quarta-feira, 30 de junho de 2010

SILOGISMOS ROUSSEAUNIANOS

Todo homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe
Ora, se todo homem vive em sociedade
Toda sociedade é corrupta?
Se toda a sociedade é corrupta
Onde estão os homens bons?
E ora, ora, se todos são maus, então,
Estamos reclamando de que?



terça-feira, 29 de junho de 2010

MÃOS DE DEUS

Marcelo Adão é um jovem pintor de belas telas. Eu divido a pintura em telas de retrato e telas de introspecção expressa. As evidências numa paisagem, torso, rosto ou objeto são de leitura imediata, gostando-se ou não à primeira vista. As de introspecção são mais complicadas de se gostar antes de algum entendimento. Tem gente que já fala logo de cara que adorou tal quadro, sem sequer se dar conta daquilo que está admirando. É chique, dá um ar de conhecimento e erudição. Entendo muito pouco de iconografia e iconologia*. Uma raspadela que pude absorver nos conceitos e métodos em umas aulas no semestre que fiz de história da arte na época da universidade.

Há uma tela do Marcelo na casa do meu pai que é um sol com formas bem próximas da visão, bem colorido e muito impressionante para os sentidos. Daquelas telas que não conseguem passar despercebidas onde quer que estejam ornando. Me parece uma expressão mais latente de seu desejo de elucidação da vida, de clareamento das existências, da busca de uma liberdade que não encontra limites nos obstáculos onde os raios do sol tentam penetrar. Assim eu o vejo.

Conversávamos ouvindo Bach e depois Handel, Puccini, Mozart e aproveitamos para falar do quanto eram inspirados os compositores clássicos. Parecendo um toque de Deus em suas em suas mãos na hora de compor. Foi nesse instante que ele afirmou ser isso mesmo o que ocorre com os artistas que atingem uma plenitude tal que nos toque tão profundamente a alma. Assim é na pintura, na música e na literatura. Seriam essas pessoas apenas instrumentos que Deus utilizaria para mandar espalhar a beleza no seu estado mais tocante pelo mundo.

Na literatura, psicografia é quando espíritos desencarnados lançam suas energias cósmicas para mãos escolhidas e estas reproduzem textos e mensagens de todos os matizes e para todos os gostos. Às vezes para satisfação de algumas necessidades, no caso de mensagens. Na pintura também chamam de psicografia, mas eu não acho que seja a denominação mais apropriada. No entanto, que diferença faz, diante do momento inexplicavelmente lindo que é essa espécie de transmutação cósmica para o sublime ato da criação artística? São uns iluminados, seres especiais, ungidos pela mediunidade. Possuem as mãos prontas para os chamados. De tantos conhecidos nossos, creio que o Chico Xavier seja o mais famoso e o que mais tenha produzido obras de psicografia.

Enteografia** é que o que chamo a partir de agora aquelas escritas que acredito terem vindo de um sopro de Deus. Uma manifestação mais elevada ainda. A epifania traduzida em poesia, prosa e letras de música. Seus escritos falam com a alma humana.. Aqueles que se comunicam lá nos cantos mais profundos de nossa mente, fazem rir e chorar ao coração, estimulam mudanças interiores em busca de uma elevação espiritual sempre que os lemos, ouvimos ou vemos. Já elegi alguns dos que considero enteógrafos.

Fernando Pessoa
Chico Buarque
Niezstche
Sócrates (Platão)
Drummond
Clarice Lispector
Machado de Assis
Brecht
Aristóteles

Escolha os seus.

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* Iconografia é a descrição para o conhecimento de imagens

* Iconologia é a explicação simbólica ou alegórica de imagens.

**Enteografia – Seria a escrita, a composição ou a pintura divina. Deriva da palavra ENTEU, eu quer dizer “inspirado por Deus”

segunda-feira, 28 de junho de 2010

PRECONCEITO ALIMENTAR

Permitam-me um trocadilho infame antes de começar: esta crônica não é pra alimentar preconceito. É antes, sobre o preconceito alimentar.

Se existir uma grande vontade interior acabar com um preconceito, uma boa dose de pesquisa acerca de sua origem ajuda bastante. Primeiro há que se assumir que ele existe, mesmo contra o desejo. Depois disso as coisas vão se tornando mais fáceis. O preconceito de cor, por exemplo, que é inclusive chamado de preconceito racial é duplo. Primeiro por causa de separação. Quem acha que uma cor é uma raça e outra cor outra raça, já está exercendo um preconceito. A raça é humana e só. Segundo porque as cores não tornam ninguém melhor nem pior, a não ser por parte daqueles que se julgam assim. As origens disso creio que é de conhecimento bastante geral e se o preconceito permanece é por vontade própria, assumida e o que nos resta é apenas lamentar, execrar e combater. Há outros, no entanto que a gente possui, não acha que seja preconceito e exercita-os na maior tranqüilidade, mas eles escondem uma cultura de subserviência de séculos.

A cachaça e a feijoada já tiveram uma reputação bastante denegrida por causas de suas origens, de seu preço e de suas relações com quem tinha hábitos de consumir. Hoje, elas freqüentam as mais elevadas rodas do mundo do dinheiro e ganharam status de produtos tradicionalissimamente brasileiros, exatamente porque uma elite começou a lhe dar uma atenção. Imagine que quem começou a produzir e tomar cachaça e comer e feijoada eram os escravos. A primeira com uma descoberta acidental da fermentação da cana, saindo um álcool forte e lhes entorpecendo da dura vida que levavam. A segunda, enriquecendo o seu feijão preto (que também não era apreciado pela nobreza por causa da cor) com restos de miúdos de porco, recusados à mesa dos abastados. A mesma turma que cria e enraíza os preconceitos depois manda acabar com eles e quase todo mundo acha que isso é normal, que a vida é mesmo assim.

Essa conversa fiada é toda por causa de um prato que saboreei enquanto pensava: camarão na moranga. Uma delícia! Há uma abóbora da mesma família da moranga que é chamada de abóbora de porco. É porque já foi comida de porcos, considerada ofensiva para o consumo humano por gente de posses. Com tanta gente passando fome no mundo!. E é muito comum ver uma cara de desprezo quando se abre uma panela com um abóbora (qualquer que seja o tipo, pois os preconceitos tendem a se estender por toda a família) e uma frase infeliz: “isso é comida de porco!” Quanto à banana caturra, eu não sei de onde vem o preconceito, mas ainda vou pesquisar. O que deu para saber até agora é que ele também existe, sob o disfarce de que é um alimento indigesto. Quase todo mundo prefere as pratas, as maçãs e as ouro. Estas são um pouco mais caras. Quem sabe não seja por causa do preço quase irrisório, “preço de banana”, como costumamos dizer e isso não atice o pavor a coisas de pobre? Sei lá, só sei que como uma todos os dias para equilibrar o sódio no meu organismo. Para quem não sabe ela é a mais rica em potássio e esse elemento é fundamental para equilibrar o sódio no organismo dos hipertensos. Aprendi com gente que não tem preconceito.

domingo, 27 de junho de 2010

BOM EM QUALQUER ÉPOCA - O IDOSO E O VELHO

Há tanta produção literária por esse mundão, tanta coisa que tanta gente tem acesso e muito mais coisa que tanta gente não tem que pelo bem do conhecimento humano e da literatura, acho que toda oportunidade que tivermos para aumentar a visibilidade de textos bons não pode ser perdida. Selecionei alguns que acho que precisam de quando em vez ser divulgados pelas suas qualidades inumeráveis. É só mais uma forma de dar ainda mais vida à sua imortalidade. Só lendo para qualificar. E isso cabe ao leitor.



