segunda-feira, 18 de julho de 2011

LER NÃO CAUSA L.E.R. * Daniel Penac

Como Um romance - Uma viagem ao universo da leitura

A obra de Daniel Penac está dividida em 4 partes: Nascimento do Alquimista, É precios ler, Dar a Ler e O que lemos, quando lemos. Cada capítulo trata de 3 patamares fundamentais: O que é o leitor, Como se forma um leitor ( auto-formação) e como se faz a manutenção desse leitor. De forma bastante pedagógica ele nos ensina a perceber traços e sinais  essenciais para a compreensão desses patamares.
Através de alguns trechos ficcionais, daí a escolha pelo título metalinguístico, Penac nos apresenta os processos de percepção e os erros comuns gerados nesse momento. Ações que ocorrem em diversos espaços de aprendizagem, como na escola ou em casa. Os pai que pedem ao filho que suba ao quarto e leia, em toda sua autoridade não percebem o período que se passou entre a ultima vez que incentivaram verdadeiamente a leitura até o momento em que ela passou a ser uma ordem. O professor que apresenta uma leitura, aparentemente exaustiva dado o volume do objeto livro em mãos, e que prova aos seus alunos, com leitura em voz alta, que todo o “muro” que os divide da obra começa a ruir a medida que a leitura avança. E o melhor, em minha opinião, é que o autor sugere uma liberdade nas relações  de livro-leitor que fogem das regras exteriores ao universo criado pelos dois que permeiam essa relação.
No primeiro capitulo, Nascimento do alquimista, Penac nos provoca ao descrever desculpas universais que tentam justificar o desinteresse pela leitura, por exemplo a televisão, como sendo uma das maneiras mais confortáveis, já que pressupõe um único ato - o de proibir, de justificativa. Essa provocação se dá pelo fato de que sempre a vemos, a tevê, como vilã da história. A proposta é mostrar quem são os verdadeiros responsáveis pela ausência no desejo de leitura em uma criança. Quem apaga a luz da ficção e fecha as portas do universo de encantamento para abrir o  abismo das obrigações de leitura com a ausência plena de responsabilidades dos, agora não mais pais, inquisidores?  A síntese desse capítulo pode-se ver no trecho abaixo:
Éramos o contador de histórias e nos tornamos contadores, simplesmente.
Eh! É isso...
É isso... a televisão elevada à dignidade de recompensa... e, em corolário, a leitura reduzida ao nível de obrigação... é bem nosso,esse achado...

As obrigações que afastam a criança do seu universo de relação independente com as histórias dos livros, lidos pelos pais, que trata-se , às vezes, da  única intereção entre Pai e filho durante o dia (Vide No caminho de Swann -  Marcel Proust ¹), interrompem a formação do Alquimista que traduz em riquezas o universo de códigos apresentados, referenciados por ambientes e tempos, diante dos olhos daquele que, no calor da fase mais criativa que temos, não consegue passar da página 48.

Daniel Penac
No segundo capítulo, É preciso Ler ( O dogma), o autor descreve os discursos que querem forçar uma leitura comprometida com os interesses da sociedade e , completamente, indiferente aos interesses do leitor. Na página 64, a sequência da oração  É preciso ler... é exposta com os diversos motivos pelo qual nossa leitura é induzida. Dentre eles destaco: Ler para...
..aprender
...dar certo nos estudos
...conhecer melhor os outros
etc...

Essa redução, ou melhor, tentativa de padronizar os reais motivos de uma leitura apresenta objetivos palpáveis, no entender do discurso, que possam justificar o interesse do leitor. Assim, de forma generalizada, entende-se ser capaz de, com esses argumentos, convencer um não leitor a se tornar um leitor. Enquanto isso o mais importante na relação leitor-livro é esquecido. E o que é o mais importante nessa relação, segundo Penac, é a Liberdade.
A mesma liberdade que sentimos quando adentramos uma história, ou seja quando temos contato com o universo dos signos presentes na obra, devemos ter na relação com o objeto-livro. E é por isso que o autor, no ultimo capítulo, vai tratar das regras que reestabelecem a relação que tinhamos nos primeiros contatos com o universo ficcional do qual nos lembramos.

