domingo, 29 de junho de 2008

ROÇA

Se perguntar a um americano desses ultra - hiper modernos o que ele conhece como roça, provavelmente lhe responderá: - Brazil. Tem muita banana, indiada e floresta. Amazônia is very beautiful! Mais para perto, aqui em casa mesmo em que minha mulher é dessas nascidas e criadas na metrópole e só conhece de televisão e estudo de geografia, com certeza responderá que é qualquer cidade do interior. Os mais novos ainda: - sei não, véi, deve ser onde ficam os bicho. Se souberem então de onde vem a carne do hambúrguer... - Nó, véi, doido demais! O que me fascina e espanta ao mesmo tempo é que quanto mais distante de sua origem natural, mais estranho o homem se torna para si mesmo e difíceis ficam as relações dele com o mundo aparentemente facilitado por todas as tecnologias disponíveis, inclusive as que o dispensam do saber, das origens e da inter-relação entre as coisas. Não importa se a vaca vai ou não para o brejo, desde que o leite não falte ou não suba de preço. O pão comprado todos os dias pelo menos por considerável parcela da população não tem para ela nenhuma relação com um grão. É, véi, sabia que o trigo antes de chegar a ser pão é um grão quase da cor de um bago de feijão? E o mais relevante: tudo isso é produzido num lugar chamado roça. Ou num dialeto mais moderno, regiões produtoras do agronegócio. Já foi economia agrícola familiar, mas está perdendo seus antigos alqueires para os milhões de hectares dos latifúndios. A natureza ainda vai ser uma coisa reinventada pelo homem. Nada natural, mas pode trazer alguma vantagem se for interativa.

Tem umas saudades que não largam a gente nem se quiséssemos. A que tenho da roça é um vinco que não sai nem com ferro de braseiro. Banho de rio, dormir depois que o sol se punha, à luz de lamparina, esperando o infalível canto dos galos para avisar daquele cheirinho de café feito no fogão a lenha e adoçado com rapadura, acompanhado de leite tirado àquela horinha, esquentado nas tetas da própria vaca e uma broa de fubá. O angu então era um prato permanente. Aquela panela de ferro tinha lugar cativo numa trempe. Só recebia renovação de água e fubá com sal e gordura de porco.

Tia Donata e Tio Anselmo, diziam que acordavam antes dos galos, com os pios dos pintinhos pedindo canjiquinha ou milho para comer. Acabavam eles despertando com os bichos. Mas era mesmo para nos fazer todos os agrados. E faziam com uma ternura seca ou com uma secura terna que nem dá para explicar. Como fazer carinho sem precisar pegar no colo, sem ter que dar beijo na testa. Aqueles chamegos de pegar na mão e dizer Deus bençõe com uma honestidade de desfazer qualquer cara feia, mau humor ou birra de menino da cidade, acostumado com luz elétrica e banheiro com chuveiro quente. O Tony (assim mesmo com ‘Y’; ele dizia que gostava e entendia muito inglês), a Mirinha e a Vera eram os primos mais novos que nos acompanhavam nas brincadeiras e ensinavam os segredos da roça para a gente.

Os confortos da modernidade estão chegando na roça. Isso não é mau. Tragédia será se conseguir acabar com o sotaque da fala, com o gosto do frango caipira e com o cheiro de bosta de boi. Ou, melhor ainda, como já ouvi, um toque de celular com som de berrante.

domingo, 22 de junho de 2008

MOTIVAÇÃO

Existe nas grandes empresas um enorme esforço para a motivação dos empregados e uma forçada de barra para o voluntarismo e o voluntariado a fim de elevar a auto-estima e, claro e principalmente, elevar a produtividade. Na são poucos nem pequenos nesse sentido os programas cuja finalidade é obter o máximo do esforço criativo e produtivo com um sorriso permanente entre os dentes. Não precisa ser nada, mas tem que parecer que é. E demonstrar na prática. Mesmo se a subjetividade de cada um nunca seja levada em conta. Mesmo que os problemas pessoais devam passar a galáxias de distância da realidade do mundo do trabalho. Basta demonstrar empenho e não deixar a peteca cair nunca.

