quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

BUSCAS

Somos mesmo produto do meio como se afirma tão facilmente no senso comum, pouco afeito a questionamentos interiores e exteriores? Na verdade, o “sim, senhor”, o “a vida é assim mesmo”, o “sempre foi assim” são expressões corriqueiras que podem nos dar uma pista na direção a favor do resultado da equação:

meio + influências = produto.

Quero concentrar-me aqui no aspecto sociológico da reflexão, que inclui o lado psicológico também, da sociabilidade que estabelecemos a partir do momento que desgarramos para a estrada, a ter a nossa existência garantida por nossos próprios recursos materiais. Não quero falar se me tornei um mecânico, depois um historiador, um cozinheiro e escritor por influência do meio em que vivi anteriormente. O que me fascina observar é o que sou no dia a dia, meus medos, minhas apreensões, minha audácia, minha bondade, meu índice de maldade, minha indiferença, a minha solidariedade, minha capacidade de doar-me, minhas angústias, meus remorsos, minhas dores, minhas alegrias, minhas tantas idiossincrasias, esta palavra que finalmente é a síntese que mais me aproxima de um auto retrato.

Se ajo assim ou assado diante de uma circunstância é por causa do efeito que o uso de meu livre arbítrio gerou para julgar a minha capacidade de resolver as coisas que se apresentam em minha vida. Não, senhoras e senhores, não é a perfeição. Aqui entram as intempestividades, os arroubos, as ações que podem, num primeiro momento, ser consideradas desequilibradas. Mas o meu jeito de ser e levar a vida vai corrigir ou não mais à frente o que fiz. Ou na hora mesmo em que as coisas aconteceram, posto que estamos falando de relações humanas e então haverá sempre uma reação do outro lado.

As tais qualidades de caráter mais significativas tem sim, tudo a ver com um acumulado de essências que transitaram em nós, por nós e para nós em algum momento do passado. Desvios? Há. Tanto os provenientes de nossas escolhas, quanto da falta de capacidade de discernimentos. Há também um mundo de oportunidades não disponíveis e há um mundo de oportunidades desprezadas. Isso faz muitíssima diferença quando se chega a uma certa idade ou a um grau de amadurecimento e a gente para, a fim de fazer umas confabulâncias interiores.

Fico pensando no tanto que “puxei” pelo lado de minha mãe e de meu pai, do tanto que alguns tios me ensinaram e outros que me deram mal exemplo pra caramba! O tanto que as professoras de minha infância foram importantes na minha formação. Meu amigos todos os que passaram por mim e os que permaneceram, bem como os que hoje me chegam. Meus relacionamentos afetivos, o tanto que aprendi com a paternidade e se tenho ensinado. Isso com olhos de agora, de lá da galha alta da árvore, esse fruto “de vez” (aquele que está com potencial para amadurecer) que em algum momento vai ter cumprido o seu ciclo.

O tempo com sua inclemência avassaladora é nosso aliado ou algoz de acordo com o alcance que a nossa vista vai atingindo com esta tal maturidade de que falo e busco tanto. Quero não ter que me preocupar com o processo de envelhecimento de minhas células. Não se o processo me garantir vitalidade física e mental. A física, em forma de boa saúde. E a mental , se se mantiver nesse fino equilíbrio entre a sanidade e a loucura transformadora, já estará bom demais.

Reinventarmos o meio é a maior prova de que amadurecemos. Bem ou mal vamos modificando o produto. Se amadurecemos bem, aprimoramos. Se amadurecemos mal ou não amadurecemos, vamos vivendo feito isso que somos considerados em última instância: mercadoria descartável, peça de reposição neste gigantesco mecanismo humano de quase sete bilhões de  componentes.

14 comentários:

Beth/Lilás disse...

Uau, que texto denso, passou muito bem o que lhe vai por dentro e, pelo que vejo e sinto, sua auto-análise está muito bem feita, um ser humano que cresceu bem e enxerga suas possibilidades, ganhos, falhas e um envelhecimento muito bacana.
Que Deus lhe dê saúde e forças para desfrutar tudo que conseguiu até agora!
bjs cariocas

chica disse...

Realmente recebemos influências dos nossos "lados"l(pais, avós...)mas amos tentando aprimorar o melhor...Lindo e reflexivo texto, Cacá! abração,chica

Felipe. disse...

Oi, Cacá, tudo bem?
Está cheio de produto assim no mercado. O bom mesmo é começar do zero, questionar tudo, desde a educação dos pais até o seu papel como cidadão. Pessoas deveriam ser o próprio produto, sua própria matéria-prima. Esse negócio de fornecedores está por fora hoje em dia.
Abraço.

Jaime Guimarães disse...

Prezado Cacá, enxergo alguns paralelos desta sua excelente crônica sobre maturidade, buscas e a passagem do tempo com aquela porcaria que publiquei em meu blog, que trata mais ou menos do mesmo assunto, afinal de contas.

As pessoas passam por nossa vida e isso não acontece à toa. Sempre temos a oportunidade de aprender algo. Você citou professores e isso me deixou satisfeito, pois exerço essa profissão ( e por isso quero ser reconhecido como profissional e não como "sacerdote" ou "missionário") e vejo, atualmente, que mesmo com todo o desprestígio da profissão e as relações "líquidas" que permeiam em nosso meio, ainda temos alguma importância no auxílio da formação de crianças e adolescentes - embora tal percentual esteja, digamos,bem reduzido, você bem sabe.

Até porque, como você relatou em seu comentário no meu tosco blog, a TV AINDA exerce um grande fascínio nas pessoas e, consequentemente, propaga alguns valores e estimula comportamentos ( e consumo) dos quais achamos incoerentes com aquilo que assimilamos ao longo dos anos, pessoas...