Em  Dar a ler, terceiro capítulo do livro, Penac nos mostra o quanto usamos o tempo como desculpa para não ler. Em seguida, apresenta cálculos que consideram pequenas leituras diárias em busca de grandes leituras ( equivalente ao tamanho do livro) em curtos espaços. Esse capítulo nos mostra que o principal passo para iniciarmos a leitura de uma obra extensa é abrí-la. Surge o exemplo do professor em sala de aula com o livro O Perfume de Patrick Süskind e sua edição de páginas espaçadas,vastas margens, enorme aos olhos daqueles refratários à leitura, e que prometia um suplício interminável.
Na página 109 o autor retoma essa imagem para desfazê-la: Um livro grosso é um tijolo. Liberem-se essa ligações, o tijolo se transforma em nuvem.


No quarto e último capítulo, o que lemos, quando lemos ( ou os direitos imprescritíveis do leitor), Penac fecha com chave de ouro em suas 10 diretrizes que permeiam as relações entre leitor e livro.
  1.       O direito de não ler
  2.       O direito de pular páginas
  3.       O direito de não terminar um livro.
  4.       O direito de reler. 
  5.      O direito de ler qualquer coisa.
  6.       O direito ao bovarismo.
  7.       O direito de ler em qualquer lugar.
  8.      O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
  9.      O direito de ler em voz alta.
  10.     O direito de calar.

Na diretriz de número 10, que o autor assinala como predileta, posta-se a máxima de todas as relações. O que há de íntimo não se deve comentar. E quanto estamos em contato com algo que nos faz revelar,
 setores de nosso ser auto-anulados pelas exigências das relações cotidianas, estamos em contato com o que há de mais íntimo em nós mesmos. Falar sobre ou não é uma decisão que cabe somente ao leitor.

- Mas e aí, conte-me, como foi sua leitura de Viagem ao centro da Terra²?

Ouço o farfalhar de uma mariposa do lado de fora rodeando e “ dando vorta em vorta da lampida” de Adoniran³.

Boa Noite Mariposa!




¹ No caminho de Swann -   Primeiro volume de Em busca do Tempo Perdido
²Viagem ao centro da Terra (1864) livro do francês Júlio Verne ( 1828-1905)
³As Mariposas – Composição de João Rubinato ( Adoniran Barbosa) 1955
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Este artigo foi gentilmente cedido pelo  ARI - blog Fruto Vermelho (aqui).


L.E.R. = Lesão Por Esforço Repetitivo

13 comentários:

boutique de ideias disse...

Benos dias, Cacazito!!!!

Fui dar uma futucada no google agora pra saber mais sobre o Daniel Penac, achei deveras interessante as exposicoes levantadas no livro sobre o processo da leitura. Por mais que a gente saiba que é assim mesmo que acontece, como nos 10 passos, é sempre bom encontrar um literato que coloque isso numa obra (é como ter um aval de permissao para alguns "delitos"). Recentemente, acabei a leitura de um livro, (escrito por uma célebre escritora americana), das 395 páginas, fui obrigada a saltar 280, haha abandono total!!!
Bom comecinho de semana, amigao! Beijo enorme!!!!

pensandoemfamilia disse...

Oi Caca
Não conhecia este autor,vou ler mais. Pela sua exposição ele é bem didático e revela as nuances que podem levar a se ser leitor ou não.

Hoje gostaria de saber sua idéia sobre o tema que postei, se não for possível passar por lá.
Abços, Boa semana.

Misturação - Ana Karla disse...

Vou fazer como Geyme, vou dar uma olhada aqui na net para conhecer mais de Penac.
Assunto interessante, e em se tratando de ler, é excelente.
Xeros

Nice Bacchini disse...

Cacá, um tempo ausente por motivo férias voltei e não resisti em passar por aqui e confesso que adorei o seu artigo. Quando nos apresenta um resumo do livro de Daniel Penac despertando em mim uma curiosidade em conhecer seus trabalhos. O assunto do livro é muito interessante, principalmente no mundo de hj, onde a internet predomina, tirando assim o interesse dos jovens em livros.. parabéns... abraços

Rô... disse...

oi Cacá,

adorei quando ele diz
que o tijolo se transforma em nuvens,
e é a mais pura verdade,
as vezes o livro nos parece,
pela sua grossura,
difícil de ler,
e quando iniciamos a leitura,
se torna leve e muito
agradável,

como sempre você evidenciando
a importância de ler,
ler tem mesmo que ser incentivado,
desde pequeninos...
parabéns!

beijinhos

Ari Mascarenhas disse...