O IDOSO E O VELHO


IDOSA é a pessoa que tem muita Idade;
VELHA é a pessoa que perdeu a jovialidade.
A idade causa degeneração das células; a velhice causa degeneração do espírito. Por isso, nem todo idoso é velho e há velho que nem chegou a ser idoso.

O mesmo ocorre com as coisas: há coisas que são idosas (antigas) e há coisas que são velhas. Um vaso da dinastia Ming (1368-1644) pode ser uma antigüidade, uma relíquia que não tem preço; um outro de apenas 50 anos ou menos, pode ser um vaso velho a ser relegado a um depósito.

Você é idoso quando pergunta se vale a pena; você é velho, quando, sem pensar, responde que não.
Você é idoso quando sonha; você é velho quando apenas dorme. Você é idoso quando ainda aprende; você é velho quando já nem ensina. Você é idoso quando pratica esportes ou de alguma forma se exercita; você é velho quando apenas descansa. Você é idoso quando ainda sente AMOR; você é velho quando só sente ciúmes e possessividade. Você é idoso quando o dia de hoje é o primeiro do resto de sua vida; você é velho quando todos os dias parecem o último da longa jornada; você é idoso quando seu calendário tem amanhãs; você é velho quando seu calendário só tem ontem.

Idosa é aquela pessoa que tem tido a felicidade de viver uma longa vida produtiva, de ter adquirido uma grande experiência; ela é uma porta entre o passado e o futuro e é no presente que os dois se encontram. O velho é aquele que tem carregado o peso dos anos; que em vez de transmitir experiência às gerações vindouras, transmite o pessimismo e a desilusão. Para ele, não existe ponte entre o passado e o presente, pois lá existe um fosso que o separa do presente, pelo apego ao passado.

O idoso se renova a cada dia que começa, o velho se acaba a cada noite que termina, pois enquanto o idoso tem seus olhos postos no horizonte, de onde o sol desponta e a esperança se ilumina, o velho tem sua miopia voltada para os tempos que passaram. O idoso tem planos, o velho tem saudades. O idoso se moderniza, dialoga com a juventude, procura compreender os novos tempos; o velho se emperra no seu tempo, se fecha em sua ostra e recusa a modernidade.
O idoso leva uma vida ativa, plena de projetos e prenhe de esperança. Para ele o tempo passa rápido e a velhice nunca chega.
O velho cochila no vazio de sua vidinha e suas horas se arrastam, destituídas de sentido. As rugas do idoso são bonitas porque foram marcadas pelo sorriso; as rugas do velho são feias, porque foram vincadas pela amargura.
Em suma, o idoso e o velho são duas pessoas que até podem ter, no cartório, a mesma idade cronológica, mas o que têm são idades diferentes no coração.



*/Jorge José de Jesus Ricardo (Jocardo)/
29.07.1998
Espaço Aberto.
Artigo, vencedor do 1º Concurso Literário para a Terceira Idade, patrocinado pela Universidade do Estado de Santa Catarina e publicado na edição de número 4 do jornal Reproposta, editado pela equipe do projeto Universidade Aberta à Terceira Idade da USP.

sábado, 26 de junho de 2010

AEDO CIBERNÉTICO * - CUITELINHO

Um amigo a quem eu considero às vezes um irmão mais velho, às vezes um pai. Mas acima de tudo, um grande amigo. Ele está com Alzheimer. Seu estágio é bem avançado. Quando vou visitá-lo, é incrível, a única coisa que lhe evoca alguma lembrança é essa música. Nos bons tempos em que trabalhávamos juntos e dirigíamos o sindicato, costumávamos sair para rodas de violão e ele sempre pedia para tocarem no início e no final da cantoria.


PARA RUI DIAS (VÉIO) COM CARINHO
Talvez você não venha a ler isto, mas ouça essa canção que é sua e lhe fez tão bem. Os amigos a quem tanto amamos não se esvaem, não se acabam.
“Fica sempre um gosto de perfume” porque “o cuitelinho não gosta que o botão de rosa caia.”







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* Na antiguidade, como a escrita era pouco desenvolvida, o AEDO cantava as histórias que iam passando de geração para geração, através da música. Depois, veio o seu assemelhado na idade média que era o trovador. Hoje, juntado tudo isso com a tecnologia, criei o AEDO CIBERNÉTICO.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

VERSINHOS FAMILIARES


I
Cantei no coral da escola,
Soltei muita pipa, carrinho era feito de ripa,
Depois das aulas jogava sempre muita bola.
Reunia a turma em prosa inocente,
Não havia medos maiores que a noite*,
Assombração era só estória, gente era gente.
Quem dava trabalho no bairro era bêbado babão,
Maioria das vezes, vindo da boite*
A gente ajudava a rebocar pra casa
pra que não caísse no chão.

Momentos de uma boa infância

P.S.:
(se Quintana no poema Canção da Vida rimou Renoir com poluir, que é que tem eu rimar noite com boite?)

II
Crescendo a família em pencas
Meninas e meninas debatendo
Não havendo um ouro no berço
O jeito era ir vencendo
A mãe ganhando nos arranjos de avencas
Os filhos, uns estudando, outros no terço
O pai, suando na labuta  e haja renda

Lembranças de um pouco da adolescência

III
Independência foi consquistada
Cada um pro seu lado, seja solteiro seja casado
De casa levando amor , sonho e vontade
Sem isso ninguém vence a jornada
Ganhando experiência, gerando prole, eis o legado
Para o ciclo onde o tempo, senhor de tudo invade

Instantes da vida que segue

quarta-feira, 23 de junho de 2010

POEMA DOS TRÊS PODERES


Advertências:
(Musicado: Cantar no ritmo de “Lá No Pé da Serra”)
Feito em parte em Juiz de Fora e na praça dos três poderes
Rimas pobres como uma casa mal construída, risco de cair.
Esse ato foi público, tenho todos os rascunhos.
Eu estou me lixando para a sua opinião
Decreto legislativo:
Mude-se o povo, revogam-se as manifestações em contrário.


Fiz uma casinha branca
Lá no pé da serra pra meu bem morar
Mas ficou um palacete
Olha que cacete
Me acusam de roubar
Foi num ato bem secreto
Eu não tava por perto
foi o diretor mais os caras do senado
Mas deu tudo errado

Desviaram umas verbas dividi com todos
Os meus correligionários
Bando de salafrários
Não me defenderam

Quando a imprensa doida
Pos esse bocão  no trombone
Avisou os home
Da população
Todo mundo revoltado
Dizendo pra todo lado
Que só dá ladrão
Dentro dos três poderes

Se então souberem que ela é minha amante
Eu nego e peço desculpas à minha mulher
Ela sim é que me entende
Não vai nessa conversa da oposição
Que esse povo faz comigo
Sem ter prova não.
Hei de ir no supremo
Lá tem o Gilmar
Que pra banqueiro  e rico  ele dá liminar
E é tudo uma merda
Minha cara sei como eu vou livrar
Aí então é só dizer no relatório
Dane-se o povo e a opinião.

terça-feira, 22 de junho de 2010

PELA CIDADE


Domingo eu fui à pracinha do bairro pela manhã tomar um solzinho e ler um jornal ao ar livre. Uma lástima só. O espaço urbano está se desumanizando e nós viramos coisas no ir e vir tal como acontece com os meios de transporte que usamos? Raramente se vê cuidados do próprio habitante com as cidades. Não vou falar de lixeiras que só servem para atrapalhar as passagens da maioria, pois o lixo vai mesmo é para o chão. Não vou falar das faixas de pedestres, pois elas só servem para avisar ao motorista que ali parado é multa certa e ao pedestre que ali é mais difícil ser atropelado. Não vou falar também que passeio público é para transeuntes e não para carro. Muita coisa eu prefiro não falar isoladamente para falar do conjunto que representa o que é mesmo que estamos fazendo aqui nas nossas cidades. Sequer vou falar do poder público que se gaba de norte a sul de tantas obras e ainda não atingimos uma qualidade de vida para a maioria das pessoas no espaço das cidades. Há lugares de qualidade boa, média, razoável e péssima. Não vejo nas cidades onde morei e conheci nenhuma em que houvesse um cuidado da administração em harmonia com o cuidado dos moradores.

