terça-feira, 19 de abril de 2011

DIA DO ÍNDIO

 “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio.”
(UM ÍNDIO – Caetano Veloso)
Jornal Hoje em Dia

Vejam como a história é uma criação dos “vencedores” em muitos casos. O índio é hoje quando não um coitadinho, um vilão. Quase todo mundo abomina ver um indígena de calça jeans, dirigindo uma caminhonete. Eles não teriam esse direito. Por outro lado também não aceitam que sua terra seja demarcada em tamanho GG, como aceitam o latifúndio improdutivo que, em muitos casos está nas terras que lhes pertenceram e foram griladas.

Voltando lá na época da colonização: os indígenas brasileiros não resistiram tão bravamente ao processo de aculturação e não se adaptaram completamente à escravização. Além disso, na visão do europeu, não eram considerados como gente. O negro serviu aos anseios de produção escravista, não sem resistência, mas a trancos e barrancos.   Puderam conviver com o mundo branco e europeizado, acessaram a leitura e ao “mundo civilizado”. Mesmo com todo o preconceito que ainda impera, pouco a pouco seu lugar vai sendo conquistado. Já o índio ainda hoje é uma espécie de anomalia, um ente a ser tutelado permanentemente pelo estado em suas reservas e é alijado completamente do mundo branco.

Um exemplo da visão que permanece: há poucos dias um pedreiro oriundo de Maxacalis (a cidade) trabalhou em minha casa e falava sobre os remanescentes que vivem em sua cidade. Diz que eles são “mansos”, não gostam de trabalhar, gostam “até de ter carro”, não se sujeitam às regras da sociedade. Olhando-o bem, vi que seus traços físicos inegavelmente são indígenas. É de descendência direta, mas ele nega até a morte a genealogia. É um caso típico da ignorância que incorporou esta visão anômala.
Jornal Hoje em Dia

Mais um: alguns índios Pataxós foram barrados na feirinha de artesanato no centro de BH por causa de seus produtos. Eles queriam uma reserva de uma faixa de um  passeio público. A mesma que queriam dividir com gente vendendo produtos importados e industrializados. A mesma feira que está repleta de produtos paraguaios e chineses sem nenhum estardalhaço da fiscalização da prefeitura. Será que os índios ainda não aprenderam o que é propina no seu processo de aculturação?

Os dias  comemorativos quando não são uma sutileza do mercado para alavancar vendas de produtos específicos são uma hipocrisia da história do desmerecimento. Mas o que é o dia do índio senão uma alegoria mental hoje na sociedade pós-moderníssima? Uma aula de artes para as crianças nos primeiros anos escolares serem lembradas que esses seres estão ainda resistindo insistentemente em continuar a viver no meio da gloriosa civilização, desde que seja nas suas reservas e muito a contragosto do sistema capitalista apropriador? Aquele mesmo defensor do sagrado direito da propriedade privada? Mas por quais meios se adquire a propriedade? Uma ironia e uma hipocrisia histórica para justificar a aventura humana da conquista? Ou uma rapina mal contada pela história?

16 comentários:

HEITOR HERCULANO disse...

Em termos, mais ou menos o que ocorre com os aborígenes australianos, cuja cultura também é objeto de insossas homenagens nas escolas primárias, tapando a White Australia os ouvidos para os clamores das terríveis lembranças de tanta torpeza e crueldade praticada contra os primitivos habitantes deste país-continente, não apenas pelos colonizadores britânicos mas também por governantes australianos durante os primeiros anos da fundação do país.

Beth/Lilás disse...

Bem lembrado, amigo!
Dia do Índio, parece até que neste país se respeita as minorias!
Coitados, estão se acabando cada vez mais, principalmente na questão cultural que, como você bem exemplificou com o caso do pedreiro, não sabem valorizar sua própria raça.
um grande abraço carioca

Marcio JR disse...

Uma questão complexa, e que já passou da hora de ser discutida em larga escala, mas por quem se interessa pela objetividade da questão, e não por politicagem, como o que vem sendo feito.

Já ouvi dizer que deveríamos "devolver" o Brasil aos índios. Complicado, não? Ou melhor, impossível. Não obstante, há que se manter e preservar a cultura primária dos índios, assim como reservas próprias para sua sobrevivência. Mas isso ninguém quer discutir. Custa caro para os cofres da nação, aquela mesma que vive virando as costas não apenas aos índios, mas ao povo como um todo.

Como disse acima, uma questão complexa, mas que tem que ser encarada como prioritária. Como está, não pode ficar.

Perfeito, Cacá. Ótima crônica.

Abraços, meu amigo.

Marcio

Casal 20 disse...

Complicado? Complicadíssimo!!!

Hoje, né Cacá, vamos ver todo mundo falando sobre os índios: as escolas, o governo, a mídia... Amanhã, volta tudo ao normal.

Hoje, no Brasil, são mais de 180 povos diferentes com línguas e culturas diversas entre si, somando quase 400.000 indígenas. Não há sequer UMA cultura indígena. São muitas.