Olá Cacá.
Valeu. É importante divulgar esse livro, pois o serviço que ele nos presta em busca de uma sociedade mais próxima da transgressão que a arte nos incita e consequentemente da transformação que a mesma proporciona é imensurável.
A partir do dia 07/08, no Intituto Arapoty em Itapecerica da Serra, iniciarei um curso sobre leitura orgânica e minha aula inaugural terá como base o livro Como um Romance. Este artigo, inclusive, foi o ínicio dessa pesquisa que gerou o projeto. Obrigado por divulgar Penac, quanto mais pessoas tiverem contato com essa perspectiva, menor será o distanciamento que existe entre um potencial leitor, de atividade suspensa, e o livro. Um forte abraço a você e a todos os seus leitores.

Aninha disse...

Obrigada pela visita... Vim correndo retribuir... Rsss

Vou ver se acho este livro aki na biblioteca pra ler depois...


Abraços

zelia maria disse...

Quando criança não fui induzida a leitura, eu mesma que a procurei, gostei por gostar e dela nunca me separei até hoje. Beijo meu querido amigo. zélia

Tais Luso de Carvalho disse...

A liberdade é fundamental em tudo, na escolha da música, no olhar da arte, na literatura e no desenvolvimento em qualquer seguimento. Com o tempo vamos aprimorando o gosto e escolhendo algo que nos agrade. Forçar, é fazer que alguém desista. Dá-se exatamente o contrário do que os pais ou professores pretendiam: incutir o gosto deles.
Dê poesia a quem goste de poesia; dê contos aos que gostam de contos e romance aos que gostam de romances. E que deixem a escolha de autores, a princípio, aos iniciantes à leitura. A lapidação vem com o tempo.

Beijos. Cacá.
Tais luso

Eva disse...

Cacá que maravilha esse livro, obrigada por divulgar, eu achei genial a tentativa de encurtamento da distância do livro, dismitificando a leitura, procurando resgatar um caminho que deveria ter sido iniciado na infância de cada um, o estimulo a leitrua, prevenindo-se dos estragos que essa era veloz e televisiva pode causar, a leitura sempre será o caminho do desenvolvimento pessoal, precisamos de pessoas mais profundas e menos rasas, com a faculdade pensante autônoma que só o livro desenvolve.Parabéns pelo post, beijos querido. Uma ótima semana.

Celina disse...

OI cacá boa tarde, tudo de bom para vc, Cacá eu sei que precisas renunciar a uma porção de coisas para ter tempo para leitura eu te admiro por vc ser un estudioso, e arranjar tempo para tudo. esses escritores que tem surgido ultimamente eu os leio pouco, são tantos. só se for o caso de alguem conhecido o indicar, a minha leitura agora se resume a ISTO É, uma revista que a algum temos temos a assinatura,, livros muito poucos, estou tentando fazer uma postagem para O QUE ELAS ESTÃO LENDO, cad~e tempo.Bem Cacã enquanto isto vou pegando carona em vc. Um abraço amigão. Celina

Jaime Guimarães disse...

Cacá voltei por aqui justamente pelo fato de ter este livro e é muito legal. O que acho mais interessante nele é o entusiasmo do autor ao falar da importância do professor no processo de estímulo à leitura.

Como educador já citei esse livro para colegas da área de literatura até para que despojem um pouco do tradicionalismo que ainda permanece no ensino da literatura - o que dificilmente via estimular alunos. Quem vai gostar de ler uma obra procurando "elementos do realismo presentes no texto" valendo nota em uma prova? É verdade que há currículo, o conteúdo, mas há meios de "romper" com certos tradicionalismos que não cabem mais em uma sociedade com tantas distrações - entre assistir a um vídeo no youtube e ler "Memórias Póstumas..." pra ser cobrado "no resumo", óbvio, né?

É uma excelente indicação, Cacá! :)

Abs!

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