terça-feira, 12 de abril de 2011

DOUTORES

Esta não é uma história de sucesso daquelas muito usadas no marketing da vida de campeonato a que estamos todos mais ou menos sujeitos. Mas o fato é que a minha amiga de longas datas, a Eliete, criou o seu filho mais velho com uma renda razoável, auferida das vendas de calcinhas, soutiens e cosméticos de porta em porta.

Ela deixou um emprego como técnica de nível médio em uma grande empresa e aventurou-se na cidade grande, pois queria prosseguir seus estudos em busca de uma história de sucesso por meio de títulos de graduações acadêmicas. Virou engenheira, depois mestra e atualmente é uma respeitável doutora cuja tese foi defendida em uma universidade portuguesa que a convidou e lhe forneceu uma bolsa de estudos para o doutoramento.

Antes disso, aumentava a renda de suas vendas com aulas em colégios particulares. Uma aventura estafante mas com um final que se esperava compensador. Afinal, todo quase mundo pensa em fazer uma graduação e se dar bem no mercado de trabalho. Ela, com a experiência das salas de aula e duas pós-graduações não tinha a menor dúvida.

Pois não é que ela me disse que está pensando seriamente em voltar a vender calcinhas, soutiens e cosméticos de porta em porta? O pessoal da academia está horrorizado com a ideia dela. O pessoal que eu estou dizendo é uma meia dúzia de gente que conseguiu se firmar com um salário “alto”, daqueles que um jogador famoso disse outro dia que gasta só em produtos para seu cachorro todo mês. A sua indignação cresceu ainda mais porque foi convidada para apresentar um trabalho científico num congresso no México e ela simplesmente não tem recursos para bancar a viagem. Também tem propostas para voltar para a Europa (Portugal e Espanha) mas não quer sair do Brasil. Agora com mais uma filha ainda pequena, queria que sua história de sucesso se desse por aqui mesmo.

Eu fico pensando em quantos doutores (de verdade) não temos em condições semelhantes por ai. Há dias, voltando do centro da cidade numa chuva torrencial eu peguei um táxi cujo dono é um doutor em física e me disse que os cerca de seis mil que ganha com táxi são mais do que todas as propostas de trabalho que teve como professor. Meu colega de exercícios na fisioterapia me contou que definitivamente cansou de ser doutor, que passou praticamente toda a sua juventude dedicada aos estudos, cansou de ter que ficar esperando o dia em que Brasil vai valorizar seus pesquisadores e  abriu uma loja de artigos femininos. Ele brincava, dizendo que, afora o futebol e a música, há três coisas que são garantia de ganhar dinheiro nessa pátria amada, sem precisar estudar muito nem se preocupar com possíveis crises: investir em artigos para as crianças, para as mulheres e alimentação. Naquele momento passava um carro na rua com uma música estridente sem sequer uma letra compreensível, pelo menos. Imaginei que o dono devia ser um feliz protagonista de uma história de sucesso sem precisar ser educado. Nisso eu me lembrei de uma antiga música do saudoso Zé Rodrix  que começava assim: “quando será o dia da minha sorte? Sei que antes da minha morte, eu sei que esse dia chegará.” (Sai de lá cantando).

30 comentários:

Carlos disse...

Olá lindo seu blog, adorei as postagens ! Maravilhoso !
Vou segui-lo !
Me faça uma visitinha também, e venha conhecer meu trabalho,e deixe sua opinião.
Se gostar do meu trabalho e quiser me ajudar fazendo uma postagem com algum brinco irei adorar.
Um Grande Abraço !
Carlos J Oliver, designer de Jóias
http://evolutionjoias.blogspot.com

Beth/Lilás disse...

