terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PREGUIÇA

“A preguiça é a mãe do progresso. Se não fosse a preguiça, o homem não teria inventado a roda.” (Mário Quintana)

            Existem palavras, expressões e gestos amaldiçoados pela sociedade. A preguiça é uma delas. Com exceção daqueles já acostumados desde muito cedo à indolência, é muito difícil conviver com a preguiça, na mesma intensidade que é com a sensação culposa que ela nos traz. Pessoalmente, acostumei desde muito cedo a ouvir de meu pai ante uma cara feia que fazíamos quando nos mandava executar alguma tarefa: “quem quer faz, quem não quer, manda.” Como não mandava nem na minha fome, aprendi a plantar, capinar a horta, colher e ainda cozinhar antes de comer. Então resolvi pesquisar na internet a frase fenomenal do Quintana e deparei-me com outro monstro sagrado da literatura. Fiquei até com preguiça diante de minha insignificância perto deles. Por isso reproduzo, acima a frase e, abaixo, o texto do Veríssimo. Nunca iria conseguir produzir texto melhor. Nem com todo ânimo do mundo.

 

O que move a Humanidade

 Luis Fernando Verissimo

Existem muitas teorias sobre o que fez o Homem dominar o planeta e construir civilizações - enquanto o joão-de-barro, por exemplo, só consegue construir conjugados - e levar grandes mulheres para a cama - enquanto o máximo que um gorila conseguiu foi segurar a mão da Sigourney Weaver. Dizem que o cavalo é mais bonito do que o Homem e que a barata é mais resistente, mas não há notícia de uma fuga a três vozes composta por um cavalo ou uma liga de aço inventada por uma barata. Tudo se deveria ao fato de uma linhagem particular de macacos ter desenvolvido o dedão opositor, com o qual conseguiu descascar uma banana e segurar um tacape, as condições primordiais para dominar o mundo. A vaidade, outra característica exclusivamente humana (o pavão também é vaidoso, mas não gasta uma fortuna com as penas dos outros para fazer sua cauda), também teria contribuído para que o Homem prevalecesse, pois de nada lhe adiantariam suas façanhas com o polegar, e com as mulheres, se não pudesse contar depois. Daí nasceu a linguagem, e com ela a mentira. E o Homem estava feito.
            Mas eu acho que a verdadeira força motriz do desenvolvimento humano, a razão da superioridade e do sucesso do Homem, foi a preguiça. Com a possível exceção da própria preguiça, nenhum outro animal é tão preguiçoso quanto o Homem. O desenvolvimento do dedão opositor nasceu da preguiça de combinar dentes e garras para comer e ainda ter que limpar os farelos do peito depois. A linguagem é fruto da preguiça de roncar, grunhir, pular e bater no peito para se comunicar com os outros e, mesmo, ninguém agüentava mais mímica. A técnica é fruto da preguiça. O que são o estilingue, a flecha e a lança senão maneiras de não precisar ir lá e esgoelar a caça ou um semelhante com as mãos, arriscando-se a levar a pior e perder a viagem? No que estaria pensando o inventor da roda senão no eventual desenvolvimento da charrete, que, atrelada a um animal menos preguiçoso do que ele, o levaria a toda parte sem que ele precisasse correr ou caminhar? Dizem que a agressividade e o gosto pela guerra determinaram o avanço científico da humanidade e se é verdade que a maioria das invenções modernas nasceu da necessidade militar, também é verdade que o objetivo de cada nova arma era o de diminuir o esforço necessário para matar os outros. O produto supremo da ciência militar, o foguete intercontinental com ogivas nucleares múltiplas, é uma obra-prima da preguiça aplicada: apertando-se um único botão se matam milhões de outros sem sair da poltrona. Uma combinação perfeita do instinto assassino e do comodismo. A apoteose do dedão.