 Outro dia, passando pelo centro, eu estava querendo mostrar umas paisagens urbanas para minha filha, onde era tal lugar antes, hoje é tal coisa e ela é que estava com cara de  paisagem, mais precisamente de natureza morta, num sinal de completo desinteresse em interiorizar o olhar para  a cidade. Parece que tudo o que importa para grande parte das pessoas é ir aonde lhe interessa e voltar em segurança e de preferência, rapidamente. Onde não há história sendo construída não haverá defesa nem saudades. Se não considerarmos o espaço urbano como uma extensão de nossas casas, provavelmente vamos querer eliminar o outro ao nosso lado se ele nos incomodar; provavelmente não vamos nos importar com uma arquitetura linda e significativa que vai ceder lugar a um condomínio luxuoso ou a um shopping. Não vamos nos incomodar se derrubarem um parque em pleno centro da cidade para passar uma avenida ou viaduto. Também com a falta de sentimentos de coletividade, será que o melhor mesmo não é cada um ter seu espaço e ceder espaço para o dane-se o resto?  A racionalidade mais usada hoje com o inchaço das cidades médias e grandes é para a solução do problema da mobilidade urbana, o deslocamento das pessoas, o ir e vir para satisfazerem suas necessidades, cumprirem as suas obrigações ou simplesmente desfrutarem dos espaços aconchegantes para  o lazer. Em resumo, a pergunta ficou insistindo em me incomodar: então não era para ser esse mesmo espaço o lugar destinado prioritariamente às pessoas, à gente de carne e osso, com endereço de trabalho e moradia, cidadania em forma de impostos pagos e lazer em horas vagas? Nas ruas o que se vê com mais intensa sofreguidão é exatamente o contrário, os espaços sendo disputados palmo a palmo como se cada um dispusesse de seu quinhão e por onde um está circulando, que não entre nenhum outro em seu caminho.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

FUGA EM ESPELHOS - UMA RESENHA

Não há fuga possível quando se vive diante de espelhos. Isso tanto pode ser uma metáfora como pode ser uma realidade de aprisionamento depois que se alcançou um estágio, digamos profundamente repleto de culpas, desejos, se cobriu de mascaras e se embrenhou em aventuras e depois se resolveu voltar olhar para dentro de si mesmo, através dos espelhos em um cômodo onde eles estejam nas quatro paredes para onde você se virar. É através deles que você vai reviver tudo que sofreu, que gozou, que pensou, que imaginou, que delirou... Imaginemos o tormento de quem vive encarcerado com seus próprios devaneios existenciais e de suas realidades mais ou menos plácidas dependendo de qual é o grau de envolvimento com o prazer, com o absurdo, com o imponderável, com o perigo. É o que compõe este romance produzido como se fosse uma miragem que é viva, que é miragem, que é real, que é sonho. Não se trata de um livro sobre a loucura humana, mesmo considerando que há nele uma grande porção dela explorada com o mais alto condimento literário, histórico, filosófico e psicológico pela autora, que deixa os personagens divagarem sobre si mesmos todo o tempo como se eles é que estivessem falando ora sós, ora ao leitor da forma mais escancarada possível. A narrativa é tensa, mas, e talvez por isso mesmo, envolvente desde o primeiro até o último capítulo, que se encerra feito um auto da compadecida, sem nenhuma condescendência, no entanto entre o sagrado e o profano, sem nenhuma segunda chance, sem remissão. A catarse final do personagem principal é um estímulo curioso: a gente acaba voltando ao princípio de tudo para desenovelar a trama urdida com uma competência que a autora demonstra insuspeita, prazerosa. O livro é para quem gosta de fortes emoções, de belos pensamentos, de longas incursões pelo submundo do interior árido e fértil ao mesmo tempo de certos seres humanos. É um assassinato o centro da história. Ou não é? É um personagem atormentado pelo passado pouco glorioso que lhe gerou arrependimentos tardios, ou uma constatação de que a vida pode ser aquilo que dela nos imbuímos para construir, sem a perspectiva de ir se ajustando pelos caminhos escolhidos ou em que somos levados? É para conferir que o prazer é muito. A gente não sai da leitura a mesma pessoa que nela entrou. Não se nos imiscuirmos no jogo dos espelhos da alma. É uma imprevisibilidade do início ao fim, o que torna a obra das grandes produções literárias modernas.



FUGA EM ESPELHOS

Guiomar de Grammont

Ed. Giordano, 2001



OBS: Há uma biografia da Autora no google que pode ser acessada digitando-se o seu nome.

domingo, 20 de junho de 2010

AEDO CIBERNÉTICO * - BOLERO DE RAVEL


É DE ARREPIAR ATÉ PEDRA.
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Ravel compôs o seu bolero em 1928, com ele deu a volta ao mundo atuando como regente em concertos nos USA, Londres e em toda a Europa. Suas apresentações sempre lhe premiavam com uma acolhida triunfal.

Como tudo começou?


Em
1927 a dançarina Ida Rubinstein estava preparando um novo espetáculo e pediu a Ravel que orquestrasse algumas páginas do compositor Albeniz. Na verdade ela fizera este mesmo pedido a um outro músico e Ravel decidiu, então, compor uma obra nova e escolheu o bolero, atraído, pelo que tudo indica, pelo seu ritmo repetitivo e sua simplicidade melódica.

O “Bolero” é uma sutil mistura de folclore e de grande e genial inspiração.





Toda a peça consiste em dezoito compassos ao longo de uma folclórica melodia espanhola em rítmico de bolero, ininterruptamente repetida. É somente a instrumentação que numa contínua repetição se torna cada vez mais vigorosa, mais concentrada, aumentando também o volume correspondente.

Dentro desta simples orientação, a obra leva a cabo um incrível, persistente e crescente “suspense” que próximo ao final diligencia descarregar por intermédio de uma repentina, e de forma idêntica, rápida mudança de tonalidade, antes do real clímax ser atingido pelo vivo final.


É na verdade, um teste de habilidade para o regente que com a orquestra tem de manter uma poderosa e uniforme linha sem interrupção em toda a extensão da obra.


Ravel foi bastante ousado.


Tanto é que na primeira apresentação os próprios freqüentadores da Ópera também ficaram surpreendidos. Eram dezessete minutos de um longo e progressivo crescendo, a ponto de alguém da platéia exclamar; “é um louco!”. Segundo Ravel esta era a prova de que, pelo menos esta pessoa, havia compreendido sua obra.