Caramba, Cacá, isso é coisa muito comum de se ver por aqui no Rio, principalmente entre motoristas de táxi com diplomas e às vezes mais de uma graduação.
E agente tem que dar nó em pingo dágua pra incentivar um filho a estudar, se formar. O meu, por exemplo, adora e faz música, eletrônica. Vive sendo convidado para tocar ali e aqui, neste final de semana foi com tudo pago para Maringá no Paraná, tocar num evento e voltou com dinheiro na conta, não é muito mas, considerando tocar por algumas horas num hotel e embolsar bem mais do que um salário mínimo deixa qualquer jovem meio tentado a largar tudo e fazer só isso. Entretanto, não o deixamos mudar de rumo e leva a Engenharia a passos de tartaruga, mas está fazendo, só não sei se no futuro esta será realmente sua profissão.
As coisas estão complicadas neste país para quem estuda muito, esta é a nossa realidade.
abs carioca

Helena Frenzel disse...

Arrisco dizer que conheço MUITO BEM essa situação. Maravilha de post, Cacá! Por essas e outras é difícil crer verdadeiramente num bom futuro para o Brasil. O sujeito estuda tanto, trabalha tanto e não consegue ter retorno (no mínimo) material, muito menos reconhecimento. Essa falta de dignidade e valor do esforço e competência do ser humano é que maltrata! Um abraço :-)

chica disse...

Estamos no BRASIL e isso está cheio....

Ela não é a única que teve seus diplomas quase espisoteados...

Uma vergonha! Há trambiqueiros enchendo os bolsos e quem estudou, ralou fica assim...Explicação???


abração,chica

Casal 20 disse...

Cacá, posso ser criticado, mas... acho que faculdade, universidade, ensino superior, não deveria ser para todo mundo. Claro, se o cara quer, então ele é livre para fazer. Todavia, há uma fixação com faculdade no Brasil e que, na verdade, passa longe do "saber", mas muito perto do "conseguir canudo".

Porque faculdade virou sinônimo de ascensão social. Creio que é o motivo errado. Mas as coisas foram sendo construidas assim, por isso "todo mundo" faz mestrado e doutorado. Bem, com tanto canudo, com tanto mestre e doutor especializado "no ponto e vírgula da poesia de Castro Alves" é claro que o valor de mercado de todos cai.

Gostei muito do que a Beth/Lilás disse do filho dela. Veja, o menino gosta de música, compõe música eletrônica, está ganhando a grana dele e está super feliz, para que enfiar esse pobre coitado 4, 5 anos numa sala de aula que pouco, pouquíssimo vai oferecer a ele.

Eu acredito, Cacá, que os caminhos para a realização pessoal e profissional não poderiam ser só essas opções que a sociedade tem nos vendido.

Bem, como você viu, eu gostei muito do seu post!

Abraços sempre afetuosos.

Celina disse...

Oi Cacá, Paz para todos, compriendesse direitinho a minha história foi assim mesmo. sobre os taxista os do condominio que moro, todos tem cultura, quando um banco da terra serrou as portas, muitos com a idenisação que receberam compraram taxis e estão ganhando mais do que ganhavam no banco e olha que tem um ex gerente,tem outro que é psícologo, são quase todoe com cultura, temos sempre um bom papo duranto o trajeto, a desvantagem é que no sábado e domingo eles estão nas suas casas de campo a maioria em gravatá cidade serrana pertinho de Recife, bem amigão já comprei o seu livro, estou esperando chegar.um abraço tudo de bom para vc e familia Celina.

Néia Lambert disse...

Bom dia Cacá, esta é uma dura realidade que, no Brasil, temos vivido já há alguns anos, infelizmente! pergunto-me se realmente vale a pena tanto sacrifício e ao final de tanto esforço ter que deixar todos os canudos de lado e partir para a sobrevivência?
Quisera que tudo fosse diferente!

Um abraço

Yasmine Lemos disse...

Fa zmuito tempo que diploma não é sinônimo de independencia financeira, a não ser aqueles que ja nascem com o escritório de advocacia pronto (do pai) ou um consultório tb prontinho(da ou do pai)
enfim, eu fico com uma frase que me consola bastante que papai costuma dizer quando deparava-se com algumas "excelências" " quanto maior o anel,mais burro o doutor" e assim um monte de gente boa sem oportunidades e uma gota de gente com oportunidade e um anel gigatesco no dedo .
abraços Cacá

Anônimo disse...

