quinta-feira, 17 de março de 2011

AEDO CIBERNÉTICO* ANTES DO VERDE IR MORAR NO DICIONÁRIO


Antigamente, quando o estado era menos laico, tudo que se tinha de reclamação nos diziam para ir reclamar ao Bispo. Hoje, que conquistamos uma considerável cidadania de consumidores, já se aceitam reclamações nas repartições. Fiquei observando do início ao fim as obras que alteraram a avenida Cristiano Machado, ligando o centro de Belo Horizonte ao Aeroporto de Confins. Chamam-na agora de linha verde. Daí eu pensar que seria algum concreto e asfalto em meio a muito verde.
Esta carta foi inspirada na música Matança e nas obras (horríveis) da linha verde em Belo Horizonte.
Senhor administrador,
O duplo sentido das coisas afaga somente a quem sonha. A realidade costuma ser mais dura ou oposta ao imaginado. Ou então se faz metáfora com segundas (e más) intenções. Estou falando da linha verde, a ligação que vai fazer chegarem depressa os passageiros de avião que usam o aeroporto de Confins, aqui em BH. Sem discutir o mérito econômico da obra, quero falar mesmo é do meu devaneio.
Sinceramente pensei que o nome Linha Verde estivesse relacionado à beleza. Cheguei a imaginar um bulevar. Umas pistas ladeadas de árvores e flores. Um colorido que fosse capaz de prender a atenção dos passantes a ponto de perderem a noção do tempo que irão gastar de suas origens ao aeroporto e descobrirem novas e belas paisagens não vistas quando estivessem voltando para casa. Ou vice-versa. (Pausa: vice-versa continua com hífen, senhor administrador?). E o verde é só para os semáforos?
Você não vai mesmo me dar ouvidos, então deixe-me falar para o povo dessa cidade e para quem nos visita.
Começamos como Curral Del Rei. Convenhamos, curral não é um bom topônimo para servir de morada às pessoas. Ainda mais súditas. Aí, como tudo teve início lá no alto da serra, com uma vista de encher os olhos, decidiram por Belo Horizonte. E aos pouquinhos estão nos tirando o belo. Com tanto cimento, asfalto, prédio e viaduto, onde ficará o horizonte?
MATANÇA (LETRA E MÚSICA – XANGAI)
Cipó caboclo tá subindo na virola
Chegou a hora do pinheiro balançar
Sentir o cheiro do mato da imburana
Descansar, morrer de sono na sombra da barriguda
De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar
Tal mata Atlântica e a próxima Amazônica
Arvoredos seculares impossível replantar.
Que triste sina teve cedro nosso primo
Desde de menino que eu nem gosto de falar
Depois de tanto sofrimento seu destino
Virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar
Quem por acaso ouviu falar da sucupira
Parece até mentira que o jacarandá
Antes de virar poltrona, porta, armário
Mora no dicionário vida eterna milenar.
Quem hoje é vivo corre perigo
E os inimigos do verde da sombra, o ar
Que se respira e a clorofila
Das matas virgens destruídas vão lembrar
Que quando chegar a hora
É certo que não demora
Não chame Nossa Senhora
Só quem pode nos salvar é
Caviúna, cerejeira, baraúna
Imbuia, pau-d'arco, solva
Juazeiro e jatobá
Gonçalo-alves, paraíba, itaúba
Louro, ipê, paracaúba
Peroba, massaranduba
Carvalho, mogno, canela, imbuzeiro
Catuaba, janaúba, aroeira, araribá
Pau-fero, anjico amargoso, gameleira
Andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá
______________________________________________________________________
* Na antiguidade, como a escrita era pouco desenvolvida, o AEDO cantava as histórias que iam passando de geração para geração, através da música. Depois, veio o seu assemelhado na idade média que era o trovador. Hoje, juntado tudo isso com a tecnologia, criei o AEDO CIBERNÉTICO.

13 comentários:

Elayne Aguiar disse...