Toda a história das telecomunicações, desde os tambores tribais e seus códigos primitivos até os sinais de TV e a internet, se deve ao desejo humano de enviar a mensagem em vez de ir entregá-la pessoalmente ou mandar um guri resmungão. A fome de riqueza e poder do Homem não passa da vontade de poder mandar outros fazerem o que ele tem preguiça de fazer, seja trazer os seus chinelos ou construir as suas pirâmides. A química moderna é filha da alquimia, que era a tentativa de ter o ouro sem ter que procurá-lo ou trabalhar para merecê-lo. A física e a filosofia são produtos da contemplação, que é um subproduto da indolência e uma alternativa para a sesta. A grande arte também se deve à preguiça. Não por acaso, a que é considerada a maior realização da melhor época da arte ocidental, o teto da Capela Sistina, foi feita pelo Michelangelo deitado. Proust escreveu o Em Busca do Tempo Perdido deitado. Vá lá, recostado. As duas maiores invenções contemporâneas, depois do antibiótico e do microchip, que são a escada rolante e o manobrista, devem sua existência à preguiça. E não vamos nem falar no controle remoto.

(Se você não desistiu na segunda linha e leu até aqui, é porque não tem preguiça. Conheço o seu tipo. É gente como você que causa os problemas do mundo. São vocês que descobrem quando o autor está com preguiça e reaproveita um texto antigo. E isso não é humano!

16 comentários:

Yasmine Lemos disse...

Demorei a vir aqui, quanto texto! vou lendo devagar,respeitando minha preguiça.
Bom dia amigo Cacá grande abraço

Sheilla Liz disse...

Três vivas pra preguiça, esse dom Divino que faz o homem andar,ou deitar, hehe. Realmente esse texto do Verissimo está ótimo, obrigada por compartilha-lo conosco querido amigo, mas agora estou com preguiça de escrever mais, rsrs. Super abraço!

Sabor de Pitanga disse...

Olá Cacá! Obrigada por sua visita a Sabor de Pitanga. Por enquanto estou comecando a fazer um "suco" e depois entao, convidarei os amigos para um "brinde"... Um bebê comecando a engatinhar... rsrsrs

Amei o texto: "Preguica"
Abracos

JoeFather disse...

Fantástico, sou desumano, li o texto todo! :)

Não sei o que é preguiça, pois eu e outros milhões a apelidamos de "falta de vontade"!

Grande abraço meu amigo, belíssimo texto!

pensandoemfamilia disse...

Pois não é mesmo! Eu me acostumei a escrever pouco, condensar os assuntos, pois penso que as pessoas têm prequiça de ler textos muito longos na NET.Este do Veríssimo já estaria ultrapassando os limites. No entanto, eu o li até o fim, por que será??
Abraços,

Talita disse...

Cacá, passando para deixar um abraço e ler-te, claro!

Lindo, como sempre!


Beijos!

Beth/Lilás disse...

Oi, Cacá!
Eu conhecia este texto do Veríssimo, tenho este livro inclusive.
Muito bom mesmo!
Com Veríssimo não sentimos preguiça, afinal seus textos são ótimos e tão gostosos de se ler que vamos até o finalzinho.
bjs cariocas

chica disse...

Frase maravilhosa,cacc´.

mas tenho certeza que se não fosse a tua PREGUIÇA terias feito um texto , no mínimo igual, ao do LFV...
abração,chica e tua interação legal já está lá!

boutique de ideias disse...

Esse texto já conhecia, mas valeu dar um repeteco por aqui!!! Beijo grande, amigo!!!!!! (Em breve entro em contato com vc, viu!!!)

Cronicando disse...

Bom dia, Cacá. Obrigado por me deixar mais tranquilo com a minha preguiça...rsrsrs
(http://cronicandocomvoce.blogspot.com)

Celina disse...

Oi Cacá, muito bom mesmo, mandei a minha filha ler, ela achou o máximo.As crõnicas de Fernando Verissimo sÃO Ótimas e as sus tambem, eu era fã de carteirinha do pai Erico Verissimo.Vai aquele abraço. Celina.

Anônimo disse...

Espetacular! Defendo a emergência da preguiça. A partir dela pode-se construir um pensamento profundo e o saber próprio. Abraços.

Mari disse...

Meu querido,

Ando bastante ausente da net, alguns post programados...muito trabalho e cansaço no final do dia.
Vi que está com muita coisa boa por aqui...vou ler devagar e com o carinho que seus posts merecem!

Beijo grande

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