Era noite de 22 de novembro de 1928 e este mesmo público, no entanto, assistira ao nascimento de uma das páginas mais célebres da literatura orquestral do século XX, uma obra que a princípio, nem mesmo Ravel acreditara.
(fonte: administradores.com.br/artigos)
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* Na antiguidade, como a escrita era pouco desenvolvida, o AEDO cantava as histórias que iam passando de geração para geração, através da música. Depois, veio o seu assemelhado na idade média que era o trovador. Hoje, juntado tudo isso com a tecnologia, criei o AEDO CIBERNÉTICO.

sábado, 19 de junho de 2010

(DES)APONTAMENTOS DA COPA

Enquanto a turma vai batendo a sua bolinha muito leve eu vou tendo tempo de olhar outros lances mais curiosos que as bicudas na jabulani. Ela voa à toa e eu viajo junto aos seus devaneios no meio da massa ao acompanhamento de vuvuzelas enlouquecidas e uníssonas.

-Os times do continente africano são uma verdadeira Europa, exceto pela “malemolência” dos jogadores, como se ouve a todo momento dos narradores de jogos. Nenhum dos cinco representantes possui um técnico negro. São todos europeus e brancos. Parece resquício de colonização. O time da Argélia parece a França. Aliás, a Argélia é o mais francês dos países árabes muçulmanos da África. Dá pra entender? É coisa dos antigos impérios. A França diante do seu fracasso até agora, bem que pode torcer pra Argélia dar certo que vai parecer que está tudo em casa. É bom dizer que com qualquer time europeu que uma equipe africana for jogar, será colonizado versus colonizador. Estão lá Itália, França, Alemanha e Holanda, para falar dos principais.

- Os jogos de ex-colônias com ex-metrópoles não revelam nenhuma sombra do passado. É pau a pau. EUA versus Inglaterra foi uma pelada e tanto! A Espanha enfrentará algum time das Américas Central e do Sul com grandes dificuldades. Podem eles não serem bons em libertação, mas na bola , a conversa é outra. Grande consolo... E o Brasil, será que vai pegar Portugal com pinta de filho maduro?

- A Alemanha chamou a minha atenção por parecer o time mais legitimamente representante do capitalismo moderno. Competitivo, eficiente, forte, veloz e sem graça em termos de jogo de cintura. Esse último item no capitalismo é essencial para driblar a concorrência. É um futebol de alta tecnologia esportiva podemos dizer. O time em campo parece comandado pelo GPS do técnico. Muito eficiente, sabe aonde vai e a hora de chegar. Não quer dizer com isso que vá ganhar a copa.
- Curioso o caso das Coréias. Elas são dois países em um só. Ou um país só em dois, como queiram. A geopolítica do mundo do dinheiro versus o mundo das idéias “fora do lugar.” Há o muro... Jogam uma bolinha meia-boca mas é um questão de honra para seus governantes um sair-se melhor do que o outro na competição, tal como é no dia a dia.

P.S: A bola está dando razão ao jogador brasileiro que a chamou de Patricinha ou são os jogadores que estão meio desvirtuados de qualquer direção? Nunca vi tanta bola jogada no meio da torcida! Cada lançamento estranho, cada gol mais esquisito. Se Continuar assim, vou declarar a jabulani como a grande campeã da copa.



sexta-feira, 18 de junho de 2010

TORMENTOS MEUS

“Tem dias que fico pensando na vida e sinceramente não vejo saída. Como é, por exemplo, que dá pra entender, a gente mal nas, começa a morrer. Depois da chegada vem sempre a partida, porque não há nada sem separação. Sei lá, a vida tem sempre razão.” Vinícius de Moraes




 
É um estado permanente de angústia o tal ato de pensar. Tem horas que acredito como se estivesse sendo subtraído de toda a minha fé humana que quem se habitua a pensar pouco vive mais contente. Eu quero dizer do ato de refletir e ficar buscando coisas onde elas não estão, procurando uma equação sem resultados exatos mas com alguma fórmula para desencaminhar o mundo, desconstruindo-o e fazendo algo mais habitável em seu lugar. Não posso falar mal das pessoas que não refletem, afinal elas pensam. Refletir e pensar, para mim tem sinônimos de ver e não observar detalhes nem absorver o impacto da visão. Mas é que eu acho que a grande maioria pensa estritamente o que é necessário para se diferenciar como seres superiores do reino animal. Ou seja, colocar o cérebro para garantir uma vida boa e resignada, indignada apenas com o que vem de fora incomodar. Acredito que os animais pensam. Eles não têm é a faculdade da reflexão que ultrapassa um condicionamento, um mecanicismo no agir como os domesticados através de um sistema de recompensas. (Fez certinho, foi recompensado). O que vem de dentro “é coisa de filósofo, de existencialista, de gente que não precisa ganhar o pão com o suor do rosto.” Até parece! Penso no futuro e vejo que é algo que se tornou absolutamente coisa do passado, passado esse que já não serve para mais nada a não ser causar riso medíocre em quem só pensa que o presente é tudo o que existe. Tem muita gente que acha que recorrer ao passado é sucumbir ao indesejado envelhecimento. Coisa mais velha esse pensamento! Melhor fica sendo não construir nenhuma história nem saber que ela é o esteio de um indivíduo, que, por sua vez está intrinsecamente ligado a uma civilização inteira. É bom que assim nada muda. Ou talvez tudo mude para permanecer como está. O fantástico mundo das permanentes aparências em que vivemos. O senso comum é muito pobre e preguiçosamente autodestrutivo. Sempre virá algo com roupagem nova e com velhas estruturas revigoradas como se fosse revolucionário. E ele costuma chamar essas novidades de evolução. Mas que importância tem mesmo? Só tem importância para quem resolveu dominar economicamente, politicamente, socialmente e culturalmente. O resto pode deixar todo mundo à vontade. Deixar que as grandes discussões se dêem na escolha da melhor forma de aparecer nas ruas e lugares onde se possa ser visto. Deixar à vontade para que a aparência física seja a própria história de vida e tudo o que é necessário para a sua manutenção “nos trinques” ocupe o pensamento. Inclui-se toda a indumentária, cosmética e patrimônio imóvel e móvel que se puder juntar. Pra quem se dá ao penoso hábito da reflexão, encerro com Paulinho da Viola, um músico filosófico: “Tendo no rosto, no peito e nas mãos uma dor conhecida, vivemos, estamos vivendo. Lutando pra justificar nossas vidas.”



quinta-feira, 17 de junho de 2010

PALAVRAS CRUZADAS

As palavras cruzadas entraram em minha vida de muitas formas. Uma foi através de ordens expressas de palavras que cruzaram meus caminhos, ora pela boca da mãe, ora do pai e ai de quem não obedecesse. Depois, dos meus tantos patrões e patroas a quem me submeti por muito tempo. E também por meio das regras. Tem umas regras que mesmo escritas, de vez em quando é preciso alguém chamar a atenção do outro, seja pela memória, seja pela obediência. Senão, como disse o glorioso Chico: “qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d’água.” São as leis de obrigação.

Já as Palavras Cruzadas do passatempo de revistas começaram a me acompanhar desde muito cedo. Eu gostava de caça palavras. A gente costumava disputar quem encontrava mais palavras naquele mosaico de letras com elas escondias em diagonal, vertical, horizontal e de trás para frente. No entusiasmo da revista eu passei a fazer as diretas do nível fácil, daí para o médio depois de um bom treino. Até chegar ao nível desafio difícil.