Quem são os descobridores do segredo da simplicidade? Creio serem poucos. Estou certa de que as faculdades e suas extensões não dão conta (ou pelo menos são insuficientes)da descoberta do segredo. Abraços!

Anônimo disse...

São tantas as histórias, amigo, que dá pra pensar em desistir... Mas o primordial, creio, é fazer aquilo que se gosta.

Bjs!!

Kunti/Elza Ghetti Zerbatto disse...

Bom dia Cacá!
É a realidade nua e crua infelizmente.
Estudar e graduar-se tornou um artigo de luxo e dispensável, perante a necessidade de manter-se financeiramente falando.
bom demais!
abraços

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Bom dia, querido amigo Cacá.

Realmente, a qualificação de uma pessoa hoje em dia, não é garantia de um salário justo.

Com todo o respeito pela doutora, acho que ela quis fazer muita coisa ao mesmo tempo. Aí complicou seu projeto principal.
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Meu filho, desde os três anos de idade, disse que queria ser cientista. Ele é biólogo e faz doutorado na UFMG.

Toda vez que eu dizia para ele batalhar um bom emprego, para poder estudar sem muito sacrifício, ele me dizia que quando escolheu esse caminho, não foi pensando em dinheiro.

Pelo fato dele ser simples e não ser consumista, tudo caminha bem.
A bolsa da UFMG dá tranquilamente.

Ele leciona lá mesmo, e o salário de professor é pouco. Num dia, ao questionar sobre isso, eu o fiz lembrar de sua própria escolha, que não foi baseada no mercado financeiro.

No caso dele, "pesquisas" aqui no Brasil, não têm apoio, mesmo!

Contei-lhe que, no passado, as professoras do primário ficavam mais de um ano sem ver a cor do dinheiro.

Um grande abraço.
Tenha uma linda semana de paz.

Anônimo disse...

Olá José Claúdio, obrigada pela visita.
Realmente Mercúrio está fogo, rsrs, meu telefone fixo não pega há 15 dias. A Embratel diz que eles estão com problema. Abraço Cynthia.

Voando com Borboletas disse...

Oi Cacá...
Vim conhecer seu espaço e te convidar para conhecer o meu, será um prazer receber sua visita.
Bjs
Borboleta
voandocomborbolletas.blogspot.com

Norma de Souza Lopes disse...

Parece-se comigo. As tantas pós-graduações ainda não me garantiram o retorno financeiro garantido.
PS: E quanto à contação, essa tem sido outras de minhas brincadeiras.
E todo dia!!!
Não é fantástico?
Abraços.

Toninho disse...

Pois é Zé, isto nos remete a historia do engenheiro que virou suco.Triste o país que não respeita seus profissionais,assim como aqui. É melhor rebolar,cantar axé, ou jogar futebol neste país da inversão de valores. As vezes ouço alguns jovens se matando para tentar na universidade e fico a pensar, o que será dele depois de tanto esforço e gasto para ser alijiado do processo seletivo.Talvez seja melhor mesmo ficar cantando com o Rodrix. Bela cronica amigo.Um abração de toda paz.

Zélia Guardiano disse...

Maravilha de texto, meu querido Cacá!
É isso mesmo...
Fico triste, triste, com essa inversão de valores.
Não que não existam profissionais que merecem seus rendimentos razoáveis, a despeito de não terem formação superior.
O problema é o que o país faz com aqueles que são afeitos aos livros, aos estudos, às pesquisas.
É lamentável!
Af!!!
É sempre muito bom vir aqui, meu amigo!
Bom demais!
Grande abraço, amigo.

Rosane Marega disse...

Lindo seu blog Caca!
Textos maravilhosos!
Parabéns!!!
14/04 esta chegando e confesso estar anciosa por ler a sua entrevista la no ARENA ,acredito eu, que teremos respostas super inteligentes.
Não perderei por nada.
Beijos meu querido.

Hope* disse...

Éééé, infelizmente isso é bastante comum...Hoje em dia além do diploma e preciso um Peixe muito bom no currículum, para se chegar em algum lugar que te ofereça a real oportunidade para crescer.
Abç Cacá!

Camila Lima disse...

