do erário

Para se locupletar , se fazer feliz

E ao povo fazer de otário



segunda-feira, 30 de novembro de 2009

AQUELE LIVRO...

Era época de república estudantil, anos setenta e as leituras eram quase proibidas: livros, jornais e revistas, tudo muito vigiado. Chico Buarque usava o pseudônimo de Julinho da Adelaide quando queria passar alguma letra mais provocativa (ofensiva ou defensiva?). Usava-se e abusava-se das metáforas para dar um drible na censura que não possuía jogo de cintura algum e muito pouca inteligência, feito aqueles zagueiros que apelam para a botinada diante da falta de outros argumentos hábeis com a bola vindo em sua direção.


Não era raro sair às ruas pela manhã e encontrar uma banca de revistas totalmente incendiada ou destruída com pichações do CCC (auto intitulado Comando de Caça aos Comunistas). Pensar era permitido, mas se a fala decorrente desse pensamento fosse algo que estimulasse um tico qualquer de reflexão entre os interlocutores, já se configurava atentado à segurança nacional. Prisão, tortura e morte em muitos casos.


O meu problema era que gostava de ler e fui morar logo no meio de um bando de subversivos (assim chamados os que ousavam pensar com a boca aberta). Eu com 14, 15 anos e a turma toda já “de maior” , muitos estudantes universitários. Era normal circularem em casa jornais clandestinos, panfletos apócrifos e livros, muitos livros onde não se podia sequer colocar o nome do dono na contra capa para não se correr riscos caso fosse parar em mãos erradas. Às vezes, arrancam-se capas de livros tipo O Pequeno Príncipe e colavam-nas em cima da outra capa como disfarce para poder ler sossegado em lugares públicos.


Repúblicas tem um rodízio de pessoas ano após ano.Então o cara me aparece com um livro intitulado “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. Puído, de tanto circular debaixo do braço. De vez em quando mudava de lado para suar por igual. Eu não sei se a intenção dele era usá-lo como manual de sobrevivência na cidade grande ou se tinha algum outro propósito mais nobre. Sei é que não saía debaixo do braço a não ser para tomar banho. Acho que até dormia com ele. “Cultura axilar”, segundo foi rotulado pelos colegas. Sei também que esse não era proibido. Um dia, enquanto ele tomava banho, olhamos para ver se a capa não era um daqueles “despistes” da censura. Não era. E me desanimei com qualquer curiosidade de ler o tal livro. O rapaz não conseguiu sequer fazer uma amizade durante sua curta estada entre os demais, quem dirá influenciar alguém com seu manual. Carrancudo e mal educado, sua lição, para mim só foi aprender um pouquinho mais a selecionar leituras. Boas maneiras eu já havia aprendido em casa de meus pais.

sábado, 28 de novembro de 2009

SOB O SIGNO DE...

“Yo no cria em brujas, pero ahora creo”

(adaptação (imprecisa) de Cervantes)



Tem uns que nascem com a lua na casa astral número tal, outros nascem com ela dentro de casa, mais exatamente dentro de partes impublicáveis do corpo. São os chamados sortudos no imaginário popular.


Outro dia a Maria Iaci escreveu aqui uma crônica de adorável humor chamada “Astrologia do Recanto”. Fui lá para ver na conspiração cósmica como era visto o virginiano escrevedor. Sabe quando se acha engraçado, mas a pulga já pula logo para atrás da orelha levando aquela coceirinha insuspeita, chamando a gente pro pensamento? Pois é, foi a comichão que me bateu na hora! E não é que no outro dia ela publicou um artigo, agora sério, chamado “Uma abordagem Racional da Astrologia” e minhas orelhas então viraram um ninho de pulgas?


Eu como bom cético e mais curioso ainda, fui lá pedir a ela para ver se era possível fazer o meu mapa astral. Quando recebi fui lendo onde estava o sol no momento do meu nascimento e o que eu tinha a ver com isso, já que nasci ao meio dia (um calorão de setembro). Depois veio a lua, os planetas, eu ali, naquele exato instante, sendo colocado no mundo. Ou o mundo foi me absorvendo?


