“...Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora.
Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio.
Me atirar lá do alto na certeza de que alguém segurava minhas mãos,
Não me deixando cair.
Era lindo, mas eu morria de medo.
Tinha medo de tudo quase, cinema, parque de diversões, circos, ciganos,
Aquela gente encantada que chegava e seguia.
Era disso que eu tinha medo, do que não ficava para sempre.”
(Antonio Bivar, trecho de "Era uma vez", Na voz de Maria Bethânia)
Assisti, numa mistura de sentimentos que classifiquei de pudor sociológico, crise existencial e encantamento, tudo ao mesmo tempo e nessa mesma ordem, ao Cirque Du Soleil. Não admitia ter que pagar tanto dinheiro para um espetáculo, mas ao mesmo tempo não podia me furtar a realizar um sonho da minha filha Clara, que abriu mão do aniversário e do Natal para receber a ida ao circo como presente. Poderia ter sido outro qualquer, mas, convenhamos, é o circo. O deslumbramento dela perante a imensidão das tendas, as luzes coloridas e dos malabarismos, contorcionismos trapezismos e outros tantos e maravilhantes ismos, me levaram de volta – enriquecido - a uma lembrança. A crise que tive foi fruto das recordações dos circos de minha infância. Mas foi só até a hora do início do show e evaporou toda a bobagem sentimental, menos o encantamento. O fascínio que o circo exerce sobre as pessoas é ainda inexplicável e também dispensado de comentário; o prazer basta. Creio que uma das maiores diversões que já foram permitidas às crianças do interior era o circo. Às vezes passavam-se dois ou três anos sem aparecer algum na cidade e no momento em que tinha espetáculo, a gente era capaz de qualquer sacrifício, qualquer aventura, qualquer pequena contravenção que nos garantisse uma entrada. Vender picolé, engraxar sapatos na rodoviária, vender chup-chup, mangas do quintal (que normalmente eram dadas de graça), etc. Quando eram vistos os caminhões desembarcando aquele monte de ferros e lonas, os trailers de morada e camarim dos artistas, as jaulas dos bichos e uma Kombi ou fusquinha com som de megafone circulando as ruas anunciando sua presença, sabíamos que em no máximo uma semana teríamos o brilho dos olhos intensificado até as lagrimas de emoção. “Hoje tem marmelada, hoje em goiabada, o e palhaço, o que é...”. Ia ter espetáculo, sim senhor.
Transformávamos-nos em santinhos do pau oco para que as mães não usassem qualquer impedimento como castigo contra falta de modos e comportamento adequado. A minha mãe se valia muito desse tipo de punição quando queria ensinar o valor que tínhamos que dar às coisas. Qualquer desobediência, atrevimento ou deslize nos afazeres e responsabilidades, o castigo era ser proibido de fazer aquilo que mais se gostava ou que mais era esperado. Então andávamos pisando em ovos nessas ocasiões para não termos melindres nem frustrações. Na época dos estudos primários, lembro que meu irmão mais velho aguardou durante um mês inteiro, mas com uma ansiedade de um século para assistir a um jogo de futebol entre o Cruzeiro da capital contra o Valério, o time local e, na semana anterior ao jogo, veio o seu boletim escolar onde havia entre tantos noves e dez, uma nota oito, o que foi motivo da proibição dele ir ao estádio ver o clássico jogo . Chorou durante toda a semana seguinte.
Escapando-se desses fantasmas, o esquema era batalhar para poder entrar no maior número de apresentações e dias que fosse possível. Minha turma mesmo tinha até manobra ensaiada, que consistia em armar o golpe da distração. Enquanto alguém mais atirado entretinha o porteiro com conversa ou encenação, o resto entrava por baixo da lona, quando não havia dinheiro para os ingressos. Esse sacrificado era depois compensado em outra sessão com a repetição do golpe e a troca do ilusionista de porteiro. Lá em Itabira vira e mexe, apareciam circos e ciganos e freqüentava a cidade, repetidas vezes um Circo de nome
Lá dentro, o palhaço, o trapézio, o domador, o globo da morte, o engolidor de fogo, o medo, o riso, a glória para todas as idades.
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