Oi Cacá, interessante seu texto! E a realidade é essa mesma, muitos estudam bastante, se especializam, mas o mercado não comporta esses profissionais, ou os profissionais não se contentam com o que é oferecido, e aí buscam outras alternativas. Adorei, abraço!

Anônimo disse...

Oi Cacá,
É meu amigo, o Brasil é o país dos doutores. Contudo, longe está o tempo em que doutorar-se era passaporte para ganhar dinheiro e viver confortavelmente. Hoje em dia é preciso bem mais do que graus acadêmicos. Muito mais. Inobstante, existem duas coisas essenciais que os doutores devem ter, além do profundo conhecimento acadêmico e da prática comprovada: é preciso sorte e QI*. Sem esses dois componentes, penso eu, é malhar em ferro frio! Não sei não, se hoje em dia vale a pena doutorar-se... (não me refiro à graduação, que acho válida em qualquer circunstância...falo de doutorado) gastar tanto, sacrificar tanto a juventude, a família, etc. Tenho cá minhas dúvidas. Vivemos em outros tempos, com outras necessidades. E acho até que estamos diante de uma questão de custo-benefício. Tem que avaliar.
Bjsssss

* QI - quem indica, (o antigo "pistolão", do século passado). hehe.

Berzé disse...

Oi Cacá,
Meu primeiro emprego foi vendendo cotas de clube, em 1966(tinha 16 anos).
Não vendi uma!
Tive de virar desenhista.
Abração!
Berzé

Tati disse...

Oi Cacá, eu faço parte deste time. E ainda estou só no mestrado, mas já na dúvida se este caminho que escolhi é mesmo a melhor opção. Há dignidade na escolha pela docência neste país? Um país em que jogador de futebol ganha medalha da ABL? Ah, não se fala sério por aqui, não é?
Eu estou me dividindo, neste momento, entre a docência (que amo) e uma vida de vendas de produtos femininos, junto com uma amiga. Dá para acreditar? Me enxerguei perfeitamente no texto que escreveu. E estou curtindo muito o momento vendedora. Vejo mais luz no fim do túnel aqui, por que a docência, por mais querida que seja. é um momento, algo sem grandes perspectivas. Sempre funções pontuais e me exige muito mais dedicação. Triste!!!
Beijos.

Miriam de Sales disse...

Cacá,vc retratou magistralmente e em poucas palavras a história deste país.Eu mesma,formada em Filosofia pela UFBA,consegui sustentar meus "inchadinhos" graças às minhas vendas de livro porta - a - porta até conseguir abrir minha primeira loja.Divorciada e c/ 6 filhos,ganhava muito mais com o comerciante.
Meu neto insiste: cone a estória da sua vida! Um dia,farei isto.
Um abração,querido amigo.

JoeFather disse...

Os valores há muito invertidos tendem a dar nesses resultados citados pelo amigo. E aqueles que ficam em suas áreas acadêmicas o fazem mais por amor do que por remuneração!

E assim (des)caminha a humanidade!

Abraços renovados!

Cronicando disse...

Adorei o texto, Cacá. Tem um "Q" de aconchego impecável. É por isto que penso que devemos nos especializar em família.
Abraços!
Kenny Rosa (http://cronicandocomvoce.blogspot.com)

Maria Emilia Xavier disse...

Li sua crônica e fui lembrando da minha história, que começou no quintal lá de casa - dando aula para as bonecas, passou pela Escola Normal, foi à Universidade, continuou em duas Pós graduações e chegando a hoje: dois empregos e graças à DEUS - diferente dos casos apresentados por você - com uma GORDA MESADA PATROCINADA PELOS MEUS IRMÂOS. Assim é a vida dos que escolheram e escolhem dar a luz do conhecimento ao mundo. Só cantando como você...
Como sempre você foi magistral. Parabéns!

Dja disse...

Olá Caca

Dura realidade.

Vim lá do Arena onde vc foi entrevistado pelo nosso querido Marcio, adorei lá suas respostas e seu blog é muito bom mesmo, voltarei outras vezes.

beijos e Parabéns.

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