O ser humano desde que perdeu o controle sobre o produto do suor de seu rosto e passou a ser vendedor de sua força de trabalho, não consegue encontrar o ponto ideal de realização no trabalho. Não como empregado. Pode haver momentos de satisfação, mas a sensação de que lhe falta algo mais é uma constante perturbação interior. Daí as iniciativas dos donos para motivar por meios auxiliares. Políticas de treinamento qualificativo, programas de participação em decisões – desde que não interfiram no processo produtivo -, premiações por desempenho, medidas que em sua grande maioria terminam por beneficiar muito mais as empresas em ganhos do que trazer satisfação verdadeira para quem fez para se sentir motivado e acabou premiando a lucratividade. Mesmo porque, nenhuma empresa dá a opção de escolha de qual a coisa, o objeto, o motor para a motivação de cada um. Tem que motivar a todos da mesma forma, com os mesmos mecanismos e quem não se enquadra estará condenado ao ostracismo da demissão por não estar motivado o bastante ou fora de sintonia com os objetivos da organização.

Pesquisa de clima organizacional:

- Tô certo ou tô errado? Olha o facão, hein?...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

INVERNO - A CIÊNCIA E DEUS

Hoje, às 20:59h, começa oficialmente o inverno no hemisfério sul da terra Ela gira em torno de si mesma em 24 horas e gasta 365 dias para girar em torno do sol. Que descobertas, que clima! A precisão com que a ciência esclarece os fenômenos naturais é impressionante e só não acredita quem não quiser ver. Mesmo assim, pode ser impiedosamente enrugado e, em alguns lugares, até mesmo congelado pelo frio que vai sentir ou já deve estar sentindo a essa altura do dia. A ciência também descobriu que isso acontece pela proximidade maior desse lado do planeta em relação ao sol. E nos seus giros alucinantes, vai trazendo depois numa seqüência até agora imutável, primavera, verão e outono, antes de tudo começar de novo, até a terra se perder de sua órbita ou então o homem desregular ainda mais seus mecanismos que permitem nossa vida aqui nesse mundão de água e terra. E só é assim por causa da órbita elíptica (que nome!) do globo. Nesse dia hoje, o eixo do planeta forma um ângulo de 23,5 graus com o sol e muda de temperatura até daqui a três meses. Se ela fosse redondinha como se acreditou muito tempo, não iríamos ter as estações. Em cada região ia ser tudo uma coisa só. Melhor dizendo, metade ia ser gelo, metade ia ser torrada. Tudo isso a ciência nos faz chegar ao conhecimento, sem embargo.

Tem umas explicações bastante complicadas como equinócio, solstício, mas para nós pobres e leigos mortais, vale mesmo é o bom friozinho, o calor e as chuvas acontecendo entra ano sai ano. Mesmo por que, equinócio parece nome de bicho. Desses bichos assemelhados a burro:

-Olha aqui, se você não entendeu o fenômeno do inverno é porque é um equinócio selvagem.

Solstício me soa como elemento de previsão astrológica:

‘O sol transita pelo solstício de aquário, trazendo bons fluidos para o seu dia hoje. E frio também. No amor, tudo vai transcorrer redondinho, sem elipse’.

Mas fico com uma pulga atrás da orelha. Tudo bem com o big bang, a terra já estava ai há bilhões de anos e outros argumentos irrefutáveis. Mas será que não tinha algo ou alguém observando ela rodar alucinadamente, sem rumo nem direção e sem gente e resolveu dar uma mãozinha? Um acabamento, como fazem os artistas com os vasos de cerâmica para dar essa forma achatada e nos dar essa vida? Agasalhem-se.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

AO PÓ NA ERA DIGITAL

“A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”

Sócrates

Duas vidas sem o menor sentido diante de milhares que já nem assustam mais. Um rapaz de apenas 26 anos quase se desintegrou em pleno alto das mangabeiras, em BH a bordo de um BMW. O carro ficou tão em frangalhos que nem air bag, nem barras laterais, nem Jesus salvou o incauto. Para uma via numa região de trânsito tão intenso, pode nos levar a pensar que queria mesmo partir (sem trocadilho). Filho de abastada família, daqueles de quem costumamos dizer que têm tudo às mãos. Provavelmente achou que tivesse também o mundo e que nele não havia barreiras nem limites, nem conseqüências. Simplesmente estão às mãos. Nesse caso estavam no volante no momento da tragédia. Não teve tempo de desfrutar a fortuna da família e viver longamente na glória. Ainda que inconseqüentemente, irresponsavelmente, descompromissadamente, mas na glória. Sua formatação saiu com problema no sistema e acabou deletado.