Não posso dizer que Drummond (o Carlos) não deixou umas palavras para mim. O Dr. Alexandre Drumond era um psiquiatra lá na minha Itabira. Um primo de segundo ou terceiro grau do Carlos. Foi se distanciando o parentesco e o sobrenome acabou perdendo um “m” no meio do caminho. Deve ser por causa das pedras que havia nele. Mas não perdeu-se o dom da palavra na família. Ele, o médico, produziu uma boa obra no campo da literatura psiquiátrica.

Quando conheci o Sr. Alexandre Drumond, seu filho, eu ficava impressionado com a sua destreza em fazer as difíceis. Ele já estava tão viciado que comprava uma revista e preenchia apenas uma coluna de cada página. Procurava a definição mais difícil que havia e fazia somente ela, pulando para a seguinte. Depois ia depositando aquilo num enorme saco plástico ao seu lado. Ele tinha uma espécie de gangrena numa das pernas e já não andava mais. Passava o dia fazendo palavras cruzadas. Muito tempo depois, eu já morava em outra cidade e fui comunicado de seu falecimento. Só pude ir à missa no sétimo dia e ao visitar as suas irmãs naquela casa de solteiros, a mais velha estava fazendo o bota fora de seus pertences. Ele tinha sido o único homem da casa e não havia nada que elas quisessem guardar. Eu ajudando na tarefa me deparei com aquele antigo saco, agora completamente lotado para ser jogado no lixo. Ganhei de herança e nunca mais parei. Demorei uns dois anos para fazer todo o estoque mas aprendi a dominar a técnica. Hoje não fico mais sem uma.

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O QUE SE FALA POR AÍ:

- Segundo o professor Ian Robertson, do Trinity College de Dublin, exercícios cerebrais como as “palavras cruzadas” ou o “Su Doku” (um jogo matemático de seqüências numéricas) são vantajosos para manter a memória, a primeira parte do cérebro a revelar uma quebra com o avanço da idade. A idéia é exercitar o cérebro e fazê-lo voltar a funcionar como na juventude. (http://www2.uol.com.br/cruzadas/pcssaude.htm)

- As palavras cruzadas, na percepção de muitos educadores, tornam as aulas mais leves e divertidas, distraindo e ensinando os estudantes ao mesmo tempo. As novas palavras e expressões contribuem para a melhora do vocabulário, ajudam a aperfeiçoar a ortografia e desenvolvem o raciocínio e a memória. (http://www.escolacantoverde.com.br/modules/news/article.php?storyid=21)

- Perry Bartlett, professor do Instituto do Cérebro da Universidade de Queensland, disse que exercícios físicos e mentais ajudam a criar novas células nervosas, mantendo o cérebro funcional e impedindo doenças como o mal de Alzheimer e Parkinson. Sexo, palavras cruzadas e uma boa corrida podem ajudar a impedir demência e outros problemas degenerativos do cérebro ao estimular novas células. (http://www2.uol.com.br/cruzadas/pcssaude.htm)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

MEU PÃOZINHO DE SAL

Eu não tinha conhecimento do tal de glúten até pouquíssimo tempo atrás. De repente, começou aparecer em quase tudo quanto é embalagem de alimentos o alerta de NÃO CONTÉM GLUTEN. A princípio eu pensei se tratar de algo que poderia viciar e me deixar guloso. Relacionei com glutão. A gente, pouco acostumada com alertas das indústrias alimentícias, de remédios, bebidas e outras coisas que entram pela boca, já coloca logo um pé atrás. Êpa, isso deve ser coisa da vigilância sanitária ou do ministério da saúde! Indústria nenhuma até hoje, pelo que eu sei coloca avisos maiúsculos se não for uma exigência dos órgãos de controle e fiscalização. O comum é esperar morrer alguém, intoxicar, ou adoecer primeiro a população para depois as providências serem tomadas pela via da lei. Já li e ouvi um amontoado de explicações acerca do glúten, já pesquisei eu mesmo com a minha leiguice inconformada e inquieta e não me convenci ainda de que é apenas uma proteína que causa alergia. Tem coisa aí! Será que estávamos consumindo pizza esse anos todos com glúten? Ainda bem que a broa de fubá que ajudou a me dar sustância a vida inteira não contém esse elemento. Da minha parte, as pesquisas que fiz na internet, há o que eu já suspeitava: muitos artigos acadêmicos, umas definições léxicas e quase nada dos fabricantes de alimentos. Eles não se expõem de jeito nenhum. Já pensou os embutidos todos, os muitos derivados do trigo? Os biscoitos, massas prontas, bolos, doces... Ah, melhor deixar pra lá. Acho que se for preocupar em excesso com esses mistérios que cercam a maioria dos produtos industrializados, eu vou querer voltar meus olhos para um pasto verdejante, me agachar e pastar... Não, não, pode ter agrotóxico. Há pouco tempo um pesquisador* disse que o processo de industrialização retira tantos nutrientes do alimento que é necessário acrescenta-los novamente de forma sintética. E os principais são: conservantes, anti-oxidantes, corantes, intensificadores de sabor, edulcorantes, reguladores de acidez, emulsionantes, estabilizadores e espessantes.... É por isso que tem aquele monte de produtos escritos: enriquecido de ferro, vitamina, ômega 3, 4, e mais um monte de coisa que saiu e voltou depois quimicamente. (Deus me acuda!). Estou mesmo preocupado é com o pãozinho de sal. Alguém já viu um aviso na padaria que o pão contém glúten?




* fonte: http://www.profcupido.hpg.ig.com.br/bioquimicaalimentos.htm

terça-feira, 15 de junho de 2010

BOM EM QUALQUER ÉPOCA - ÁFRICA ´- ENQUANTO A BOLA ROLA

Há tanta produção literária por esse mundão, tanta coisa que tanta gente tem acesso e muito mais coisa que tanta gente não tem que pelo bem do conhecimento humano e da literatura, acho que toda oportunidade que tivermos para aumentar a visibilidade de textos bons não pode ser perdida. Selecionei alguns que acho que precisam de quando em vez ser divulgados pelas suas qualidades inumeráveis. É só mais uma forma de dar ainda mais vida à sua imortalidade. Só lendo para qualificar. E isso cabe ao leitor.

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“Como em um pêndulo, o mundo oscila, em seu momento mais trágico. Cômico também. Perdemos dinheiro em bolsas, perdemos dignidade na Somália, perdemos o rumo em Darfur.


Somos a antítese, somos o pano grosso da indecência, chutamos o nosso amor próprio para o canto da sala, predomina em nós a uma violenta apatia, como substrato da indiferença.Não pensamos mais, apenas buscamos o nosso tão sonhado final de semana. Vamos sorrir, vale a pena.”


(Este texto foi encontrado no blog do Gerald Thomas, dramaturgo e o autor apenas assinou com o nome Tene Cheba) Abaixo, uma música que foi feita em homenagem a Nélson Mandela.

