sábado, 12 de fevereiro de 2011

CRIANÇAS QUE SÃO CRIANÇAS

imagem google

Já não se fazem mais crianças como antigamente. Esse antigamente de que falo tem muito pouco tempo e está ligado a uma geração. Aquela que lutou por algum tipo de igualdade e liberdade de pensamento e ação, pelo menos.

Até os primórdios do capitalismo, criança não tinha infância. Na ganância por dinheiro, os proprietários dos meios de produzir as coisas colocavam-nas para trabalhar junto dos pais muito cedo. Muitos pais, por necessidade ou por aprendizado torto continuaram fazendo isso com elas muito tempo depois. O tempo acelerou a vida, o mundo cresceu demais e parece que vai acabar amanhã ou depois, de tanto que estão todos correndo atrás de alguma coisa com aparência de definitiva.

A maioria dos pais agora, na loucura de darem conta de si mesmos adianta o fim daquela que já foi uma longa e prazerosa infância para muitos. Afinal de contas, não ter tempo livre é uma perspectiva de ser reconhecido ou alguma outra forma de destaque. Não basta mais garantir a sobrevivência dignamente, tem-se que fazer o mundo notar a nossa existência. Tudo estava mais visível quando não éramos tanta gente no mundo. Tínhamos tempo a mais depois de cumpridas as obrigações diárias. Agora, a sensação que se tem olhando para os lados, para frente e pra trás é que está quase todo mundo querendo passar na frente do tempo, deixa-lo vir em busca de nosso ego insultado pela indiferença da coletividade. A mídia que já era poderosa ganhou um reforço ainda maior com tecnologias e tecnologias. Ela reforça o tempo inteiro o desejo de estarmos aparecendo para o mundo. E só se sente com certificado de reconhecimento quem nela aparece e tem seus momentos (longos ou curtos) de glória.

Filhos precisando de carinho e atenção para poder exercer seu direito a uma “infância infantil” demandam muito tempo.  No máximo que pais brincam com filhos é de coisas do mundo adulto. Divertido demais ver crianças imitando gente grande. O que era proibido como ver filmes de terror, programas de adultos na tv, conversas constrangedoras de gente grande perto delas virou chacota. Aquilo que era permitido, desejado e saudável, ficou proibido. Por exemplo? Brincar. Brincar de pique-esconde, correr atrás de uma bola de meia na queimada, andar de carrinho de rolimã, brincar de boneca com as meninas da vizinhança, agora só em eventos muito especiais. O negócio é a segurança do lar ou dos condomínios fechados. Quem não tem ou não pode, bota na frente da televisão, porque lá fora é perigoso demais.

Sociabilidade amistosa é um negócio que a criança vai ter que aprender bem depois, talvez quando já estiver adulta ou madura ou velha, ou nem aprender, já que estamos rumo ao extremo do individual. Eu não duvido se criarem daqui a pouco uma maneira de customizar o mundo particular, aquele que está gravitando em torno do umbigo.

Uma pessoa equivale a um consumidor, a um cidadão, a um a mais na disputa por algum reconhecimento e aceitação. Um computador sempre cai bem na hora de distrair a criança e ocupar o seu tempo e não ocupar o dos pais. Por isso eu acho que eles tem feito a infância ir embora tão cedo. Quatro, cinco anos, já estão aprendendo a ler e a escrever, já se vestem como adultos, participam das conversas do mundo adulto, brincam com coisas de adultos (quando brincam), especializaram em muitos casos a mandar nos adultos, junto de tanta lei e tanta proteção que foi estabelecida para a sua guarda.

João e Isabel me surpreendem mais e mais a cada dia que tenho a oportunidade traduzida em alegria de conviver com eles. Tem 10 e 9 anos e são crianças no tempo certo. Uma raridade hoje em dia. Tem ainda imaginação de crianças, gostam de brincadeiras de crianças e podem ficar  deslocados do mundo das crianças justamente porque são crianças.

19 comentários:

Maria Emilia Xavier disse...

Esta crônica está demais. Como sempre você foi fundo sendo leve, claro e correto nas suas colocações. Adorei e concordo com tudo. Para mim, além da sua colocação, tem, também, por parte de alguns pais a revolta tardia do cerceamento de sua própria liberdade na infância e ao terem nas mãos as rédeas da educação de uma criança, tornam-se condescendentes demais, até mesmo permissivos e quando abrem os olhos, não gostam do que vêm. Pobres filhos...pobres Pais.

chica disse...