Outro jovem de 32 anos foi preso vindo de São Paulo com um carro roubado, uma carteira de motorista falsificada, com cocaína no veículo para ser entregue em BH e, junto com ele, a filha, de apenas treze anos, que disse estar acompanhando o pai em viagem de negócios. Desempregado há dois anos, segundo o depoimento, arrependeu-se, disse que vai pedir perdão a Deus e à família e quer se matar se for preso. Também perdeu a oportunidade de lutar por dignidade cada vez escorregando mais das mãos de quem a procura. Nem foi formatado direito. Seu sistema nem era digital ainda e já está na lixeira.

domingo, 15 de junho de 2008

ATÉ QUE A MORTE OS UNA

O pagode está chegando aos shoppings centers. Com a evolução fantástica das classes C, D e E, que estão mudando de patamar, ganhando um degrau cada, segundo os critérios de quem quer manter o povo no seu devido lugar, as classes A e B vão ter que construir muitas Daslus mais, se não quiserem se misturar ao povo. O pagode tá rolando solto nas praças de alimentação.

Inventaram essa terminologia de multi-subdivisão de classes para ninguém confundir nem deixar embolar miserável com pobre, classe mais ou menos média com média, alta e ricaça. Ainda mais em um mesmo lugar. - Cruzes!, vão dizer as peruas. Mesmo que sejam novas ricas, recém chegadas ao topo da pirâmide por celebridade, casamento arranjado, corrupção ou outro artifício digno de curiosas histórias de construção de impérios financeiros. Não estou falando somente das mulheres. O exemplo das peruas foi casual. Os homens também são iguaizinhos, mas não costumam falar cruzes! O negócio é que, culturalmente, a riqueza deles é mais cobiçada.

Muitas lojas dos outrora privativos shoppings de vender imagens e ilusões já têm aqueles artigos mais em conta, mas que ficam escondidos das vitrines e somente são oferecidos se no ambiente não estiver presente alguém com cara mais requintada ou nariz mais empinado. Ou então com pinta de fiscal mesmo. Aquelas mercadorias que chamam de segunda linha. Quem é cliente dos produtos importados sabe bem do que se trata.

Em Belo Horizonte, estão encontrando uma saída honrosa: já tem espaços exclusivíssimos - assim mesmo com superlativo absoluto - , que é para não misturar. Ora, restaurante onde uma cerveja custa 225,00, um cafezinho, 100,00 e uma cachaça, 30,00, assusta até ricos de verdade! E estão prometendo inaugurar muitos outros mais ricódromos Muitos talvez nem gastem isso nas suas freqüências a esses lugares. Freqüentá-los longe da turba basta. É só mesmo para mostrar o lugar de cada um.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

CULINÁRIAS HILÁRIAS - DOBRADINHA

Dos doze anos em que fui dirigente sindical, D. Tereza nos acompanhou durante uns quatro ou cinco, até completar sua idade para a aposentadoria. Fazia faxina, pequenos serviços burocráticos como ir a bancos, correios, pequenas compras e, quando sobrava um tempinho gostava de fazer algum agrado para alguns diretores. Excepcionalmente, para os seus prediletos. O Júlio estava entre os escolhidos, tamanha afeição que devotava por ele. Entre os muitos chamegos, uma dobradinha ficou inesquecível, tanto que carrego ainda hoje, mais de 15 anos depois, seu cheiro quando me lembro.

Era um sobrado, onde ocupávamos – a diretoria – a parte superior e que possuía um fogão a lenha na parte de trás da recepção. Nem o usávamos pela dificuldade de se conseguir lenha na cidade e também pelo pouco tempo para se cozinhar. Além do que, como a casa ficava no centro e a cidade sendo pequena, tínhamos tempo de sobra para almoçar em casa.