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LÁGRIMA DO SUL (MILTON NASCIMENTO E MARCO ANTÔNIO GUIMARÃES)

“Reviver
Tudo o que sofreu
Porto de desesperança e lagrima
Dor de solidão
Reza pra teus orixás
Guarda o toque do tambor
Pra saudar tua beleza
Na volta da razão
Pele negra, quente e meiga
Teu corpo e o suor
Para a dança da alegria
E mil asas para voar
Que haverão de vir um dia
E que chegue já, não demore, não
Hora de humanidade, de acordar
Continente e mais
A canção segue a pedir por ti
(a canção segue a pedir por nós)
África, berço de meus pais
Ouço a voz de seu lamento
De multidão
Grade e escravidão
A vergonha dia a dia
E o vento do teu sul
É semente de outra história
Que já se repetiu
A aurora que esperamos
E o homem não sentiu
Que o fim dessa maldade
É o gás que gera o caos
É a marca da loucura
África, em nome de deus
Cala a boca desse mundo
E caminha, até nunca mais
A canção segue a torcer por nós”

segunda-feira, 14 de junho de 2010

IRONIA

Assisti a um bate papo com o genial escritor Moacir Scliar na bienal do livro aqui em BH, cujo tema era a Ironia na Literatura. Entre tanta coisa boa que ele disse, uma delas foi sobre a ousadia do ser humano, respondendo a um porque da mediadora, sobre a recorrência de temas bíblicos em suas obras. Falou da fantástica habilidade dos escritores da bíblia, de sua capacidade de síntese, das parábolas e metáfora e outras tantas preciosidades inspiradoras contidas no livro sagrado e o mais lido pela humanidade. Depois citou um exemplo que me deixou pensativo: o cientista americano Craig Venter havia acabado de criar uma célula sintética, referindo-se à ousadia humana. É diferente da clonagem, onde se tira um pedaço de tecido vivo e se faz cópia desse ser. A célula é o princípio de toda a vida no planeta. Então podemos deduzir que o homem agora já pode se colocar no lugar de Deus, segundo a crença religiosa sobre a criação. Apesar de não ter assumido essa capacidade, ele disse, por enquanto, que vai haver a possibilidade de resolver problemas ambientais e energéticos, entre outras aplicações. Mas é uma célula, minha gente. A dedução de que vai se querer criar um ser vivo fica por conta de minha imaginação. Ironia ou não, é uma ousadia que vai dar pano pra manga.

Eu já andava meio desconfiado. Tenho observado que uns alimentos naturais até algum tempo atrás eram mais perecíveis. Não sei também qual a matéria prima ou remédio que usam nas pesquisas científicas, mas tem muita coisa que está com uma durabilidade excessiva. Tenho umas laranjas e um melão aqui na minha casa que já fazem mais de cinco meses que não apodrecem. Estão tão vistosos que quem chega pergunta se é daquelas antigas frutas de plástico que se usava para enfeitar fruteiras. Só não tive a coragem ainda de comer. Por vias das dúvidas, melhor continuarem enfeitando. Isso é genética aplicada à agricultura, suponho. O mundo é mesmo dos ousados, tem razão quem disse isso. Enquanto há uma luta ferrenha para se retornar às coisas naturais, a uma alimentação mais saudável, orgânica, livre de venenos, há um desenvolvimento acelerado de pesquisas para desnaturalizar alimentos para aumentar a produção e durabilidade em menos espaço geográfico por causa da destruição de áreas férteis disponíveis. Ou para aumentar a lucratividade dos produtores? Não sei, mas desconfio de muita coisa. E tenho uma certeza: as cobaias acabamos sendo nós mesmos, depois dos ratos de laboratório, claro. Sem entrar no mérito da causa se o homem está arrogando a se igualar a Deus ou provar que ele não existe, criando vida por conta própria, a ousadia é uma ironia.

O restante da conversa foi sobre os limites da transgressão e a diferença entre a ironia e o humor na literatura. O humor é aceito com certa universalidade. Já a ironia tem um duplo, triplo, ou vários sentidos que , por falta de compreensão do interlocutor ou firme propósito do autor, pode ser apenas deboche ou soar como provocação, acinte ou outra coisa que provoque inquietação. Estou apenas pensando na frase que eu falei que o mundo é dos ousados. Ou então a minha ironia aqui é que passa a ser uma ousadia. E de pensar que o meu maior atrevimento foi ter dado um livro meu de presente para o autor, coisa que nunca achei que fosse possível. E ele aceitou com muita educação. Para mim foi o máximo da ousadia!

domingo, 13 de junho de 2010

SONHEI QUE EU ERA UM DIA UM PLAGIADOR

Eu confesso que não sei fazer poesia. Não sei das regras todas e as poucas que aprendi, não me ensinaram como respeitar, do jeito que muitos poetas de verdade fazem sem comprometer em nada o prazer que causam a si mesmos e aos que os lêem. Mas renitente, faço versos assim mesmo. O azar, infelizmente fica com quem topar com a minha ousadia em alguma publicação que espalho por ai. No mais, tudo o quanto escrevo gosto que seja meu mesmo. Cito trechos de outros autores, sim, mas prezo muito o pensamento próprio, um zelo de originalidade. Às vezes surge na cabeça uma frase de efeito, um bordão, quase gíria e o que faço? Vou lá na busca, onde está o mundo. O google primeiro e o resto depois. O mundo, já reparou que está todinho quase na internet? Quer ser original? Escreva uma frase, crie uma palavra, faça um verso e submeta-o ao teste da busca. Se aparecer fora do seu contexto, é original. Pode publicar. Você terá ainda o benefício de aparecer toda primeira vez que alguém for fazer uma busca semelhante. Já experimentei isso quando fiz uma série sobre músicas com história. Criei a expressão “Aedo Cibernético” e pude ver que eu era o único sujeito no mundo virtual que a havia usado. Podem conferir, só vai dar eu. Que coisa fantástica! Só para mim, no entanto, sem merecimento de louro algum. Afinal, que bem eu fiz para a humanidade? Absolutamente nenhum. Mas me deu uma alegria danada. Ah, isso deu!

Há um bom tempo venho matutando com uma frase com a qual sonhei um dia. Me levantei no meio da noite e deixei anotado nos meus “papelim de bordo”. Me parecia tão familiar que ficou sob suspeita. Mesmo depois de consultar o google, yahoo, cadê, bing e outros menos votados eu acho que já vi em algum lugar. Pensei em fazer um poema, afinal é uma frase digna de andar no alforje de qualquer poeta. Eis a frase:

“Lamento que se apiede de mim em tristes notas de pé de página, mas não deseje que a minha vida se eternize em poesia.”

Agora começo a achar que foi uma autocomiseração. Não descobri, não fiz poema e ela ficou servindo para registrar alguma originalidade. Mas, por favor, se isso foi um lapso de meu subconsciente relapso e você já ouviu, leu ou é dono dela, pode dizer que eu retifico. Se não, eu registro.


sábado, 12 de junho de 2010

DESASSOSSEGO

“Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.” (Fernando Pessoa – Livro do Desassossego)