E aqui um comentário ao seu comentário lá no groo: achei interessante quando falou em "rebaixamento social". Recentemente entrei em uma discussão (saúdavel) com uma pessoa porque divergimos sobre a questão da formação educativa do ser. Porque educação não é apenas a que recebemos na escola - e muitos pensam assim e delegam a responsabilidade exclusivamente para os professores; os pais, obviamente, tem o principal papel e principalmente pelo exemplo. Pois bem, relatei que a sociedade também tem o seu papel, pois se o exemplo é importante ( e é), o policial, o porteiro, o comerciante também deveriam contribuir para uma sociedade melhor. Eu nunca me esqueço do porteiro da minha escola, do dono do bar que se recusou a vender bebida alcoolica quando eu tinha 15 anos, da caixa do mercado que chamou minha atenção para conferir o troco corretamente, enfim, esse pequeno conjunto de situações que ajudam a construir relações melhores, uma convivência melhor. São as virtudes. E quando você falou em rebaixamento lembrei-se do "vale tudo" que impera atualmente e "que se dane, quero vender e tô na minha".

Ainda mantenho certos traços de idealismo bobo, como notou. rs

Um abraço e obrigado! :)

pensandoemfamilia disse...

Intensa reflexão, amadurecer, fazer escolhas apesar das influências, individualizar- se e não ser apenas mercadoria descartável neste fluxo da modernidade. Essas são suas intenções e minhas também.
Abços

Tati disse...

Cacá, que texto maravilhoso! Ele veio a calhar num momento em que tenho pensado em coisas assim. "ouvir", nas suas palavras ampliou minha reflexão. Há ainda as decepções, as situações de perceber que nem sempre podemos confiar, entrar de peito aberto. Lembrei da canção "que tenha até inimigos, para você não deixar de duvidar". Esta, para mim, está sendo a maior oportunidade de amadurecimento. Dolorosa, sim, mas libertadora! Seu texto foi brilhante, como sempre! Um grande beijo.

Kenny Rosa disse...

Cacá, meu amigo.
Fico feliz em me sentir a vontade para chamá-lo assim.
Dentre as diversas inteligências que pude perceber na sua personalidade, a intrapessoal se derrama sublime e integral nestas palavras. Admirei e me deliciei com o que li.
Seu texto me lembrou um autor chamdo Emmanuel, não pelo estilo, mas pela profundidade de análise e visão reta.
Parabéns!
Kenny Rosa (http://cronicandocomvoce.blogspot.com)

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

010203 Boa tarde, querido amigo Cacá.

Que bacana... Pelo jeito, você soube muito bem separar o joio do trigo, e acrescentar todos os bons fragmentos à sua boa índole, sobre o alicerce do bom caráter que você herdou dos seus.
Adorei!!

Um grande abraço.

Sueli Gallacci disse...

Amigo Cacá, somos a soma de tudo que vivemos e observamos do mundo. Se usamos mal o filtro, azar o nosso!

Somo um pouco tbm como um caderninho que cada um dos personagens da nossa infancia vai lá e escreve um pequeno roteiro. Podemos ou não apagá-lo com a borracha da sabedoria.

É o que eu penso...

Bjo enorme.

Em tempo: vc anda postando muito, eu não dou conta, pobre de mim... rsrs.

Anônimo disse...

Creio que o caminho da busca é a dúvida. Então, parafraseio José Saramago: "Sim, essa é a minha postura, duvidar de tudo. Se há algo que possa ser útil para o leitor, não é justamente que ele termine pensando como eu penso mas que logre colocar em dúvida o que eu digo. O melhor é que o leitor perda essa postura de respeito, de acatamento do que está escrito. Não há verdades tão fortes que não possam ser postas em dúvida. Temos de dar-nos conta de que nos estão a contar histórias. Quando se escreve a história de qualquer país, temos de saber isso. A realidade profunda é outra. O historiador, muitas vezes, é alguém que está a transmitir uma ideologia. Se fosse possível reunir numa História todas as histórias – para além da História escrita e oficial -, começaríamos a ter uma ideia sobre o que se passou na realidade." Ótima reflexão. Abraços!

Mari disse...

Profunda reflexão, passando pelos caminhos que todos nós vamos trilhando na eterna busca de nós mesmos!
Muito bom ler você!
bjs

Celina disse...

Oi Cacá, lí a sua crõnica, gostei muito, é a vida, eu comparo ao um livro que vc ganha ao nascer, alí vc vai escrevendo tudo, claro que tem interferencias, mais o conteúdo é bem seu, o que é de vez em quando vc passar uma vista pelo livro ai entra a sua consciencia, quem não gostaria de fazer uma obra que só tem alegria,sabedoria e satisfação, mais vc pode se não estiver gostando do que escreveu recomeçar de novo, tenho certeza que o final vai sair maravilhoso, tentar sempre,
Um abraço Celina.

Tais Luso de Carvalho disse...

Cacá, absorvemos muito coisa quando crianças, quase tudo. Porém, chega um momento de nossa vida que dá para percebermos o que nos passaram de errado e se formos capazes, corrigir tais erros.

Não aprovo quando pessoas adultas responsabilizam sua maneira de agir, de ser e pensar à sua educação recebida, ainda pequenos ou adolescente.

Adultos têm condições de reverter o processo, de achar soluções e não ficar se lastimando de sua criação. Exceto se tiverem algum problema mental.

Quando não se quer mudar, a apelação simples e covarde é depositada em cima dos outros, em cima de pais que muitas vezes não tiveram condições de darem mais; a gente dá o que pode, o que sabe, o que recebeu.

Mas temos de ter discernimento, o bastante, para saber que muito do nosso agir é por não sermos tão hábeis e por não querer 'mudar' o curso das coisas: dá muito trabalho...

beijos
tais luso

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