No interior ainda é muito comum venderem porta a porta, não só produtos de beleza, mas de cama e mesa também. Mesa no sentido alimentar. Ela adquiriu uma quantidade de dobradinha de um senhor que passara por ali e, resolveu fazer uma surpresa para nós, mas, especialmente para o seu pupilo. Ninguém sabia de nada até que a Vera, a secretária que ficava na recepção e bem próxima ao fogão, subiu desabalada as escadas dizendo que éramos para verificar se havia algum bicho morto na casa por causa do odor de carne em putrefação. Nem precisou. A esta altura, o aroma já havia se espalhado por todos os cômodos e acho que até mesmo pela rua, de tão forte. A D. Tereza tinha deixado o bucho cozinhado em uma panela de pressão havia ido ao correio. Aproximamos da panela e, desconfiados de que aquele aroma vinha dela, saímos todos correndo para casa. Ela ia considerar uma desfeita, um pouco caso, uma afronta à sua tão boa intenção se recusássemos a sua iguaria.

Pelo que sei, essa víscera tem que ser lavada, com ácido, álcool, vinagre, uma verdadeira assepsia química antes de seu preparo. Inclusive a cor original (marrom) que estava na panela não correspondia àquela branquinha, essa sim, lavada que estamos acostumados a comer. Quer dizer, só voltei a ter coragem de provar novamente muitos anos depois.

domingo, 8 de junho de 2008

AS MÃOS E OS PÉS DO SENHOR

“Os escravos são aos mãos e os pés do senhor” (A.J. Antonil, 1711)

Os navios negreiros nos tempos das colônias antigas traziam da África para a América os seres que viriam a ser escravizados no novo mundo para servir aos senhores das terras e arrancar delas o sustento e a opulência que alimentava as monarquias, aristocracias e outros apadrinhados ou aproveitadores desse regime de exploração, às custas exclusivamente do braço humano do escravo. Enchiam-se as embarcações e no seu interior as condições de sobrevivência para se chegar ao destino eram obra dos próprios homens e mulheres, alimentados parcamente a pão e água. Sobreviviam muitos, os mais resistentes e insistentes em ter esperança de que, do lado oposto do mar, em outras terras, fossem ter alguma dignidade. O resto, morrido, lançava-se ao mar para não apodrecer junto aos demais e estragar o que restasse da mercadoria. Essa parte da história e suas chagas e cicatrizes todos conhecem bem.

Muito, muito tempo se passou, a escravidão refrescou bastante, mas não acabou de todo. Foi mascarada em novas e modernas formas de trabalho. Fazendas, carvoarias, canaviais e cafeicultura muito ainda se utilizam desse disfarce. Volta e meia, vira e mexe, ouvimos, lemos ou assistimos a relatos de situações degradantes de extração de riquezas por esses métodos assustadores de exploração humana.

O mais moderno escravismo no entanto, está sendo praticado nos navios luxuosos que transportam turistas mundo afora. Os endinheirados excursionistas têm destino certo mas os trabalhadores dos navios não. Nem lei que regule sua relação de trabalho. Existe salário, mas a jornada de trabalho é de no mínimo 10 horas dia, durante 6 meses ou 8 meses, sem direito a um dia sequer de folga. Os navios possuem até campo de golfe, mas a tripulação é alojada nos três últimos andares de baixo, ou seja, tem uma maravilhosa vista para o fundo do oceano. Já pensou em limpar xixi e cocô de 2500 pessoas durante esse tempo todo? Ou cozinhar para eles? São oferecidas bebidas aos tripulantes a preços sem impostos que deve ser para servirem de anestésico para o calvário. Dá para entender porque os escravos antigos tomavam tanta cachaça. O maior salário divulgado, para quem fala pelo menos três idiomas, não chega a 4.000 dólares. Mas nesses casos, brasileiro não é nem convidado a participar da seleção. Cozinheiro, então que seja experiente em tailandesa, alemã russa, japonesa e outras iguarias internacionais, além de ter que falar fluente inglês, não chega a 1500 dólares.