Muito beom,Cac´[a! Vamos cada uma!

Crianças que não tem empo pra nada pois pais acham que devem fazer inglês, capoeira, judô, balet, piano e outras pqp várias que ao final, nada acrescentarão a não ser uma precoce crise de sac cheio de tudo na vida.

É incrível.

Aqui, procuramos deixar o tempo pra brincadeiras e elas aparecem de forma maravilhosa. Agora mesmo, cedinho, ao levantar e entrar aqui na sala , passei por todos os castelos, aeroportos, bonequinhos construídos que Neno deixou "montadinho" ontem à noite. Coisas de criança, casa bagunçada. E daí? Eles crescem e a casa fica.pra que? Deixa rolar a bagunça criativa!!! abração,chica

Zélia Guardiano disse...

Que texo, meu querido Cacá!
Que texto!
" Não basta mais garantir a sobrevivência dignamente, tem-se que fazer o mundo notar nossa existência."
Meu Deus!
Aí está o resumo da ópera, amigo!
É essa a raiz de tanto sofrimento, que poderia ser evitado: bastaria a vida simples...
Cacá: vir aqui é muito gratificante!
Grata por tudo que você nos oferece, sempre!
Abraço da
Zélia

Denise disse...

Nossa, Cacá...esta tua legítima indignação - inconformismo, talvez - é o reflexo do pensamento de muitas pessoas que prestam atenção ao rumo que a contemporaneidade está determinando aos desatentos de seus comportamentos. A conta vem para os pequenos, grandes desde muito cedo, destituídos de seus direitos mirins, de suas travessuras de infância - e espírito de criança.
Adultos-crianças tardias...conhece? Resultado desse seqüestro do tempo, quando ficam latentes os mistérios que não foram desvendados (eles pairam sobre a gente), os assombros que não foram superados, as descobertas que não foram feitas, o aprendizado que não aconteceu. Muita gente nova-velha, descontentamento, frustração e aceleração..esta última, a marca impressa nessa geração, acelerada nas séries escolares, nas noites baladeiras, na vida precoce que aponta para os divãs...

Muito pertinente e profunda tua reflexão, adorei - assim como tua visita matutina e carinhosa.
Bjos e um ótimo fds!

Anônimo disse...

Dá até pena comentar, mas como diz o ditado popular, "quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". Poucos pensam na finalidade desta "dádiva" - e o resultado é a realidade dourada de covardia. Abraços!

pensandoemfamilia disse...

Excelente análise da realidade cruel das nossas crianças que precocemente são introduzidas na responsabilidade do mundo adulto ( cursos e compromissos diversos ), sem direito as suas descobertas através das brincadeiras. Percebe-se , inclusive, na moda, as crianças como mini adultos , desde os acessórios, calçados até as vestimentas.
No entanto, contraditoriamente, observamos a falta de responsabilidade no que é da sua alçada em relação ao contexto familiar ( guardar brinquedos, comer por conta própria, entre outras). Para mim, ao invés de se preparar para a maturidade, cria-se uma grande lacuna no desenvolvimento ser humano.
Abraços

Lúcia Soares disse...

Cacá, texto ótimo e verdadeiro.
Tenho 4 netos: um menino de 4 anos; uma menina de 2 anos; gêmeos de 2 anos. Absolutamente crianças.
Brinquedos espalhados pela casa; comida por conta deles, lambuzando-se felizes; só o mais velho está ne escola. Os outros ficam, a menina comigo e os gêmeos com a mãe, que abriu mão de trabalhar fora, pelo menos até eles terem mais idade.
Uma vida vivendo plenamente a infância, graças a Deus!
Com palmadinhas e tudo: melhor palmadinha hoje do que apanhar da polícia amanhã (li essa frase nem sei onde e gostei demais!).
Hoje é cada um por si, pais tentando enriquecer para dar tudo aos filhos, e não têm tempo de viver.
Dá-lhes escolinha, pois a mãe tem que exercer o sagrado direito de ser dona-do-seu-nariz e ganhar sua graninha; (claro que muita mulher hoje é pai e mãe ao mesmo tempo, total provedora do lar).
Post pra muitos desdobramentos.
Bom fim de semana!

Hugo de Oliveira disse...

Cacá,

Ano passado em uma visita de inspeção em uma escola, ao chegar na porta da sala de alunos do 2º ano do ensino fundamental, encontrei 9 alunos com celulares na mão.

Imagine só, alunos com faixa etária de 7 anos, com celulares e eram aparelhos bem avançados.