Então foram acontecendo umas coincidências que cada linha lida era um susto. E eu pensando: “Meus Deus, mas eu nem falei nada disso com ela, nem isso, nem aquilo, oh! Isso aqui sou eu!” Parecia que era fruto de uma conversa com uma vidente, mas uma vidente que vê de verdade, com nitidez maior que a de uma bola de cristal e ainda por cima no passado e no presente.


Eu, (pensando sozinho) mas a lua, que recebe energias do sol e se harmoniza no céu com as estrelas e os planetas, não influencia as marés, não é propícia para plantar e colher em tais ou quais épocas do ano? O mar não regurgita pela sua influência, se enche e se esvazia, se revolta e se acalma ao sabor dos astros? Por que então que nesses horários em que os nascimentos coincidem com as órbitas ou posições celestes dos astros não pode haver uma conspiração cósmica entre as vidas da terra e os espectros astrais? De forma que atinja humores, tendências e outras características mais subjacentes a uma genealogia familiar?


Como se diz na filosofia mineira: Oncotô? Quem cô sô? E on cô vô? Sei que nada sei ainda, mas desconfio pra caramba e procuro conhecimento para incorporar cada vez mais significado para a minha existência.

(em horóscopo, no entanto, continuo não acreditando).



quinta-feira, 26 de novembro de 2009

VIDA DE PEÃO - ALMOÇO DE ESTAGIÁRIOS

Fui um dos últimos a chegar à cidade. Já tinha mais de vinte estagiários naquela leva que todo início de ano as empresas contratam para dar uma sugada em forma de aprendizado. É o mal necessário que faz bem no fim das contas. Então procurei um lugar para me alojar. Não conhecia ninguém, desembarquei na rodoviária com um bilhetinho da psicóloga da empresa que havia entrevistado os outros e me deu a indicação de uma república onde alguns deles estariam morando. Me receberam lá provisoriamente pois só havia vago o quarto designado para empregados no minúsculo apartamento que já estava abrigando cinco àquela altura. Pelo menos na primeira semana tive que dormir em diagonal. O quarto era tão pequeno que se eu fechasse a porta teria que dormir como um feto. Deixava as pernas sobrando para fora. Foi minha primeira implicância que tive na vida com a discriminação das construtoras. Imagino que eles calculam que se for trabalhar no local uma pessoa dos serviços domésticos, um teste eliminatório já começaria pelo tamanho. Se fosse alguém a partir de 1,70m não caberia.


Uma mina de fosfato, uma usina de beneficiamento e as instalações de auxílio à produção, típicos de uma mineradora de médio porte. O refeitório ficava próximo da oficina, do escritório e laboratório, porém muito distante da mina propriamente (onde se extraía a matéria prima). Então, os que lá trabalhavam recebiam suas marmitas no local. Depois de feitas as amizades, levávamos para casa as que sempre sobravam . Alguém que levava a sua comida de casa ou quantidade a mais que o restaurante enviava. De forma que quase todos os dias nós tínhamos o jantar garantido. A essa altura eu mais um colega já tínhamos conseguido um barracão pequeno para alugar próximo do centro da cidade. Ali, esquentávamos a comida à noite e depois de umas cachaças na vizinha dona do boteco para aliviar as saudades de casa, jantávamos.


Aos finais de semana, quando não tínhamos dinheiro para visitar os pais ou namoradas distantes, ficávamos ou trabalhando, o que era uma forma de garantir a comida também ou procurávamos lugares onde se servisse comida de boa qualidade e a preços acessíveis.

Haviam inaugurado um novo restaurante em uma antiga casa bem no centro da bela Araxá. E lá fomos num domingo todos os 23 estagiários para um almoço coletivo de parcas verbas. O restaurante servia em refeições individuais e o self service era apenas dos pratos frios e saladas, que diziam não ser cobrado. Tentamos comer, então apenas salada, mas nos disseram que não era cobrado apenas de quem pedisse a refeição completa. Ah, bom!


