quarta-feira, 22 de setembro de 2010

RUI

(A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DA PESSOAL PORTADORA DE ALZHEIMER)

Bem em frente ao segundo portão do parque ecológico da Pampulha há uma casa que foi transformada em centro de acolhimento de idosos e doentes cujas famílias internam seus parentes por razões que cada qual deve ter a sua. Lá está o meu grande amigo Rui Dias. Eu sempre paro com a bicicleta para um descanso à entrada do parque. De vez em quando vou lá fazer-lhe uma visita.

Conheci o Rui quando fui trabalhar na cidade de Mariana, há mais ou menos uns vinte e cinco anos. Daquelas pessoas por quem a gente se encanta logo numa primeira conversa. Alegre, zeloso, responsável e, sobretudo, muito solidário. Viramos sindicalistas juntos, convivemos por muitos anos na empresa até a sua aposentadoria. Mas continuamos a amizade, mesmo porque ele morava a três casas da sede do sindicato e estávamos lá todos os dias. Viajamos muito juntos, festejamos muita coisa juntos, estivemos em muitas lutas sindicais e da comunidade juntos. Um grande homem. Eu nutria por ele o respeito de um pai. Na época eu tinha 22 anos e ele já se aproximava dos 40. Depois virou uma espécie de irmão mais velho. Ele tinha um cuidado de pai com os rapazes mais jovens e tinha filhos pouco mais novos que eu.

Ele tem Alzheimer . Quando eu soube, já havia me aposentado também e me mudado para Belo Horizonte. Passava todos os dias na porta do seu novo “lar” e só vim a saber no ano passado que ele estava naquelas condições. No dia em que resolvi fazer-lhe a primeira visita foi um choque que até hoje não consigo encontrar palavras que expliquem. E preciso encontrar? Não sei. Entrei temeroso do que veria. A sua esposa havia me alertado de que ele  provavelmente não me reconheceria e o seu estado era desolador. Quando entrei numa grande sala, com vários idosos em cadeiras de rodas, em camas no quartos e ele sentado em um sofá, amarrado por lençóis já impliquei com a enfermeira do motivo daquele mau trato. Ela me disse que era a forma, às vezes necessária de alimentá-lo sem que quebrasse os utensílios ou quando ficava agressivo com as pessoas. Era melhor do que entupir-lhe de sedativos. Senão também à noite teria que dar mais sedativos para garantir o seu sono e o dos demais. Uma forma de não conduzir o tratamento apenas com remédios que apenas aliviam os trabalhos das pessoas e menos a situação do paciente.

Conversei com a enfermeira chefe do lar, recebi as explicações da evolução do problema, das poucas esperanças de progresso e sai o mais rápido que pude. Voltei à pracinha da entrada do parque e ali recebi a emergência do choro incontido. Tive que ser amparado pelo porteiro do parque que me imaginou estar sofrendo algum mal súbito. Era um desabafo de quem mesmo presenciando tal cena se recusava a crer que tão repentinamente as faculdades possam se esvair em uma insanidade incontrolada, incurável e progressiva. Nem tanto a caminho da morte, mas a caminho de um aumento do descontrole e da vida vegetativa.

No dia de seu aniversário em agosto, gravei uma música que ele sempre pedia para que eu tocasse ao violão quando estávamos em alguma festa ou rodas de bar, O CUITELINO, com Pena Branca e Xavantinho. Era a sua música predileta, sempre nessas ocasiões tinha que cantar no início e no encerramento da festa. Normalmente o dia 22 de agosto era comemorado em sua casa. Tínhamos 5 amigos que faziam aniversário nesse dia e ele fazia enorme questão que fosse comemorado em sua casa. Com muito churrasco, violão e amigos. Era o seu evento mais importante do ano.

Eu fiquei pensando em como classificar esse texto para publicação. É uma homenagem? Uma carta? Uma mensagem de alento ou de lamento? Ontem, dia 21 foi o dia mundial que a medicina – apenas - e os parentes de pessoas portadoras se voltam para uma reflexão mais profunda sobre o Mal de Alzheimer.  Classifico então este texto como um alerta (já que meu desabafo foi feito) para os cuidados e prevenções necessários para que tenhamos uma velhice somente com os problemas naturais e sociais dela decorrentes no nosso mundo. Sem mais esse sofrimento. Indico a leitura  do blog da Maria (Divagar Sobre Tudo Um Pouco) tratando do assunto. Clique AQUI


7 comentários:

chica disse...

Essa doença chega de mansinho e pode pegar calmamente, sem que percebamos...

Dá uns sinais, não damos bola e assim ela se instala.

Pena tudo isso!É triste!abração,chica

Celina disse...

É Cacá, é muito triste a gente ve a pessõa que a gente convive e ama e perdendo a sua identidade, passei por issi com a minha mãe, e agora a minha nóra está passando pela mesma doe, o pior que vai vivendo todas as etapas da doença, começa com o esquecimento, depois a agressividade até esquecer de andar. e preciso pacienccia e muito amor de acompanhar tudo isso sem o desespero tomar conta de nós. as outras recomendações encontraremos do blog da Maria, como vc informou. Deus nos dá o alento para enfrentar-mos tudo,paciencia e muito amor . um abraço carinhoso Celina.

Zélia Guardiano disse...

Cacá
Estou encantada por ter encontrado este seu espaço.
Maravilha!
Gostei demais de tudo que aqui encontrei.
Este post sobre esta doença tão cruel, é de suma importância...
Grande abraço!

pensandoemfamilia disse...

Olá
Desafado necessário. Esta é uma doença desestabilizadora. O apagar das luzes mansamente, é o despersonalizar- se. Prevenção???
É um cuidar a vida inteira de tudo que nos afeta.
o doente e afamília sofrem muito.
Abços.

Mulher na Polícia disse...

Meu amigo...

Isso mexeu muito com você e eu senti também, pela leitura, um pouco da sua dor e a daqueles que convivem com pessoas nessas situações.

O seu texto certamente sensibiliza para o problema. Também espero que a medicina avance no sentido de achar uma cura para tanto sofrimento humano.

Um beijo.

Elaine Barnes disse...

ACABO DE VER NA TV UMA REPORTAGEM SOBRE O ASSUNTO ENQUANTO ABRIA SEU BLOG.COINSCIDÊNCIA? SEI LÁ! ESSE MAL RONDA AS MULHERES DA MINHA FAMÍLIA.É MUITO TRISTE PASSARMOS A VIDA APRENDENDO E EVOLUINDO PARA DEPOIS PERDERMOS A CONSCIÊNCIA DE QUEM SOMOS E FOMOS. MONTÃO DE BJS E ABRAÇOS

Adh2BS disse...

Prezado amigo;
Meu sogro padeceu dessa doença e veio a falecer (em decorrência de outras coisas) na mais absoluta solidão (não dessa de não ter gente em volta...). Alheio a tudo e a todos. Que fazer? O que o destino nos reserva, só Deus pode saber. E nós, em relação àqueles atingidos por essas doenças, só podemos fazer a nossa parte manifestando o carinho e amizade que a pessoa nos merece.
Grande abraço,
Adh

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