É certo que a escola errou ao permitir alunos desta idade com celulares dentro da sala de aula, na verdade aqui na rede de ensino é proibido a entrada de celular em qualquer série.

Mas, fiquei pensando no estrago que os pais dessas crianças, estão fazendo...alimentando cada vez mais o consumo na vida das crianças. Essas que já não brincam de boneca nem de carrinho...eles só querem mesmo computadores, celulares e até exigem que os pais assinem a TV a cabo, para assistir os diferentes desenhos animados.

Tudo mudou...não para melhor...E isso, me preocupa.

Não atuo com a educação infantil, mas sempre quando participo de mesas de debates que envolve esse nível de ensino, sempre gosto bater na teclar e exigir uma postura diferente dos pais e também dos professores.


Gostei muito da postagem.

abraços

Tati disse...

Oi Cacá, você, para variar, falando de questões importantes. O Bê é criança criança com toques de criança moderna. Sabe manejar um computador antes de aprender a ler. É um menino moleque, tolhido por morar em apartamento. Já desejei vesti-lo com roupas de plástico bolha, por que é muito levado, e tenho noção que preciso deixá-lo mais livre. Mas onde? Não existem mais ruas onde se pode jogar bola, existem? Não onde moro.
Às vezes me sinto criando um ET por evitar certas coisas tão naturais para crianças de hoje. Dançar Créu não dá, não é? Surreal!
Beijos.

Berzé disse...

Oi Cacá,
Seu texto, fluente e lépido como uma corrida de pique no Bichinho(aldeiazinha entre Tiradentes e Prados, num fim de tarde.
Bãodimais! Gostoso como uma broa de fubá em Capela Nova ou em Desterro de Entre Rios ou...
Abração!
Berzé

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Bom dia, querido amigo Cacá.

Amei! Essa crônica deveria ser lida pela maioria dos pais.
Tem até a ditadura do padrão de beleza, fazendo muitas mães levarem suas filhas pequenas ao salão, para se submeterem ao alisamento do cabelo, mesmo sabendo dos riscos causados pelo formol, etc.

Depois do salão, a criança vem mostrar tal façanha, em cima de um par de sandália de salto, e trajando roupa de adulto.

Ela anda de um lado para o outro, dá uma paradinha como se estivesse numa passarela, e espera que façamos algum elogio.

Assisto isso com frequência.


Um grande abraço. Tenha um belo domingo.

Betha Mendes disse...

Tudo verdade, e é uma pena que vemos a infância morrer cada dia mais cedo do universo infantil; pior ainda quando nem existem infâncias; nem é bom parar pra pensar como tudo isso vai acabar. Mas acho que muitos pais ainda podem refletir sobre o que podem deixar de essência para seus filhos!

abçs, Cacá

Betha

Mimirabolante disse...

" Toda criança tem direito a infância ".....faz parte do estatuto......contudo ,quem fiscaliza?????
bjcas amigo.......

Diogo Didier disse...

Oi querido!

Perdoe a minha ausência da blogosfera, mas estou numa fase louca de trabalho e estudo...assim q as coisas normalizarem eu voltarei para prestigiar seu lindo blog, tá?!


bjoxxxxxxxxxxx no coração!

Diogo Didier disse...

Ah! tem um presentinho q eu ganhei do qual quero compartilhar com vc...

Depois passa lá para pegá-lo, pois eu ganhei de todo o coração de uma grande amiga e quero repassá-lo para vc...

Bjoxxxxxxxxxxxxxxxx

Yo Neris disse...

Pois é amigo...Por tudo que você relatou aí, muitas crianças, hoje em dia, viraram criONÇAS.
É uma benção poder conviver com crianças de verdade, nos dias atuais.
Bjo no core

Beth/Lilás disse...

Cacá, sua crônica hoje está muito verdadeira e eu sinto isto também no convívio com as crianças que temos por perto.
O problema é que se criamos com muita proteção, fazendo-os ficar longe dos problemas e sem maldades, correm o risco de se machucarem por demais.
Acho principalmente que à criança deve ser dada a oportunidade de brincar mais do que estudar, pois depois a vida é só estudo e luta.
Então, na fase primária é tão bonito ver crianças brincando e agindo de forma livre, sem estarem ligadas em computadores ou joguinhos virtuais, que privilegiem os brinquedos e jogos criativos.
Gostaria muito de ver meus netos, mas acho que o filhão só quer saber de namorar mesmo. haha
bjs cariocas

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