Ultimamente ando me encantando com pouca coisa que dê consistência ao meu modo de encantar. Não é desesperança, nem desilusão. É desassossego. A inquietação que me acompanha dia e noite, noite e dia vai gradativamente sendo substituída pelo desassossego. Me encanto atualmente com dois livros: A Genealogia da Moral, de Nietzsche e o LIVRO DO DESASSOSEGO de Fernando Pessoa. O do Nietzsche eu vou falar depois que terminar e o do Pessoa vou falar, creio que para sempre. Eu tenho o hábito de ler até três livros simultaneamente. Principalmente quando os assuntos são correlatos. No caso atual são desassossegos da alma, o espírito inquieto e as idiossincrasias humanas que estão nesses. Mas o do Pessoa eu acho que vou lê-lo pelo resto de minha vida, até o tanto de vezes que a senilidade me permitir. Ele lança luzes nos cantos obscuros do espírito em uns momentos e joga na escuridão convicções em outros. Se o autor estivesse vivo, provavelmente ia estar ainda mais desassossegado, com medo que sua obra máxima (humanamente falando) caísse nas prateleiras de auto ajuda pelas mãos gananciosas de editorialistas de vender palavras a qualquer custo. Mas ele cabe. Cabe no desassossego de qualquer escritor, de qualquer poeta, de qualquer pensador que viva naquele estado de imersão e emersão. Que não se contente com a superfície rasa do cotidiano das coisas dessa vida. Aqueles mergulhos que nos fazem pessimistas. Se bem que o pessimismo em doses moderadas funciona como um motor humano em busca de melhorar-se. Eu imagino ele pensando assim: daqui a alguns anos pode nascer um tal de José Cláudio no Brasil e o menino vai ser desassosegado quem nem eu. Não vai ser nunca um poeta do meu quilate, mas vai ter umas inquietações que se um dia esses escritos forem parar em suas mãos vão virar um livro de cabeceira até que a morte os separe. Acertou na mosca, mestre! O livro não é desses que se lê linearmente (Eu, falando sozinho: posso recomendar mas não posso querer direcionar a leitura de quem quer que seja. Sossega, rapaz!) Vou lendo-o por onde abro, pois tem questionamentos existenciais de toda a espécie que um cidadão procura, se equilibrando humanamente em idiossincrasias. De trás para frente e de frente para trás. Vai da espremida máxima do pensamento à distensão extrema. Vai da filosofia que permeia os pensamentos a emoções que vasculham a alma e deixam o coração ora palpitando loucamente, ora em batidas firmes e potencializadas pelas coincidências de gozos entre palavras. Pode aparecer algum outro, mas por enquanto é esse o livro da minha vida.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

ENTRE COPAS E BEIJOS

Das minhas lembranças e do meu gosto pela arte do futebol ou futebol arte como preferirem, elegi as seleções de 70 e 82 como as melhores que já tivemos na história das copas. Não é assunto para polêmica uma vez que eu mesmo não me disponho a render assunto sobre isso. É só um gosto pessoal e pronto. Assisto meu futebolzinho caladinho no meu cantinho. Já temos técnicos demais no meio das torcidas que a meu ver poderiam repetir aqueles momentos de catarse coletiva dos estádios para resolver outros problemas graves que a gente vive no dia-a-dia e não consegue juntar gente nem para protestar nem para escalar outro time de dirigentes nas nossas administrações. Na hora do voto, a torcida sempre acaba jogando contra si mesma.

Pois foi em 82 que o meu amigo Joaquim se enamorou da Mariza pra valer mesmo. Paixão pra casar. O namoro engrenado nas noites Itabiranas foi parar na casa dela, afinal filha de família tradicional tem logo que levar o moço para ser apresentado aos pais e namorar ali, bonitinho no sofá da sala. Bonitinho mesmo era na rua. Em casa era apenas certinho, conforme o desejo e principalmente as exigências de moral e bons costumes de Seu Chico e Dona Maria, de saudosas memórias. Joaquim sempre foi um apaixonado pelo futebol, e pela Mariza, claro! Naquela época, o Brasil inteiro achava que a gloriosa seleção de Telê Santana traria o caneco, que desde a Jules Rimet não dava o ar de sua graça e enfeite nas cristaleiras de troféus da CBF. O time era imbatível na opinião quase unânime dos brasileiros. Não podendo fazer muita coisa libidinosa no sofá da sala, o negócio era acompanhar as novelas e programas da televisão, sentados na companhia de Seu Chico e D. Maria. O futebol também era do gosto do sogro, que estava aprovando com muita alegria e esperança aquele namoro cheirando a casamento. Rapaz honesto, trabalhador, o “home da caneta”, segundo as definições de D. Maria por causa do seu preparo intelectual e sua função na empresa onde começara a trabalhar recentemente. Isso, no entanto, não dava a ele o direito de folgar na casa. Folgar na minha terra é quando o genro já pode chegar aos fins de semana de chinelos, bermuda, almoçar na cabeceira da mesa oposta ao do sogro, xingar o cachorro impertinente e outras regalias, só permitidas quando o casório já está marcado.

Era um jogo das semi finais, daqueles eletrizantes e decisivos. Ganhando que fosse, o Brasil disputaria a final tão almejada do mundial. D. Maria, com seus conhecimentos futebolísticos manifestava-se com desdém. Não gostava e a única coisa que entendia era que a bola entrando lá dentro da rede significava gol. Não ficava, entretanto sem a companhia do seu Chico. E também não se conformava em assistir calada. O jogo nervoso e ela enervando a platéia:

- Óia lá, Chico, esse bando de vagabundo, devia era caçar um serviço, trabaía, que nem o Joaquim aqui, ó. Fica tudo correndo aí à toa atrais da bola e nem gole eles faiz!

- Mio ocê calá a boca, Maria, deixa a gente vê o jogo!

Primo e Mariza namorando “mais à vontade” depois que eles cochilam e de repente D. Maria acorda e o chama para irem para a cama. Ele se levanta põe a mão no televisor:

- Mió desliga. O apareio tá quente.

Primo tinha que sair correndo pra casa a fim de assistir ao final da partida. E Mariza ficava furiosa tanto com ele quanto com o pai.

A tv já não era mais daquelas de válvulas que esquentavam e tinham que ser desligadas de vez em quando para esfriar, mas o namorado não precisava saber disso. Era hora de acabar com as pegação pros donos da casa irem dormir. Não podiam ficar a sós para não fazerem “bobice” antes do casório.



Uma homenagem aos meus amigos-irmãos Joaquim Primo e Mariza.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

OS SÁBIOS


Tive a grata satisfação de conviver mais com um vizinho. Apesar de isso estar se tornando cada vez mais raro, é sempre bom. Pude perceber que ele é um sábio. Eu considero sábios todos aqueles que ensinam a viver de alguma forma. Mas sou maniqueísta nesse aprendizado. Tudo o que aprendi com ele em três dias de convívio eu não quero para minha vida. Os seus ensinamentos começaram com a avareza. O muro do lado da minha casa estava dando uma umidade que passou para a sua garagem. Ele pediu para trocar o reboco e assim combinamos. Ele contratou um pedreiro mas não concordou em pagar-lhe um auxiliar a fim de economizar. Foi ele mesmo o ajudante. Fez massa de cimento nos velhos moldes da mistura com enxada. Colocava nos baldes e carregava no ombro até o local do reboco para o pedreiro. Acontece que ele tem apenas 78 anos. A coluna lhe fez gastar não sei quanto com médico e remédios. O que eu sei é o que ele me disse depois: uma semana sem conseguir sair da cama por causa das dores. Areia e cimento ele não permitia que sobrasse depois da “grande obra”. É muito gasto, então comprava no pequeno varejo, aos quilos, sacos e latas. Só que eu contei, ele foi nove vezes ao depósito de materiais. Mais um prejuízo à combalida coluna. Fora o gasto de combustível e a sujeira no carro pelo menos três vezes ao dia. Deve ter dado uma despesa e tanto nas lavagens. Se a coluna não tivesse atrapalhado, no entanto, acho que ele mesmo iria lavar pra economizar.

Eu não vou falar nada a respeito do carrinho de mão. Vocês podem achar que aí já seria uma implicância minha e que eu não aprendo nada. Foi só um pneu furado. Também o que é uma dor na coluna diante de 8 reais que custa uma câmara de ar nova, não é mesmo? Melhor deixar pra lá. Tem coisas que a gente aprende mas não precisa ficar  esnobe por causa disso.

