quarta-feira, 8 de agosto de 2012

DO VENTRE DA CORDILHEIRA


Em épocas diferentes da minha vida li três relatos sobre personagens de uma guerrilha urbana no Brasil e na América do Sul e todas elas me impactaram de formas diferentes no que diz respeito aos significados políticos destas lutas contras as ditaduras militares que se instalaram quase que simultaneamente no Brasil e na maioria dos países da América do Sul. O primeiro, sobre um outro lado de Che Guevara, foi escrito por um amigo sobrevivente ao extermínio de Che na Bolívia, nos anos 60 do século XX. Che, além de um guerrilheiro e feroz combatente contra os regimes ditatoriais tinha seu lado justiceiro e um outro que, para mim, era o maior motivador de sua incursão na luta armada: o amor a uma causa, a um ideal e este pode ser traduzido por amor universal. Impressionaram-me dentre tantas outras coisas, a sua promessa de construir uma sociedade melhor e mais justa para suas filhas. No livro MEU AMIGO CHE, de Ricardo Rojo, há alguns excertos de cartas que ele enviava às suas filhas sempre que estavam acampados em algum lugar escondido entre as montanhas que abrigaram a clandestinidade naqueles tempos. Declarava repetidamente seu amor de pai e sua vontade de entregar-lhes um mundo melhor, mais humano, menos desigual.

Muitos anos depois li COMPANHEIRA CARMELA, escrito por Maurício Paiva, uma emocionante abordagem sobre  uma mãe que abandonou sua pacata e rica vida de fazendeira no Triângulo Mineiro(Araxá) para acompanhar seus dois filhos que entraram no combate pela liberdade e pela igualdade, sendo presos e depois exilados juntamente com ela, que, mesmo não sendo nenhuma guerrilheira nem mesmo militante de qualquer movimento de libertação fez tudo pelo ideal de conservar os laços familiares e de alguma forma proteger os filhos idealistas.
imagem da capa

Agora, acabo de ter a satisfação de ler o terceiro livro, DO VENTE DA CORDILHEIRA, uma carta (que para mim nunca terá fim) de uma mãe e uma mulher apaixonada pelos filhos e pelo companheiro, que vai ao encontro de seu amor com um filho ainda nos cueiros e outra no ventre (a quem ela dedica as falas da narrativa, sua filha Yasmine, que veio  nascer em pleno furor da repressão , torturas, assassinatos e censura dos governos militares que fincaram pé no Brasil em 1964 e só devolveram o poder ao povo em 1985. O longo episódio narrado por Isolda Melo Lemos passou-se no Chile entre 71 e 72, onde seu companheiro estava exilado e para onde foi a maior parte dos Brasileiros expulsos pelo regime militar ou que conseguiram escapar de suas garras. Era assim com todos aqueles que ousavam desafiar as verdades plantadas como ameaça de comunismo no país, vinda através dos ecos da guerra fria que se estabeleceu por muitas décadas entre os blocos capitalista e comunista, liderados respectivamente pelos EUA e URSS (hoje Rússia). Uma mãe grávida, a despeito de todos os riscos, confundida com guerrilheira, terrorista,  intimidada e vigiada, mesmo não tendo ligação alguma com os ideais revolucionários dos que foram à luta, enfrentou com impávida bravura o que era preciso em nome da manutenção de sua família. Ao completar 18 anos, sua filha recebeu os manuscritos da mãe como um presente histórico e mais do que isso, como registro de uma inesquecível saga. Era amor em estado puro, incontestável sob qualquer olhar que se coloque nos seus gestos.

Acostumamo-nos a interpretar de forma maniqueísta o que ocorreu no Brasil durante a ditadura. De um lado os “terroristas”, assim tratados pelo regime e pela maior parte da imprensa. De outro lado, os “salvadores da pátria” de um espectro de comunistas que comiam criancinhas e que iriam tomar todo o dinheiro dos ricos. Isso quase desumanizou os personagens, fez com que suas vidas não passassem de ficção tal como mocinhos e bandidos de um filme mal feito.  Para mim, o que moveu Isolda, tal como o que moveu Che e moveu Carmela foi aquilo que nos move a todos, mais ou menos intensamente, mais ou menos ousadamente, mais ou menos destemidamente: a busca que empreendemos pelo Amor  fraterno, filial, conjugal,  universal. O amor que torna-nos idealistas a ponto de arriscar a própria vida por uma causa que, mesmo não sendo a nossa perspectiva, supera tudo o mais: medo, ideologias, cansaço, pessimismo e prevalece a crença inabalável (porque acompanhada de atos quase heroicos) de que ao final, ele, o amor, triunfará. Quem é pai, quem é mãe, quem ama seus irmãos, seus amigos, enfim, quem coloca como tônica de sua vida o amor sabe do que falo e há de se emocionar e entender o significado tão profundo do amor, a importância de um ideal para nossas vidas em qualquer época. A carta é toda linda, o livro é todo emocionante.

Parabéns a você, Yasmine e a toda esta linda família-amor




DESCULPAS: Amigos, perdoem a minha ausência momentânea em seus blogs. Estou num ritmo frenético de viagens e o tempo anda meio apertado. Assim que me acomodar mais um pouco eu retorno em cada um, com prazer, alegria e gratidão. Abraços. Paz e bem.
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