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Uma vertente da psicologia diz que aquilo que não conseguimos resolver em nós mesmos, colocamos na conta de destino. Pois quis o destino que por uma desavença mal curada entre um casal, o filho viesse a ter o nome que acabou sendo a expressão quase gramatical da pendência. A mãe queria homenagear seu próprio pai, o avô do menino e propôs que se chamasse Juvenal. O pai, dono, senhor da razão e das verbas de manutenção da família encasquetou que seria Lídice. Esse nome era uma homenagem às suas origens ancestrais, lá de uma pequena cidade da antiga Tchecoslováquia de onde sua família havia fugido para o Brasil da perseguição nazista durante a segunda guerra. Não chegaram a ir às raias do tribunal mas o menino veio a se chamar Júdice. Era o resultado de um mal costurado acordo através das junções de sílabas e partes dos dois nomes desejados por cada um.
Não viveu “sub judice” mas por influência do meio tomou gosto pela encrenca ao longo de sua existência. Durante o seu périplo pelo mundo suas inquietações pareciam ser uma transferência genética do nome para o biotipo, para a psique e para o tipo social em que se transformou. Quanto ao físico, a característica mais marcante era o olhar desconfiado, além de um inseparável boné que usava com a aba sempre virada para trás ou para um dos lados. Para frente, dizia ele, atrapalhava a sua visão apurada. Com isso queria indicar que seu olhar fazia parte da sua perspectiva notória de que para tudo o que olhasse tivesse um potencial de resolução imediata ou questionamento idem.
No aspecto psicológico, exibia um quê de superioridade de conhecimentos acerca de qualquer assunto que lhe caísse aos olhos ou ouvidos. Sempre com a inconfundível exclamação de autoridade: “Péra lá! Deixa que eu resolvo”. Esta expressão antecipava o que ele considerava ser essencial: dar a sua opinião antes de alguém prosseguir com qualquer afirmação, negação, explicação ou até mesmo a continuação de um caso qualquer que estivesse sendo dito, ainda que o assunto não fosse de sua alçada e nem se a conversa não fosse com ele.
Socialmente se engajou no movimento do grupo de jovens da igreja do bairro e não demorou a ser convidado a sair, pois achou que com o tempo e sua argumentação persuasiva podia mandar mais do que o padre. O capelão, desconfiado e experiente, precaveu-se:
- Vai que esse menino daqui a pouco resolve encarnar Jesus...!
Convocou-o para a função de coroinha, o que foi prontamente negado. Júdice achava muita subserviência para sua ampla noção de mundo. Tocar sino, carregar hóstia, vinho e demais apetrechos de missa para ele era função de menor importância.
Nas primeiras séries da escola e com um talento desse tamanho para a contenda todos apostavam que ia ser um advogado, um juiz, um doutor das leis mundanas. No segundo grau de antigamente, aquela faixa de escolaridade que antecede o ensino superior, resolveu estudar eletricidade para desespero dos pais. O pai, dizia, aflito para a mãe:
- Meu Deus, esse menino vai incendiar meio mundo! Imagine ele questionando um polo negativo e um positivo que tem de se unir para gerar eletricidade... Se não for de sua concordância, vai ser curto circuito na certa!
Mas ele parou os estudos por ali mesmo. Encantou-se tanto com os mistérios dos elétrons, prótons e nêutrons formando campos magnéticos invisíveis, porém transformando-se em movimentos, luz e calor visíveis e sentidos que abandonou o sonho da família. Assim como o dito destino tem suas ironias, o predestinado também aprende a dar seus dribles na sina. Era mais uma maneira de mostrar sua autoridade, independência e prazer pela querela. Júdice era seu nome tal e qual era seu modo de viver.
21 comentários:
"Fí-lo, porque quí-lo".
Honestamente, Cacá? Fiquei com medo que o Júdice se voltasse para a política.
E, ao final de tudo, acabou se mostrando doutor de sua vontade, mesmo se desviando de sua natureza. Quis assim, fez assim.
Perfeito, Cacá. Conto excelente, como de hábito. Bom dia.
Marcio
Linda e bem bolada tua crônica.JÚDICE , como disse Marcio , na política e nóis, si.......rssss
aabração,chica, num dia especial, o filhão tá chegando depois de 3 anos e meio sem o ver,,,Imagina!!!
Com frequência, pessoas com força de vontade e originalidade são vistas como egoístas e autoritárias. Mas, na verdade, são pessoas que não se deixam afetar quando existe oposição às suas ideias ou ações. Abraços!
Te visitar é sempre a certeza de dar com uma história bem contada. Amei seu "Júdice".
Muito obrigada pelo comentário em (Con)fluir. Nós poetas devemos seguir cantando e denunciando as injustiças dessa Terra. E se pararmos, as pedras o farão.
