terça-feira, 14 de setembro de 2010

FALANDO SOZINHO II

“Não blasfemo, não pondero, não tolero lero-lero, devo nada pra ninguém”
(Trecho da música Lero-Lero, de Edu Lobo)


A Silvia começou o papo depois do café da manhã naquela mesa com uma meia dúzia de quase idosos, mais duas adolescentes e, é bom que se diga, nenhuma criança:

- A gente vai envelhecendo e vai perdendo a paciência com tanta coisa... Eu, por exemplo, não tolero criança birrenta. Foi de pronto, emendada pela Marieta:
- Que nem eu. Detesto ir a casas onde têm crianças. É barulho demais!

Só uma pausa: a gente ouve tantos adultos dizerem que não agüentam a intolerância e a indiferença dos outros adultos, que as crianças são o símbolo da ternura, o resgate da pureza, da inocência, são a esperança de um mundo melhor e depois tem que ouvir quase das mesmas pessoas essas barbaridades. Estranho mundo!

Um dia eu comprei uma briga de um tamanho que nem conto. Foi pelo fato de ter afirmado ironicamente que sempre achei ser a babaquice algo que se curava com a idade. Dei razão para a pessoa que brigou comigo. Não cura mesmo. No final a gente acaba sendo o que foi a vida inteira. Se foi intolerante, não será a velhice que vai agraciar com paciência.

O envelhecimento por si só não ensina nada além de horários para tomar medicamentos. É preciso ir cultivando os aprendizados como um agricultor e não como um bóia fria diante da plantação. O agricultor ara, semeia, aduba, planta rega e colhe. O bóia fria só colhe a troco de migalhas para a sobrevivência. Não participou do processo, não se envolveu com os maravilhosos mistérios da terra, não viu as pragas, não ficou apreensivo com excesso de sol ou falta de chuvas. Não é demérito para o bóia fria, afinal ele é contratado com o fim específico da colheita. É apenas uma analogia sobre o processo de aquisição de conhecimento que leva ao discernimento, com o aprendizado da tolerância, com a convivência com as intempéries, com a necessidade de aprender a tomar decisões. Na safra seguinte, o agricultor sempre tem idéias mais interessantes para a terra.

Do mesmo modo é o agricultor predador, que só se preocupa com uma safra. Chega, derruba o mato, bota fogo, planta, não se cerca dos cuidados necessários a uma boa colheita, provavelmente não vai tê-la e para a safra seguinte, sua terra provavelmente vai estar enfraquecida de nutrientes e ele, ou vai embora o vai gastar muito para recompor o solo que ele mesmo estragou.

19 comentários:

chica disse...

Essas conversas sozinho são muito legais e produtivas.

Há tanta intolerância em todas as idades...

E quanto aos agricultores, como em geral, os humanos, vão destruindo em nome da construção e nemse mancam...

abração,lindo dia,chica

Tati disse...

Oi Cacá, tão boa sua reflexão. É muito romântico mesmo imaginar que só por que envelheceu uma pessoa está melhor. Envelhecer não significa, necessariamente, amadurecer. São coisas distintas.
Entendo o que disse. Sem reflexão, sem autoanálise, somos apenas os velhos, com horários para medicação. Crescer é outra coisa...
Muito bom! Pensarei mais nisso ao longo do dia. Beijos.

Elaine Barnes disse...

Essas prosas são uma delícia.Eu percebi que a pessoa que era paciênte,tolerante,bem humorada e amável envelheceu assim. Minha bisavó era 10 e todos os filhos quiseram ficar com ela quando envelheceu, Tinha que ficar um pouco na casa de cda um. E as pessoas que foram intolerantes,inflexíveis e chatas envelheceram assim e agravaram muito mais as características na velhice.Tem gente que não aprende nada uai! rs... Crianças birrentas e mimadas também não tenho paciência nmão . Montão de bjs e abraços

CESAR CRUZ disse...

Pois é, Caca. E eu que já sou um velho rabugento aos 40? Entrei na envelhescência, amigo!

Sim, li seu livro e, de certa forma, fez-me rir dessa lástima que é o turbilhão do tempo, a correnteza que carrega os dias, o. cabelos (como disse Joião Cabral de Melo Neto)...

abraços pra vc
Cesar

pensandoemfamilia disse...

Muito boa sua analogia do agricultor com o envelhecimento. Tudo é um processo- Vás envelhecer conforme viveste- Amadurecer requer trabalho incessante no autoconhecimento.

Toninho disse...

Perfeita sua cronica em dosi tempos,como voce sempre sabe fazer, o que torna suas cronicas degustaveis com prazer.Sentir o cheiro da terra,tocar nesta e vê-la no processo de gestação é algo mesmo inimaginavel.Arrancar é simples né? Envelhecer é nao deixar de ser a crainça que deve permanecer por toda vida dentro da gente.Um abraço amigo com toda paz e sorte.

Ester disse...

Ah, Cacá!

