Segundo a psicologia, o medo é um instinto humano que faz parte da luta pela sobrevivência. Aquilo que é conhecido pode balizar nossas atitudes e dividi-las entre coragem, precaução, ousadia e pavor. Já o desconhecido coloca limites mais radicais nos atos da gente. Costuma nos dividir entre aventureiros ou borra-botas. Acertei? Não sei. Tenho medo de afirmar categoricamente tudo aquilo que desconheço. O que eu sei é que quando criança possuía um medo exagerado de tudo. Não podia ficar no escuro, não gostava de brigas de braço, tinha medo de quedas, de ciganos, não entrava em bola dividida. Talvez por isso tenha feito xixi na cama até os doze anos. Mas isso é um quadro patológico que não vale a pena pintar como ilustração.
Se fosse nos dias de hoje, provavelmente seria tachado de covarde. Já pensou, eu, nessa idade com medo de tudo? Curei-me, creio, mais por necessidade do que por ousadia. Tenho ainda alguns medos, todos relacionados aos vivos, que desconheço mais do que o sobrenatural.
Houve um acidente com meus dois irmãos, um primo e um vizinho, dono do carro. Chamava-se Édio. O Seu Dico Batista, outro vizinho, viu aquele monte de crianças na porta da casa onde era velado o corpo , aproximou-se e nos disse que era para entrarmos lá, beijar os pés do defunto e pedir a ele que levasse o nosso medo junto. Era assim que funcionava com o desconhecido e com a incapacidade de nossos pais e educadores de lidar com os mistérios da imaginação e com a fantasia infantis. Veja que (contra)tradição: os mortos curando o medo dos vivos! E lá fui eu, tremendo feito vara verde visitar o mensageiro de meu medo para o além. Minha coragem só foi suficiente para encostar minha mão nos pés dele. Estavam gelados. Nunca imaginaria que alguém pudesse adquirir uma temperatura daquelas. O calor humano passou a ter para mim um duplo sentido desde então. Corri com meu medo de volta para casa e ele agora tinha se transformado em pavor.
Pouquíssimo tempo depois, veio a falecer o Seu Dico Batista. E foi no velório dele que, estranhamente despachei de vez um bocado dos meus medos. A morte naquela época ainda não era tão banal ou os sentimentos humanos não eram tão fugazes e efêmeros. Uma vizinhança em um bairro era como uma enorme família. Conversei do meu jeito com ele, expliquei-lhe que a sua recomendação com o Édio não havia funcionado e fiquei lá, a noite inteira e até a hora do enterro no outro dia para certificar-me de que, enterrando-o, o medo estaria em sua companhia e não mais na minha. Funcionou? De lá pra cá, não sei. Criei muitos mecanismos de defesa mas ainda tenho umas portas abertas que me deixam entrar medos dos vivos quando as relações se escondem nas mais misteriosas intenções.
Se fosse nos dias de hoje, provavelmente seria tachado de covarde. Já pensou, eu, nessa idade com medo de tudo? Curei-me, creio, mais por necessidade do que por ousadia. Tenho ainda alguns medos, todos relacionados aos vivos, que desconheço mais do que o sobrenatural.
Houve um acidente com meus dois irmãos, um primo e um vizinho, dono do carro. Chamava-se Édio. O Seu Dico Batista, outro vizinho, viu aquele monte de crianças na porta da casa onde era velado o corpo , aproximou-se e nos disse que era para entrarmos lá, beijar os pés do defunto e pedir a ele que levasse o nosso medo junto. Era assim que funcionava com o desconhecido e com a incapacidade de nossos pais e educadores de lidar com os mistérios da imaginação e com a fantasia infantis. Veja que (contra)tradição: os mortos curando o medo dos vivos! E lá fui eu, tremendo feito vara verde visitar o mensageiro de meu medo para o além. Minha coragem só foi suficiente para encostar minha mão nos pés dele. Estavam gelados. Nunca imaginaria que alguém pudesse adquirir uma temperatura daquelas. O calor humano passou a ter para mim um duplo sentido desde então. Corri com meu medo de volta para casa e ele agora tinha se transformado em pavor.
Pouquíssimo tempo depois, veio a falecer o Seu Dico Batista. E foi no velório dele que, estranhamente despachei de vez um bocado dos meus medos. A morte naquela época ainda não era tão banal ou os sentimentos humanos não eram tão fugazes e efêmeros. Uma vizinhança em um bairro era como uma enorme família. Conversei do meu jeito com ele, expliquei-lhe que a sua recomendação com o Édio não havia funcionado e fiquei lá, a noite inteira e até a hora do enterro no outro dia para certificar-me de que, enterrando-o, o medo estaria em sua companhia e não mais na minha. Funcionou? De lá pra cá, não sei. Criei muitos mecanismos de defesa mas ainda tenho umas portas abertas que me deixam entrar medos dos vivos quando as relações se escondem nas mais misteriosas intenções.
4 comentários:
Todos nós tivemos muitos medos em crianças. Algus ainda tenho.Mas os de agora são aqueles das maldades que os VIVOs (em todos os sentidos da palavra) possam querer aplicar ... abração,tudo de bom,chica
Meu caro, eu tive medo, assim como voce coincidentemente. Eu por sorte o entreguei ao meu padrinho Prudencio,que o levou mesmo, naqueles idos anos do medo da mulher de tábua, daquela nunca visitada rua e da loira do Bar do Parente,rsrs.Muito bom seu post.
Eu não tenho jeito, minha natureza é mesmo medrosa. infelizmente os tempos não tem colaborado para me dar mais um pouquinho de coragem, é que a coisa anda feia. Mas é assim, mesmo, de medo em medo, vamos levando essa vida de susto.
Abraços, meu amigo. É bom voltar por aqui.
Nossa, amei seu texto...
Sim, tenho também medos... antes do escuro, agora do obscuro... das pessoas que se escondem atrás de mascaras!
"Me livre de todo mal, amém!"
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