EM TEMPO: Há uma agência de mercadores que contrata pessoal para trabalhar nesses navios. Chama-se Crew. Pelas condições oferecidas, pronuncia-se créu.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

SURURU NA ESCADA


Um motorista errou a entrada do estacionamento e invadiu a escadaria de um prédio na avenida Paulista, por volta das 10h. As informações são do SPTV(13/05/08

Olha a vida imitando a vida! Faz de conta que esse motorista aí sou eu. Aconteceu o mesmo comigo, mas não tive a chance nem de ter um desocupado para me fotografar. Ainda bem. Era tarde da noite e quase viro notícia de jornal, na página do obituário ou dos atendidos nos prontos socorros. O fim da escada no meu caso era bem mais profundo que o da foto acima. Em Vila Velha (ES), fomos eu e o Rui Dias em aventura sindical em seu carro. À noite, nossos amigos de confabulância e anfitriões dos bons, nos convidaram para comer um prato de sururu quente como da moda baiana. O lugar ficava perto da casa onde estávamos hospedados e foram todos a pé, mas decidimos levar o carro, caso resolvêssemos dar alguma esticada dessas que tornam a noite sem fim. Enquanto não se vence a escuridão ninguém vai dormir. Fui levando o carro e me ensinaram a contornar uma rua e descer à direita, na parte baixa do bairro, onde ficava o famoso bar. Quando o fiz, estava nessa posição aí da foto com o chevete desembestado escada abaixo e os freios teimando em não segurar o carro. A rua muito escura e sem nenhum aviso, levou-me a achar que o carro tivesse pernas em vez de rodas, ou que escadas são para automóveis e não para caminhantes. Por sorte havia um patamar, um lance entre a primeira e a segunda fase dos degraus, que segurou o carro pelos fundos da lataria. Senão tinha caído de bico a uma altura que, calculamos depois, de uns seis metros. Minha tremedeira foi tamanha que não conseguia sair do carro, desligar o motor, buzinar, nada! Estatelei como se faz nessas ocasiões e entreguei o desfecho para Jesus ou para quem pudesse me segurar ali. Um vizinho da escadaria viu a cena e gritou por socorro e a ele vieram os amigos me resgatar de dentro do meu pânico. Nem senti o quanto estava apimentado o sururu. Só vim a perceber no outro dia, na volta, quando o Rui passou mal durante toda a viagem. Que noite! que viagem! Que retorno! Tive que dirigir de novo, dessa vez sem incidentes maiores que os vômitos de da comida típica.

TUDO ACABA EM POESIA

(A PAULO ADÃO)

Poesia para mim depende do dia

Nem sempre

Tem que rimar com alegria

Nem com euforia

Fantasia

Às vezes é nostalgia

Outras, sintonia

Muitas delas, melancolia

No mais das vezes,

Pura idiossincrasia.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A BOLA

Outro dia caiu aqui no terreiro uma bola meio murcha que cheguei a pensar que algum menino tinha dispensado por ter ganhado uma nova ou por ela não prestar mais nem para um futebolzinho de rua. A cachorra já tinha até levantado as orelhas de satisfação achando que havia sido presenteada com um brinquedo novo. Fui correndo lá salvá-la de seus dentes depois que dois meninos tocaram na campainha e me agradeceram com um efusivo ‘Valeu aí, véi’, acompanhado de olhos arregalados diante da ameaça do estraçalhamento pela cadela indomável e brincalhona. Aí, voltei longo tempo em que tinha um campinho onde passava a maior parte de tempo disponível para brincar lá no bairro Campestre na minha Itabira. O moço que morava bem em frente a uma das laterais do campo era tão mau com crianças e tinha uma cara tão emburrada que esqueci seu nome e também o faria se lembrasse tantas vezes, quantas foram as bolas que vimos se perderem em suas mãos. Era só alguém dar um chute desses de zagueiro que não brinca em serviço ou errar a direção do gol, que não tinha perdão. Caía em sua garagem e só eram devolvidos os pedaços, acabando com nossa pelada ou jogo de torneio sério de bairro.

Acho que o método de investigação foi descoberto pelas crianças e copiado pela polícia ou então, a tese do olho por olho, já vem no sangue. Ensinaram religiosamente para nós darmos a outra face, mas sempre dávamos um tapinha antes. Ou depois. Todo carrasco tem um ponto fraco e descobrimos o seu rapidamente.

