sexta-feira, 31 de julho de 2009

UMA CRÔNICA TRISTE

Seu Messias, segundo as más línguas, era daqueles homens que levaram uma vida de ovelha desgarrada do rebanho do Senhor. Entregue aos vícios mundanos, à boemia, à perversão sexual. Um perdulário contumaz e um pecador para os padrões da cristandade ocidental, até ali por volta dos quarenta anos. Pois era, fique bem claro.

Convertido a uma dessas igrejas de salvação antecipada, recolhera-se ao calor que sobrara no lar cuja última brasa conseguira transformar em fogueira de virtudes. O mais do tempo era dedicado ao trabalho, aos cultos quase diários e ao óbolo de 10% obrigatório do salário para que não pudessem restar dívida nem dúvida quanto à sua vaga no céu. Segundo a sábia metáfora popular, depois de entregar a carne fresca ao diabo, resolvera entregar os ossos para Jesus. Assim tratavam sua conversão.

Ele não tinha o hábito de almoçar como quase todos no restaurante da empresa. Ele e o Márcio. Dizia que essa era uma hora sagrada e que a peãozada conversava muito durante o almoço, profanando a comida, dádiva divina. Mandava buscar uma marmita e comia ali mesmo, na oficina.

Eu gostava muito de sua companhia quase santa e mais ainda de seus conhecimentos de mecânica e hidráulica. Era estagiário e ele tinha enorme prazer em ensinar. Fomos adquirindo confiança mutuamente. Eu talvez pela minha condição de operário noviço não o importunava com heresias e ele pelo aluno aplicado.

Um dia me pediu para que almoçasse rapidamente e voltasse para a oficina. Queria me mostrar uma coisa que o preocupava e estava sem saber como abordar o problema. Dito e feito, ele me apontou o Márcio, um mecânico que se portava com uma seriedade tão grande quanto a produtividade pela manhã, e um completo desleixado e molengo, durante a segunda parte do expediente. Estava trazendo comida de casa. Dizia que a comida do restaurante não estava lhe fazendo muito bem. Só que essa comida era consumida às escondidas, atrás de algum trator ou equipamento de grande porte que estivesse nem manutenção e que lhe pudesse servir de redoma secreta. O que intrigava, no entanto, era mais o seu comportamento posterior do que o almoço solitário. O Sr Messias passou a vigiar esse hábito com mais apuro, até descobrir que ele, o Márcio, trazia era cachaça na marmita.

De um lado um estagiário, dezoito anos e impotente para falar com alguém mais velho sobre mudanças de hábitos e males do alcoolismo. De outro, o Sr, Messias tentando arrebanha-lo para a sua igreja como única porta possível para a redenção do rapaz. . E, para completar o quadro, a conivência do restante dos colegas, que (fui saber depois) faziam “vista grossa” por acharem que não havia nada demais, desde que o mesmo continuasse trabalhando honestamente. Ficou mesmo só a lembrança dolorida e triste.

1 comentários:

Anônimo disse...

Grande Cacá!!!

Tenho lidos todos os dias seus artigos... Um melhor que o outro.

Este último achei pertinente, muito parecido com a história de meu irmão mais velho. Trabalhava-mos na mesma metalúrgica, eu na administração e ele soldador. Ele éra alcóolico, todos os dias ele mamava um copão de cachaça antes de pegar o transporte e levava um recipiente cheio da "margaça". Tinha dia que ele não conseguia nem trabalhar e seus amigos de trabalho, inclusive seu chefe o escondia para o diretor da área não
ver. Até que um dia a casa caiu.

Hoje ele largou o vício, é pedreiro e vigia lá em Ribeirão Preto.

Abração meu querido amigo.

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