quinta-feira, 6 de março de 2008

NO CONSULTÓRIO

Eu retornei com minha mulher ao médico que me operou de duas hérnias para fazer uma revisão programada nas partes que ele consertou, mas, dessa vez, não no bloco cirúrgico. Foi no seu consultório, no 12º piso do prédio e explico depois por que citei o andar . A clínica ocupa todo o pavimento e as especialidades são todas relacionadas à cirurgia, especialmente das vísceras. A mais concorrida delas é a recente novidade da medicina de fazer a redução de estômago. Há um grande corredor com cadeiras, anexo a uma sala de espera um pouco maior e estava completamente lotada. Os médicos atrasados, essas coisas corriqueiras dos consultórios, que revelam o ser humano nas suas mais íntimas idiossincrasias, fragilidades e curiosidade impagável.

Já na subida, conhecemos um casal que também retornava de um pós-operatório, cuja mulher havia retirado a vesícula. A conversa foi se espichando para a sala de espera, estendida mais ainda com a intervenção de outras pacientes recém operadas, a maioria delas, do estômago. Depois de todas relatarem brevemente o seu caso, o assunto me prendeu a atenção pela forma como as pessoas estão tratando dos seus corpos, vendo a intervenção cirúrgica como única forma de se livrar dos incômodos quilinhos a mais. Foi unanimidade o argumento de que é impossível deixar de comer e imprescindível manter a silhueta. Até mesmo para quem não necessitava, como foi o caso de uma senhora, ao afirmar (absurdamente, avaliei eu) ter engordado vinte quilos a fim de fazer a cirurgia. Puxando-lhe a língua, já que não agüentei de curiosidade, descobri, que, ela, na verdade, queria era fazer uma plástica na barriga e nos seios e tinha receio de engordar depois de tanto gasto com a estética. A senhora que citei ter conhecido na chegada, falando sobre o tormento de uma cirurgia, ponderou que todo o sofrimento e as dores são menores que o desespero de não encontrar em nenhuma loja uma roupa para se usar. Ela estava aguardando sarar o corte da vesícula para depois abrir outro no estômago. Uma terceira, senhora, disse que estava fazendo a preparação para se operar apenas para ser solidária ao filho de 20 anos, que já havia sido submetido à incisão na esperança de perder um pouco de seus 146 quilos. Coisas de mãe, imagino. Duas delas reclamaram não suportar tomar água no período de recuperação, mas que refrigerante, doce e outras perigosas delícias não lhes causavam incômodo algum, demonstrando como a vaidade está acima de qualquer preocupação com o bem estar físico e emocional.

Pelo que sei, a intenção do médico que criou esse procedimento, era aliviar o sofrimento das pessoas portadoras de obesidade mórbida, aquela, com origens e desenvolvimento fora do controle humano. O que não era o caso de nenhuma das pessoas lá presentes. Todas gordinhas sim, mas não a ponto de trocarem um sacrificiozinho alimentar e ginástico por uma agressão tamanha ao o corpo.

Agora explico o andar que citei. Ao sairmos da consulta, o elevador parou no 9º andar e entrou uma moça. Estávamos eu e minha mulher fazendo comentários sobre o ocorrido e creio que despertamos a curiosidade dela. Ao chegarmos ao térreo, a mesma não se conteve e nos disse: - Olha, eu trabalho aqui no prédio e, quando a gente vê no elevador alguma pessoa mais gorda e indecisa quanto ao andar, já vamos logo apertando o botão do 12º para ela.

PS: Ao Dr. Ney Franco Júnior, obrigado pelo auxílio luxuoso do bisturi.

0 comentários:

Web Statistics