Pois ele tinha um filho e um táxi. O menino além de tudo era miudinho e bom de bola. Rogério, magrinho, canhoto e escorregadio no jargão futebolístico. Passou ser a maior vítima de faltas necessárias e desleais cometidas para vingar as bolas que seu pai destruía. Bom era que ele achava ser perseguido em campo por causa de suas habilidades. Eram as duas coisas. Mais vingança que falta de recurso na bola.

Custava tanto ganhar bolas de presente. Eram caras e já estávamos naquela fase em que as de plástico, as dente de leite, baratinhas, não atendiam mais os anseios nossos de criar intimidade com as G18, de couro e só usadas por iniciados no trato com um futebol mais elaborado. Meu pai comprava até escondido de minha mãe para nós por causada confusão que vinha ao se saber o preço. O moço rasgava. Sem dizer palavra, sem xingar, sem mostrar a cara no portão, sem que tivéssemos quebrado um vidro de janela, já que as suas possuíam grades. Simplesmente, rasgava e jogava os gomos sobre o portão. Era mesmo um algoz, um inimigo da infância.

Bem, o táxi era nossa a senha para a vingança maior. Esse moço tinha um emprego durante o dia e saía rigidamente todos os dias ao cair da noite para ganhar mais alguns com seu carro de praça. Esperávamos à hora do jantar e das novelas, quando a rua ficava naquele silêncio televisivo e enchíamos o buraco do cadeado do portão com areia grossa bem socada com prego. E não tinha alegria maior que passar lá perto no dia seguinte a caminho da escola e ver que o carro havia amanhecido na rua e, à tarde ele colocar outro cadeado novinho à espera de nova bola rasgada para ser novamente trocado. Não sabíamos da equivalência de preço bola versus cadeado, mas tava dado o troco. Bem feito, quem mandou mexer com criança feliz!

domingo, 1 de junho de 2008

TOREROS

As novas tecnologias têm criado muitas profissões que antes nem imaginávamos. Por outro lado, a crise gerada pela exclusão social também tem feito o mesmo sem muita tecnologia, mas com um criatividade de invejar os inventores. Já temos a engenharia psicológica para estressados do trânsito, o médico cosmiatra, a hostess, e tantas outras esquisitices modernas para atenderem os bem nascidos, bem sucedidos e bem vestidos, um de cada vez para personalizar o serviço. Já falei disso antes.

Para não cometer aqui também mais uma injustiça com os “humilhados e ofendidos, explorados e oprimidos que tentaram encontrar a solução” (obrigado, Gonzaguinha), cito as novas profissões que não se encaixaram por dentro da modernidade. Homem sanduíche, cujo recheio é o próprio homem, mas na casca tem propaganda de empréstimo consignado, compra de ouro e conserto de celular. O captador de clientes de rua para salão, dentistas e advogados. O camelô, que foi devidamente enquadrado, pelo menos em Belo Horizonte, dentro dos chamados shoppings populares. A prefeitura proibiu o comercio nas ruas e criou as tribos Oiapoque, Xavantes, Tupinambás, igualzinho a demarcação de terras indígenas para isolá-los de nossa cultura de shopping americano chique e não atrapalharem o tráfego de pedestres. Só que nesse caso, parece que os novos índios estão se dando melhor que os originais.

Aqueles que não se enquadraram em nada disso, viraram Toreros. No início achei que fossem aqueles camelôs que ficavam com uma mesa de caixote forrada com pano vermelho vendendo CD, DVD ou desentupidor de fogão e ralador de legumes. O pano vermelho seria para driblar a fiscalização. Aí, esbarrei no problema da língua. Se fosse para compará-los às touradas, seriam toureiros, mesmo se não conseguissem tourear os fiscais de rua.

Uma reportagem de jornal me deu a explicação engraçada e patética, tudo de uma vez só. Os que foram excluídos da exclusão dos shoppings ou preferiram resistir e continuar como ambulantes sem terreno marcado, são os toreros.

Mas, diante da dúvida pelo uso desse termo tão estranho, a resposta veio de um deles:

- Já que a prefeitura proibiu, a gente vende assim mesmo, Na Tora.

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