É tão bom te ler, sabia?!
Tenho sempre a impressão de estar sentada com vc em uma mesa mineira, cercada de pão de queijo e café feito na hora.. humm!

Sua conversa é das boas, não só agradável, mas também reflexiva, daquelas que a gente matuta e aprende...

Acrescentaria apenas que a maturidade além de tudo acentua as manias e excentricidades..rs
mas se formos espertos faremos uma boa colheita..

Abraços, da amiga,

Hadassa Mar (Recanto)
Ester

Mariana disse...

Eu falo comigo mesmo, hehehe
e só não chega a velhice, quem morre jovem.
Um dia nós chegaremos.

Tais Luso de Carvalho disse...

Pois eu acho que os nossos defeitos, na velhice, só se agravam! Você já viu alguém rabugento e mal-humorado ficar bonzinho na velhice? rsrs. E quanto às crianças... Detesto aquelas mimosas que berram no lotação, que pulam e gritam nos supermercados e que são desaforadas com os estranhos. São reflexos dos pais, coitadinhas. Não sei não, mas não tenho um pingo de paciência... Vá querer me mudar agora!?
Estás como meu blog da semana, no banner divulgando os amigos!
Beijos, Cacá.

Isadora disse...

Cacá, quanta verdade. A melhor idade nào significa que todos os defeitos de uma vida como passe de mágica serão trasformados em qualidades. Esse é o esforço que temos que fazer, hoje, ou melhor ontem. Ou seja estamos atrasados!
Um beijo

Mari disse...

Oi meu amigo...

Que dera envelhecer trouxesse só sabedoria né?
Gostei da crônica...
Deixa te contar um segredo eu vivo falando sozinha rs
Beijos

Neca disse...

Perfeita a analogia, Cacá!
Como sempre, um grande cara produzindo um grande texto. Beijocas.

Sandra disse...

Deixei um carinho bem especial para vc neste cantinho,,,
http://sandraandrade7.blogspot.com/
Espero que goste. Carinhosamente agradeço a sua visita na cueriosa e também na Interação de Amigos.
Um forte abraço, amigo
Sandra

Celina disse...

Oi cacá bom dia, li a sua crõnica, gostei , só acho uma coisa cada pessõa é diferente, é um mundo a parte, sempre gostei muito dos idosos , tive oportunidade, como voluntária de conviver entre eles encontrei velhinhos que era um amor outros rabugentos, deficil de lidar, quanto a crianças elas tem muita energia, precisa tambem de pessõas de muita energia tambem e paciencia, para mim chega os filhos e os netos que ajudei a crialos, exgotei a minha cota. adoro crianças mais no colo das mães.Abraços Celina.

Jaime Guimarães disse...

Cacá,eu tenho um rascunho de texto perdido por este HD detonado e cheio de música que faz uma pergunta: estamos nos tornando muito rabugentos? Talvez um dia eu publique.

Reclama-se de tudo que é novo ou atual e fala-se com tanta nostalgia do passado, do "seu tempo", nos tempos de outrora, de como eram perfeitos e como hoje as crianças e jovens são "péssimos".

Isso sempre vai existir. Vejo amigos da minha faixa etária que reclamam "dos jovens de hoje" e "não suporto essas crianças de hoje" e "no meu tempo era bom" e...

Estranho isso. Obviamente não quero generalizar, mas venho acompanhando este comportamento principalmente porque trabalho com educação e vejo (muitos) pais e (muitos, também) colegas professores com certa intolerância. E não é fácil, realmente, lidar com centenas de crianças em um espaço reduzido. Mas também ficar reclamando e sonhando que "no meu tempo era bom" e não procurar entender e compreender o porquê de certos progressos...bem, para que serviram os anos e anos de experiências, não?

Abs!

Gato Vadio disse...

...e eis aqui, o mestre Cláudio encantando-nos no Google! E eis-me aqui, aplaudindo-o, com vigor! Abraço do Jorge.

Adh2BS disse...

Prezado!
Que delícia de crônica. O amigo é especialista na matéria, haja vistas o livro... Endosso tranquilamente as assertivas do amigo, esclarecendo inclusive ser esta uma característica (ou mania?) desde muito tempo - apoiar entusiasticamente tudo o que me agrada. O que vem a confirmar a tese elaborada na crônica... :-)
Abração,
Adh

boutique de ideias disse...

Ah, Cacá, vc sempre sábio!!!!! Concordo plenamente com sua reflexao, vai dizer que fez tudo errado, ou, exerceu suas piores bestialidades na juventude, pensando em repará-las depois, na plenitude da "sabedoria"? Resguardados por ideias ainda mais inflexíveis, intolerancia, impaciencia, esperando que as pessoas o aceitem e respeitem a voz de sua experiencia? Nao cola, isso nao me convence, acho que se nos preparamos agora, temos mais chances de chegarmos melhores amanha, mas há que exercer!!!!! Beijao grandao!!!!!

Web Statistics