Um Abraço
Norma
Que texto inteligente, bem humorado e autêntico, Cacá! Amei! Agora esse termo "sub judice" e até mesmo esta crônica e o nome Júdice ficarão na minha cabeça pra sempre ...rsrsrs Acho que é assim que se educa e se ensina! Um bjo!
Cacá,
Adorei!!! Bjin procê e ótimo findi.
Cacá...
Imagina um certo policial que conheço cujo nome (de identidade) é Carrasco, respondendo perante o meritíssimo por algum "mal entendido"...
kkkkkkkkkk
Beijos Cacá!
Cacá, meu amigo, que bom retornar ao convívio dos amigos com tão boa crônica. Sem dúvida Júdice é mais um daqueles incompreendidos. Tudo na sua medida, é claro, mas acredito que pessoas com ele é que conseguem promover mudanças ou alteração da ordem vigente.
Um beijo
Um predestinado. E o que dizer de um sujeito com um "Lula" no nome?
Nossa Cacá que história boa viu.
Gostei.
abraços
de luz e paz
OI CACÁ, ESTAVA COM SAUDADES DE VC E DAS SUAS CRÕNICAS SEMPRE BEM CENTRADAS, ESTA DE HOJE É ÓTIMA. OBRIGADO PELA VISITA E O COMENT´RIO SEMPRE AMAVEL. UM FINAL DE SEMANA BEM LEGAL PARA VC. UM ABRAÇO CARINHOSO, CELINA.
Oi, Zé! Agradeço o comentário que deixaste no meu conto A Espera, com a letra de uma canção do Vander Lee. Esse seu comentário me deu a oportunidade de voltar os ouvidos para esse artista. Eu não conhecia a canção, mas, curiosamente, a tinha. Por isso mesmo demorei a responder, pois quis, antes, ouví-la com calma, sentir seu espírito. Da última vez em que estive no Brasil, uma amiga me deu um CD dele, recomendando-me ouvir com atenção e garantindo que eu ia gostar. Bom, ano vai, ano vem e foi preciso você, com seu comentário, atiçar novamente minha curiosidade para que eu, finalmente, pusesse o CD pra tocar, e tocar à moda antiga, na vitrola, não no computador, como mero fundo musical. Já conhecia uma canção dele gravada pela Rita Ribeiro (Contra o Tempo, se não me engano). Gostei desta música desde a primeira vez que a ouvi, mas não me toquei para o compositor, como quase sempre acontece… Que vergonha!! :-). Bom, a história da "passarela" do Vander Lee é bem mais pra cima, muito diferente de um dos climas que tentei transmitir no meu conto. No entanto, se a história remeteu você a essa doce canção, toda interpretação é válida! Quanto ao Júdice, melhor mesmo é pesquisar e pensar ( e muito bem!) antes de sair-se por aí dando qualquer nome aos filhos. Eu, hein?! No mais, um grande abraço fraterno e até a próxima! :-)
Que bom que nesta crônica, va deu ao seu personagem o rumo da individuação, pois normalmente as marcas das histórias enrijecem e paralisam.
Abços.
Já dizia Nelson Rodrigues: " nome é destino"
E ele tinha lá suas razões,este Júdice era o bam-bam-bam rss
ótimas como sempre suas crônicas
abração Cacá
Cacá, você tem o dom de criar personagens, eles são ótimos! Tem complexidade, humanidade, um quê a mais que os torna especiais.
Adorei conhecer o Júdice, conheço alguns que andam soltos por aí, quis o destino que tivessem outros nomes na certidão... mas não escondem a quê vieram!
Obrigada por seu carinho no comentário, ontem. Amei o presente, me deixou emocionada.
Beijos.
Oi, Cacá, tudo bem?
Sou fã desse Júdice desde já! haha
Parabéns pelo texto, pela elaboração da personagem! Sem dúvida esse nome não sairá tão fácil da minha cabeça. Eu adorei! rs
Grande abraço.
Bem amigo adoro ler as suas crónicas são sempre excelentes.
Tenha um fim de semana, maravilhoso.
beijinhos
Maria
Voltei aqui pra dizer que o pesoal chegou bem foi lindo, emocionante o reencontro e venho aqui quando eles dormem ou fazem os seus próprios programas,mas veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeenho...pode deixar!rsrs
faz parte do nosso dia!abração,tudo de bom,chica
Cronista Cacá, eu não poderia deixar de vir lhe desejar um final de semana legal,legal. E mais uma vez, renovar o meu apreço pelo seu blogue.contunue a comentar lá no nosso blogue sem medo de ser feliz. rsrsrs
Abraços de verdade
Fique com DEUS
Muito bem, Cacá! Sempre é bom lembrar que não temos que ser como os rótulos que nos empregam. Muito bom. Peço permissão mais uma vez para tomar emprestada sua crônica e postá-la no meu blog.
Abraços!
Tô aqui lendo e admirando: 21 comentários? Mas também o texto prendeu a minha atenção do começo ao fim.
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