Um senhor de meia idade, sozinho havia pedido uma lauta refeição e creio estar de mal com a vida pois mal tocou na comida, pedindo a conta em pouco menos de 15 minutos de luta com aquele exagero. Um dos colegas mais afoitos e cara-de-pau foi então ao garçom e solicitou a comida que o moço havia deixado, alegando que esta estava intocada, sem babugem como se dizia . O garçom alegou que não poderia autorizar uma vez que a comida teria que ser devolvida e descartada. Não era prática comum no lugar. Não satisfeito, foi até o gerente reiterar o apelo ao que ouviu a mesma cantilena. Segundo ele, seria um crime contra os padrões sanitários e a comida tinha obrigatoriamente que ser jogada fora. Como a fome não é vencida com argumentos e o dinheiro sendo escasso resolveu apelar à última escala do destino da comida antes da lixeira: o pessoal da cozinha. O garçon já estava recolhendo tudo e colocando naquele balcãozinho de acesso à cozinha e ele lá foi argumentar com a senhora que a recebia e travou-se o diálogo apelativo:


- Dona, eu sei que a senhora não vai ter coragem de fazer uma coisa dessas. Deixar esse monte de rapazes famintos e jogar no lixo uma comida que mal foi mexida?

- E quem lhe disse isso? Ela respondeu questionando.

- O garçom e também o gerente.

- Que que é isso meu filho, se a gente jogar fora eles até nos mandam embora! Isso aqui nós temos que reaproveitar!


Comemos a refeição paga. Acho que foi a mesma que o moço deixou, inteirada com outro tanto suficiente para vinte e três estagiários famintos.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

ESTANQUEI DE REPENTE OU FOI O MUNDO QUE CRESCEU?

“...Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande...” (Mundo Grande, Drummond)

------------------------------------------

MUDANÇAS

Desde pequena eu vivo mudando de cidade, de jeito, de estado,de forma.
Com 4 anos, de Mariana mudei para Belo Horizonte.
Com 4 anos depois da separação de meus pais, mudei para Piumhi.
Com 5 anos eu fui de Piumhi para Itirapuã.
Com 6 anos eu era uma criançinha.
Com 7 anos mudei para Abaeté.
Com 9 anos voltei para Piumhi.
Com10 já não sou mais criança,sou pré-adolescente.
Na 5º série já não sou mais boba.
Mas no mundo sou uma poeirinha.

(Clara, minha filha de 11 anos)



O mundo de repente parece que cresceu. Ou vejo-o diferente Foi a velocidade da informação que fez essa aproximação. O que antes era ameaçador quando eu tomava conhecimento agora espanta se não tiver sido visto. Como se ficasse aguardando a tragédia do dia, o estupro, o roubo inédito, o escândalo do momento, a fama repentina de mais um desconhecido, a dica do último especialista e outras efemeridades que passeiam ao meu alcance numa velocidade inimaginável há vinte, trinta anos. O sobressalto deixou de fazer parte do contato com o noticiário para se transformar em oportunidade para alguns, indiferença para os de sempre e escárnio para outros. A indignação coletiva revertida em alguma ação transformadora continua em último lugar, como sempre foi desde que o mundo é mundo.


Para quem está habituado com o mundinho de sua cidade, de sua rua, de seu bairro, de seu país, o mundo cresceu muito. Para quem nascer agora, não vai haver nenhuma surpresa quando chegar a uma idade de compreensão mais abrangente das coisas. O susto é meu. É agora.


Há uma inquietação permanente rondando o meu imaginário. Fatos que chamamos atualmente de banalização de desgraças aconteciam, sempre aconteceram, porém ficavam restritos a um local, a uma região, agora se espalham pela terra num clique no mouse. Vêm em forma de pacotes diários, causam profundos choques, abalam convicções sólidas, geram anúncios apocalípticos, suscitam religiões, confundem mais que esclarecem e têm adoecido psiquicamente uma boa parte das pessoas que não se dão ao trabalho fazer uma digestão lenta de tanto alimento fornecido em forma de abertura de portos, cortinas, aeroportos, bibliotecas e canais de comunicação, tendo a internet como o boi que puxa essa carroça com tudo que está sendo considerado novidade.


O mundo diminuiu. E me diminuiu também diante de seu gigantismo todo agora colocado sobre os meus ombros, meus olhos, minha consciência habituada ao provincianismo das metrópoles. Isto mesmo: se considerar tudo o que está ao alcance em tempo real e fugazmente, sou provinciano. Pelo menos nas idéias.



“...mundo, mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima não seria uma solução.” ( Poema de Sete Faces - Drummond)


Web Statistics