terça-feira, 18 de março de 2008

FRUTEIRA

É roupa, consuma; eletroeletrônico, consuma; é escola; consuma; saúde compre; calçado, beleza, limpeza, cama, mesa, comida, brinquedo, carro, móveis, bebida, etc., compre, compre, compre. Enquanto o dinheiro der, ou o crediário permitir. Como todas as coisas que rodeiam nosso cotidiano viram objeto de massificação se alguém vislumbrar a possibilidade de tornar algum produto consumível, vivemos verdadeiramente atormentados por anúncios a toda hora e em qualquer lugar, com promessas de felicidade total. Aliás, da forma que nos são mostrados os produtos, só é possível alguma felicidade se ela for adquirida. À vista, no cartão ou no cheque. Todos os dias, mesmo que não nos façam a menor falta ou não alterem em nada a nossa vida, a ordem é comprar, ter.

Eu com essa minha mania de procurar um lado bom em tudo que vejo ou ouço, nem que seja uma beiradinha só, nem que seja para me aliviar do enfado dessa vitrine de futilidades que está virando a nossa existência, sempre acho um viés bom nas coisas. Fico que nem coruja e o que tem mais me prendido a atenção nos reclames de consumo é com relação à alimentação. Já está todo mundo ficando desesperado perante as novas doenças, a obesidade, e os produtos e serviços para maquiarem as imperfeições físicas causadas pelos entupimentos do excesso de ingestão alimentar ganham cada dia mais espaço e, para não perder o costume, vendem-nos mil promessas de redenção, com academias, remédios emagrecedores, géis, tônicos, ligths, diets e outros venenos.

Não sou exemplo elevado dos melhores e mais saudáveis hábitos à mesa, mas confesso que tenho me esforçado significativamente para retomar antigos costumes, próprios da condição humana: consumir o que de melhor a natureza ainda nos oferece em busca de uma saúde que me tem sido tão cara por causa de desvios e abusos que cometi goela abaixo nos últimos tempos. Também não pretendo me tornar um chato comensal, já que não aboli os pecados da gula e tampouco quero perder a companhia de quem não está nem aí para essas coisas. Só busco algum equilíbrio na hora em que penso o que já passaram meu estômago, fígado, rins, coração e outros órgãos coadjuvantes na minha caminhada de sobrevivente. Simples, passei a consumir regularmente, junto com as demais guloseimas, muitas frutas, legumes, verduras e alimentos mais naturais a ponto de suplantarem em número o de comidas mais contaminantes. Porque em qualidade as naturais dispensam loas. Esse é o meu ponto de equilíbrio. Que cada um procure o seu, se assim o desejar. Não será por isso que vamos deixar de sempre nos sentar à mesma mesa. E devo dizer que me sinto melhor, se serve de estímulo. Posso até adoecer ou subitamente ter uma morte estando saudável, mas, que me sinto melhor, sinto. Todos os dias. Nem vou esmiuçar outras atitudes que tenho tomado, como fazer uma atividade física leve e regular, tomar muita água, suco e menos refrigerante, comer um pedaço de chocolate sempre, banana, mamão, limão, fibras, usado temperos caseiros nas comidas que faço (é, eu gosto de cozinhar), para não acharem que estou querendo vender alguma coisa. Mas, se por acaso quiserem me agradecer por alguma coisa aproveitável nesse falatório aqui, podem marcar para a festa do meu centenário: 02/09/2062.

Na minha casa, a decoração da cozinha ganhou até movimento semanal. A fruteira está sempre renovada de cores e sabores por causa do consumo diário. E sem mais rodeios eu digo o motivo: O homem antes plantava seu pomar, comia a fruta ali mesmo no pé e jogava a cascas e as sementes no chão que era para readubar e brotar mais. Depois, o tempo foi se escasseando e foi inventada a fruteira. Ficava mais fácil ainda ter as frutas ali na mesa. Agora que o tempo nada mais é que uma chance de ganhar urgente algum dinheiro, elas foram industrializadas e enlatadas ou engarrafadas. Em muitas casas alguma coisa da tradição ainda se mantém. Não se come mais frutas, mas elas estão lá na fruteira. Tudo de plástico, que nem vaso de planta.

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