Muitos já se apropriaram de conquistas significativas para o próprio povo. É o caso dos Kaingang no sul do Brasil em que há mestres e doutores formados e que se dedicam em valorizar a língua materna e a sua identidade cultural. Outros, como é o caso dos indígenas com quem trabalho, estão sendo engolidos pela cultura predatória que os cerca: são as doenças venéreas, o alcoolismo, a prostituição, etc.

Eles querem e precisam ter o direito de escolherem o que querem, sair de debaixo dessa tutela do Estado que os trata como crianças e da influência negativa e interesseira de universidades e ongs que, em grande parte, só se interessam em lucrar, e muito, com trabalhos de pesquisa em cima deles.

Verdade, Cacá. É preciso mais que olhar para eles; é preciso estar ao lado deles. Eles são iguaizinhos a gente: precisam de amizade sincera e afeto.

Parabéns pelo post.

Abraços sempre afetuosos.

Arnoldo Pimentel disse...

Muito bom seu texto, o índio foi uma das maiores vítimas do chamado homem civilizado. Foi muito bom conhecer seu espaço, se puder visite meu espaço, link abaixo, será um prazer receber sua visita.

ventosnaprimavera.blogspot.com

chica disse...

Eles tem o dia, mas são lembrados?


Linda abordagem, como sempre! abração e como estão as coisas? chica

Cronicando disse...

Com sempre, muito bem dado o recado, Cacá.
Fico pensando se a data comemorativa é mesmo para não se esquecer ou se serve para aliviar a consciência e permitir o esquecimento mais rápido.
Abraços!
Kenny Rosa (http://cronicandocomvoce.blogspot.com)

Unknown disse...

Vc está comemorando este dia como se deve, honrando nossos ancestrais de forma digna. Não nego, sou descendente de índios e só sinto pena por não conseguir chegar até minha ancestral.

Anônimo disse...

Despertou-me muitas lembranças. O marketing vazio de significado, mas que nos enche de datas comemorativas a fim de acirrar o consumismo; o sentido da liberdade que ao passar por cotas e outras instituições deixa de ser livre; a perda de um tio querido e contemporâneo de minha idade, na época com 19 anos (assassinado em Betim no ano de 1994). Boa reflexão, Cacá. Abraços!

Neno disse...

Oi Cacá, Vim deixar um beijo.
Boa Páscoa pra ti!
Bjs do Neno

Toninho disse...

Apenas o dia amigo.E ainda assim as correntes contra as reparações se fortalecem.Será obvio? Triste o país que nao preserva seus valores e cultura.Um abração de paz e luz.

Kunti/Elza Ghetti Zerbatto disse...

Belíssimo texto!
Temos muito a aprender com eles!
E quem sabe apareçam mais Villas Lobos para poder resgatar um pouco da sua estória?
Tenho muito orgulho de minha descendência indígena, mas já conheci pessoas que morrem de vergonha só de ouvir falar isso.
Realmente atualmente estão tentando adaptar-se? ao sistema do branco!
abraços

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Boa tarde, querido amigo Cacá.

O "dia do índio" é só mais uma data.
Parece que falta diplomacia para lidar com a questão do índio, e sobra ganância, em relação às terras que lhe são de direito.

Um grande abraço.
Tenha uma linda noite, de paz.

Marinha disse...

Cacá, conheci um pouco de teu trabalho na entrevista para o Arena das Crônicas e não resisti a vir saber mais sobre teu universo criativo. Parabéns! Teus escritos incitam à reflexão, e mais do que isso, à tomada de atitude frente à vida.
Bom demais saber que existem pensadores como tu!
Quanto ao post, os índios assim como os negros ainda são expoliados de seu direito à propriedade e à vida. Tudo o que é conseguido, infelizmente, passa por luta e mobilização... sempre. Teu texto é consistente e muito bem fundamentado.
Voltarei mais vezes!
Bjo e paz pra ti, moço.

Diogo Didier disse...

Esse seu texto, com forma de homenagem, me fez lembrar o tempo de colégio. Naquela época eu era bem garotinho e nas datas comemorativas a escola parava para homenagear o dia do índio, da árvora, da independência...

Mas, era o índio que me fascinava. Estar com um cocar parecido com o deles, imitar seus cânticos, tentar copiar os passos de suas danças. Tudo era motivo de festa e de alegria!

Belo post amigo!

bjoxxxxxxxxxxxxx no coração!

Lúcia Soares disse...

Cacá, completamente esquecidos, os donos da terra!
Acho que nem nas escolas, hoje, se fêz alusão à data ...(claro que sim, mas apenas porque faz parte do planejamento..).
Ainda há, lá nos rincões do norte, nordeste e centro-oeste algumas tribos totalmente envolvidas na tradição, inclusive com superstições, infanticídios, canibalismo, num atraso total. Melhor que as que se "modernizaram"?
Enfim, que eles encontrem seu lugar no mundo, já que foram dizimados pelo "homem branco", que sabe ser mais cruel que o mais feroz dos animais...
Abraços!

Web Statistics