A perplexidade que nos acomete quando ficamos sabendo de alguém que matou por amor é tola? Entendemos de amor? Não se mata por amor. Morte matada é ódio, é descontrole, é ultrapassar o infinito feito de linhas tênues colocadas à nossa frente pelo sistema emocional de que dispomos. Mal gerido, diga-se. É o desafio maior de um ser humano. Cada um resolve sua dor com o conceito que possui de amor. Ele não é universal, sagrado, único. Nem etéreo, nem sublime. Ele é objeto disposto à troca, é material. É franciscano do lado avesso, se não correspondido à altura do julgamento de valor de quem supostamente o oferece ao outro.
Tem sido recorrente no noticiário casos e casos de pessoas que mataram o ser amado. E também casos em que se mata e depois se tira a própria vida. Uma demonstração do rompimento daquela linha fina por onde, equilibrar-se, passam todos os julgamentos sobre normalidade e loucura.
Goethe* criou seu jovem Werther, cheio de uma angustia incontida, uma melancolia incessante que foi ao cabo da própria vida pelo ser amado e não possuido, Carlota. Machado de Assis** não deixou que tal ocorresse com Bentinho, quando descobriu que sua imaculada Capitu triangulara com Escobar, seu melhor e talvez único amigo. Preferiu afastá-lo de sua amada e tida para aliviar a sua fúria mortal, seu ódio exasperado. Da noite para o dia, desamou Capitu e o filho. A literatura está cheia de vida imitando arte.
Mas o que quero falar é sobre triângulos amorosos. Ou outras figuras geométricas de quantos lados simbolizem os tantos de relacionamentos teúdos e manteúdos.
Pessoalmente já presenciei dois exemplos ridículos, insólitos, insanos, risíveis. Nada contra os eletricistas: J.M., casado, dois filhos, duas mulheres. Saía do trabalho, ia à casa-sede, tomava seu banho, trocava-se, ia à casa filial e por lá permanecia até fim de noite. Voltava para a sede, dormia, sei lá; encontrávamos no dia seguinte normalmente no trabalho. Era uma vida normalíssima para si e inquestionável por quem quer que fosse. Dizia ser “problema de amor demais”. Quando acuado pela mulher com quem se casara legalmente, matou-a a golpes de martelo. Perdeu emprego, amigos e os dois amores e filhos.
E.A., casado, quatro filhas, enamorou-se pela cunhada, irmã mais nova de sua mulher. Esse dividia diariamente sua angústia entre um circuito elétrico e outro, conversando no trabalho. Só não aceitava intervenções que ameaçassem apartá-lo de seus dois amores. O argumento: casara-se com uma, mas nutria amor verdadeiro pela outra. Não a abandonava, em primeiro lugar por causa das filhas e pela sua bondade, ingenuidade, piedade e culpa (sic). O sogro ao tomar conhecimento ameaçou-o de morte. Conseguiu por dois anos viver o triangulo, driblando a morte, até que a esposa tomasse a iniciativa de tirar o seu time de campo. Abandonou o emprego, as filhas e a cidade. Mudou-se com a cunhada para bem longe.
Que tipo de sentimento move quem procura ter e manter mais de uma relação estável? É compreensível o argumento da fraqueza da carne, do instinto natural pelo sexo oposto ou homônimo. O que me fascina é a capacidade de sustentação de ambos ao mesmo tempo e por duração a longos prazos. Não consigo enxergar outro sentimento senão a impregnação dos valores de posse e troca. Uma confusão do mundo material com o mundo da alma que já não distingue, na prática, o que é da esfera sensorial e o que é palpável, de posse permanente, absoluta.
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* Os Sofrimentos do jovem Werther
** Dom Casmurro
1 comentários:
Cacá!
Somos tanto animal quantos tantos animais? Só raciocinamos quando o racional nos é favorável? Quando houver atitudes por impulso estamos agindo diferente dos outros, os irracionais......
Brigadão pela suas frequentes visitas.
Abs.
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