Ah! Cacá...depois vc se acostuma com as linhas...E tudo começou com o digníssimo César Maia aqui no RJ com a Linha Amarela, a qual preciso pegar constantemente e que eles cobram a estapafúrdia de $4,30 para ir e mais $4,30 para voltar. É um absurdo, pois é uma via de acesso primordial, mas enfim...aqui tb tem a Linha Vermelha, que dentro do projeto deles era uma enorme linha...na cor vermelha, assim como a amarela e agora a sua verde(se já não tem mais cores por aí). O fato é que são indispensáveis e eficazes, mas tudo tem seu preço. Na Linha Vermelha não se paga por enquanto, mas se vc assiste ou lê jornais deve saber que quem passa está arriscado a tomar um tirambaço, pois ela passa pelo fogo cruzado das favelas...rssrsr Bjos...

Berzé disse...

Oi Cacá,
Muito boa e oportuna suas observações.Mesmo um assunto sério como esse,vc trata(primeira frase, uma delícia de introdução), com indispensável humor.
Abração!
Berzé

boutique de ideias disse...

Ah nao, fala sério que a linha verde é em referencia exclusiva para os semáforos? Nem uma arvorezinha?
Quem teve a ideia administrativa,(ao que tudo indica) tentou dar um tom poético ao nome da "obra"... Espero que ao menos tenha serventia... Será?? O negócio é nao ir mais ao aeroporto!!! rsrs
Beijos e beijos, amigao!!!!!

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Bravo!!!

Querido amigo Cacá.

Eu também acreditei no "verde", mas foi só mais uma propaganda enganosa.

Adorei o "hífen"

Obrigada por compartilhar tamanho talento... Competência mesmo!!

Um grande abraço.

pensandoemfamilia disse...

Eh! associar as cores aos nossos devaneios , talvez possa ser uma solução, mas de cor em cor vamps diblando os problemas dos centros urbanos, cada vez mais inchados.
Forma sempre criativa de colocar nossas questões, parabéns.
Abraços

Néia Lambert disse...

Cacá como não sou dessas bandas de Belo Horizonte, palpitar sobre o assunto seria indevido. De uma coisa, porém, tenho certeza, seu texto foi muito bem escrito.


Um abraço

Anônimo disse...

Por aqui, em Divinópolis, também querem fazer uma Linha desta, que não é verde. Políticos viajaram para Porto Alegre a fim de conhecerem o modelo de lá, o qual é referência no país. Ou será que eles (políticos) foram mesmo é passear? Eu me pergunto! Abraços!

lis disse...

Oi Cacá
Eh democracia boa !
será que a cartinha chegou onde devia? rsrs
o cara tem razao , deveríamos sair do nosso conforto e praticar mais a denúncia e descaso desses homens de gravata que vivem em reuniao a tomar cafezinho .
Onde ficam as idéias ? um lástima Cacá .
Aqui saimos um pouco melhor .
A Linda Amarela já amarelei de medo quando tive de transitar por lá e a Vermelha como diz a Elayne podemos sair manchados mesmo de vermelho vivo ...rsrs tal a bandidagem em toda sua margem.
O Rio é um grande contraste tem cada lado feio que ninguem ousa falar muito.rsrs e Belo Horizonte cuidar mais de seus horizontes.

abraços Cacá
obrigada por me ajudar a escrever um pouco , sair da minha casca... rs

Toninho disse...

E eu que nao via nada, desci a serra com os olhos atentos pensando ver a tal linha verde,quanto mais o carro avançava menos via verde, ai pensei deve ser algum tipo de trote estudantil.E deparei com a obra do Niemeyer com suas foices enrustidas,gostei claro,rsrs.Mas onde foi parar o verde? Ainda criaram uma maratona pela linha verde,acho que estão ironizando Zé. Bem feliz sua cronica.Nem mesmo o cipo caboclo pude ver.Triste progresso este que nada perdoa,tudo devora.Um abraço irmão e nao fique triste que outros verdes renascerão no concreto umido e enlodado.

JoeFather disse...

O verde já se tornou há muito acizentado em nossas veredas.

Gostei tanto da carta ao administrador como a letra da música do conjunto, ao qual associei seu nome ao que estão fazendo "sem dó" com tudo quanto ainda é verde, que sem sombras de dúvidas acabará um dia repousando no Aurélio!

Abraços meu amigo e parabéns pela reflexão que nos trás!

Kunti/Elza Ghetti Zerbatto disse...

bom dia poeta!
é muito bom estar aqui!
obrigado pelo apoio e carinho!
estou adorando seu espaço virtual.
um grande abraço

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