 Ele ainda me ensinou que não devemos ter preconceitos. Numa de suas idas ao depósito chegou espumando de raiva porque o rapaz colocou areia a mais na embalagem impedindo de fechar o porta-malas de seu carro. Disse que o rapaz, sendo negro, não sabia fazer os serviços direito. Racismo os sábios nos ensinam que não devemos cultivar. O rapaz colocou areia a mais do que a medida sem cobrar. No dia anterior o outro rapaz havia colocado de menos. Mas era branco, portanto, ponto para ele.

Aprendi também que quem trabalha em um serviço tão pesado por oito horas diárias precisa se alimentar mais do que apenas almoçar. Um lanchinho e água fazem bem. Mas isso eu já sabia, afinal eu também trabalhei muito com serviços pesados. Ô fome que dá na gente! Providenciei isso para ele e o pedreiro.

Ah, eu ia me esquecendo, teve um dos dias que o agente de saúde da prefeitura veio verificar as áreas abertas da casa para orientar sobre os cuidados preventivos com a dengue. Tá feia a coisa aqui na região. Eu abri o portão para a inspeção e na saída do rapaz ele me disse:
- Uai, você deixa eles entrarem assim em sua casa? Na minha  eu nem abro o portão. Não resolvem nada!
Não basta a atuação dos poderes públicos na prevenção de doenças e epidemias. Temos que fazer a nossa parte. Nisso eu aprendi com ele que a ignorância atrapalha bastante. Só a sua esposa teve dengue na nossa rua. Pura coincidência.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

NEGÓCIO

Sendo negócio na etimologia a “negação do ócio”, o homem negocia é para ganhar dinheiro e ficar à toa. Para que negar então o ócio, se trabalhar não é sinônimo de ganhar dinheiro? Me parece que quanto mais se trabalha nesse mundo, menos dinheiro se ganha. Já tem até quem dissesse que o tempo gasto com trabalho é inversamente proporcional ao tempo para pensar em como ganhar dinheiro sem trabalhar. Isso sim, pode ser um grande lance. Tenho uma implicância não é com a palavra negócio, mas todos os atos de subtração que derivam dele. Inclusive transformar em oportunidade de negócio, uma satisfação que é o trabalho. Vai dizer que quem inventou o negócio é gente que gosta de trabalho construtivo, aquele que erige alguma coisa além de pilhas de barras de ouro ou de dinheiro? Hoje em dia tudo é um negócio. Viver só não é um grande negócio porque não se pode generalizar. Fala para um morador de rua, um faminto, por exemplo, que viver é um grande negócio...



Eu peguei a etimologia para explicar minha necessidade de saber também a origem das coisas que estão por trás das palavras. Lá no início da civilização, quando o homem se fixou em algum lugar da terra plantando, caçando e gerando sua prole alegre e tranqüilo, teve alguém que começou a produzir além daquilo de que necessitava e começou a oferecer em troca com um outro que tinha também produzido algum excedente. Isso foi gerando um acúmulo de bens e despertou a ambição de um terceiro. O terceiro, vivia no ócio mas pensava numa forma de ganhar alguma coisa, portanto tinha tempo de sobra para elaborar táticas e estratégias. O primeiro então precisou de se assegurar que não iria ser pilhado nem morto para ser roubado (foi quando do apareceu o latrocínio?). Aí ofereceu uma parte de seus bens como pagamento a um quarto para lhe fornecer segurança pessoal. Estavam criando os impérios. Esse quarto, que não queria encarar nenhum agressor no braço transformou sua ferramenta de corte de carne em arma branca, a famosa faca. Estavam criadas as armas de defesa pessoal. Daí para o revólver, só faltava o Marco Pólo espalhar pelo mundo a pólvora que os chineses tinham inventado. Nasceu então, o negócio das armas (a princípio clandestino e depois incorporado aos exércitos dos reis) Com a clandestinidade, nasce a fiscalização e com ela, a corrupção. De lá para cá a única coisa que fizeram foi modernizar o sistema e dar monopólio ao estado criado para proteger os que ganham muito. E a gente numa democracia escolhe quem vai ser o gestor de tudo. Negócio é isso?

terça-feira, 8 de junho de 2010

A CONFERÊNCIA DO ACABA MUNDO


E eis que depois de Kyoto, Rio e Compenhagen, o mundo não chegou a um acordo quanto às mudanças climáticas. Também não chegou a acordo nenhum depois de Davos, entre os países e homens mais ricos do mundo. E o fórum social mundial reunia separada a turma que não concordava com as deliberações daqueles foros. Então foi marcada uma conferência já que o mundo estava na iminência de acabar de verdade. Derretimento de geleiras, um calorão danado em alguns lugares, frios cortantes em outros, inundações em todo o globo terrestre e o mar mandava avisar na Califórnia e algumas partes do Mediterrâneo que ia invadir as praias nos calçadões, monumentos e tudo o mais que encontrasse pela sua frente, inclusive os quiosques da cervejinha e água de côco. O mar quando não tá pra peixe, segura-lo, não é moleza não!

Estavam lá banqueiros de toda sorte e moedas, industriais das petroquímicas, de fertilizantes e agrotóxicos e todos os mais significativos representantes do lado poluidor, além dos donos dos maiores meios de comunicação do mundo. Os diálogos foram travados:
- Bota a culpa no povo. Porcaria tem limite. Temos que educar essa gente.
- Não tem problema, já inventamos um produto, o “spray general clean”.
Chiadeira dos americanos:
- Com esse nome, o pessoal do fórum social vai dizer que a culpa de tudo  seria nossa! Isso é nome de produto americano. Então, um outro propôs um nome latino, que aí não teria problema. O povo acredita.
- Tranqüilizem-se senhores, a gente ainda vai lucrar muito com isso. Agora, é preciso que imprensa faça a sua parte em campanhas nos seus jornais, programas, e principalmente massacrem de propaganda que estimulem o sentimento de culpa e que vendam a redenção. É infalível. No fim, vão continuar acreditando que a responsabilidade é  deles mesmos.

Um representante parecendo lúcido protestou:
- Mas quem polui mais, a ponto de causar o tão falado efeito estufa, reduzir a camada de ozônio são os grandes.
- Ora, de onde é mesmo esse homem? Protestaram quase todos em uníssono.
- No mínimo é comunista ou de algum país pobre que conseguiu entrar aqui sem autorização. Era um especialista contratado por eles mesmos.

Era preciso achar uma saída para depois que a porta de saída do evento de abrisse. A imprensa mundial estava ávida, lá fora, esperando para dar novidades em tempo real - não climático - para a população. Aquela tradicional briga de repórteres se acotovelando para garantir um furo, uma entrevista exclusiva, uma informação bombástica, algo impactante tanto quanto a questão discutida com tanta “seriedade e resolução”. Protocolos e cartas de intenção não colam mais. Lá dentro, os donos das redes de comunicação combinaram com os presentes para cada um falar uma posição diferente, quer dizer, uns contra , outros a favor das medidas discutidas. Até as polêmicas serem entendidas pelo mundo já ia estar próxima a data da outra reunião dos líderes mundiais para discutirem novamente o assunto. E o mundo não deverá acabar antes disso.

P.S: O fato de esta crônica não ter sido publicada no dia mundial do meio ambiente não quer dizer que o cronista empurrou com a barriga a discussão do problema, como é feito com a questão ambiental.
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