terça-feira, 13 de setembro de 2011

LER NÃO CAUSA L. E. R. * - Fábio Fujita



O torneiro e o poeta
Inspirado por Drummond, metalúrgico quer viver dos seus versos

por Fábio Fujita


Há três anos, quem ousasse falar de poesia a Rodrigo Inácio seria recebido com um olhar atravessado de reprovação. Era melhor que ficasse longe, guardando um perímetro seguro do interlocutor. O jovem metalúrgico tinha uma opinião fechada sobre quem gostava de versos e rimas. “Eu achava que poesia era coisa de viado”, lembrou, sem tergiversar. Tudo mudou quando precisou correr atrás de palavras definitivas para se dirigir a uma moça. Ciente das próprias limitações lexicais, viu-se obrigado a consultar o grande repositório da sabedoria universal e foi ao Google. No campo de busca, Inácio digitou “Frases bonitas”. No primeiro clique, deparou-se com o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Os versos que leu na tela não contribuíram para melhorar seu juízo sobre os poetas. “O cara deve ser idiota para escrever um negócio desses”, concluiu, no que foi a sua primeira crítica literária.

Inácio não se deu por derrotado. Por ironia, acabou gostando mesmo foi
de um verso atribuído erroneamente a Drummond na internet – aquele que
diz que “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional”. Aquilo, sim, soava bem. Esmerou-se na escolha da fonte e despachou o verso à sua bela, que respondeu dizendo ter achado “interessante”. A reação foi suficientemente animadora para incentivar Inácio a gastar mais Drummond para cima da moça – agora do legítimo, não do falsificado. Num sebo, comprou O Amor Natural para dar-lhe de presente. Não sabia, claro, que aquele era o livro de poemas eróticos do autor, no qual línguas lambem pétalas vermelhas e o poeta suga e é sugado pelo amor. O rapaz se envergonhou de lembrar do caso. “Você é um besta de me mandar um livro daqueles”, foi a resposta que a menina lhe deu.

Para não repetir gafes dessa magnitude, Inácio passou a estudar com
afinco a obra de Drummond. Ficou abismado quando leu “Memória” (“As coisas tangíveis/ Tornam-se insensíveis/ À palma da mão/ Mas as coisas findas/ Muito mais que lindas,/ Essas ficarão”). Era muita frase bonita para um poema só. Inácio ficou de bem com o autor mineiro. Mas continuou encucado com “No meio do caminho”. “Só depois de passar um longo tempo amistoso com Drummond é que fui entender e gostar desse poema”, explicou, em um notável exercício de revisão no qual muitos críticos deveriam se espelhar.

De Drummond para outros autores foi um pulo. Inácio continuou
exigente. “Vinícius de Moraes era muito mulherengo”, não demorou a constatar. Experimentou também um pouco de prosa. Encantou-se com Clarice Lispector. Gostou de A Hora da Estrela e A Paixão Segundo G.H.  “Acho que, no fundo das palavras dela, há um certo tom de feitiçaria”, ponderou. “Ela era bem doida. Tadinha, morreu de câncer.”

Aos 21 anos, Inácio mora em Diadema, na periferia de São Paulo. Para
ir e voltar do serviço, no bairro do Ipiranga, na capital, pega seis conduções diárias, entre ônibus, trólebus e trem. Estudou só até o 3º ano do ensino médio. Como preparador de torno no ramo industrial, ganha dois salários mínimos. Mesmo assim, pagou 200 reais num raro disco de vinil intitulado Antologia Poética, em que Drummond declama seus versos.

Sem receio de melindrar seu ídolo, Inácio disse que queria comprar
também o disco de poemas de Cecília Meirelles. “Mas o dela está a 450”, lamentou, após pesquisar na internet. A triste verdade é que os áureos dias de Drummond já se foram. “Hoje gosto mais da Cecília”, admitiu o torneiro. “Não estou desmerecendo Drummond, mas a Cecília, além de ser linda, muito linda, escreve muito bem”, derreteu-se.
 
Para o jovem metalúrgico, o único problema com sua paixão pela poesia é
não ter com quem conversar. No serviço, há quem ache que Rodrigo nácio é viado. “Mas eu não ligo”, assegura. A única pessoa com quem fala sobre poemas é uma garota que conheceu num ponto de ônibus. Ele puxou assunto quando viu que conhecia o livro que ela lia – Pollyanna. “É sobre uma menina bobinha que acha que tudo no mundo é belo”, explicou.

Com familiaridade crescente com as letras, era natural que Inácio
acabasse tendo vontade de desenvolver sua própria produção poética. Começou a fazer poemas, alguns sobre amores malfadados, outros inspirados pelas coisicas do cotidiano. “Já escrevi um poema porque vi um pássaro voando.” Diz já ter pelo menos uns trinta. Tudo na gaveta. “A crítica é inevitável, mas tenho medo de as pessoas acharem os poemas tristes”, alegou para justificar o ineditismo. Mas o pior mesmo, disse o torneiro, é quando alguém lê e não entende os versos. Poesia não é remédio para precisar de bula.

O poeta Rodrigo Inácio hesitou, mas criou coragem e mostrou alguns de
seus escritos tirados de uma pasta. Um poema chamado “Canção esmorecida” trata da insignificância da existência e da passagem
inexorável do tempo.

“Apenas uma árvore triste que sou
Tão fria e tão silenciosa
Que não sente o tempo passar
Que não sabe se ama ou gosta”,

dizem os primeiros versos. A estrutura se repete nas estrofes seguintes. A última delas é melancólica: 

“Apenas uma simples hera que sou
Que olha o mundo inteiro passar
Que observa cada rosto
Mas que não sabe até quando irá durar.”

O uso de “hera” e outros termos do registro mais erudito é herança
daquele que um dia desdenhara. “É Drummond.” Inácio gostaria de trocar o torno pela pena. Chegou a pedir a uma amiga, que é professora, aulas particulares de metrificação. Como pagamento, está disposto a oferecer o próprio disco do Drummond, o seu maior tesouro.

Daqui a um ou dois anos, pretende largar a metalurgia e começar a
trabalhar com tecnologia da informação, uma carreira que paga bem e lhe permitirá conciliar a sonhada faculdade de letras. Para isso, será inevitável estudar ciências exatas para o vestibular. Inácio não vê essa perspectiva com serenidade. “O cara que descobriu a matemática, mano, tem que morrer de madeirada”, queixou-se. Vai ser uma pedra no seu caminho.







Fonte: retirado da revista Piauí. (clique aqui)
* L.E.R. Lesão Por Esforço Repetitivo

32 comentários:

Kunti/Elza Ghetti Zerbatto disse...

Bom dia Cacá!
Obrigado pelo carinho e energia positiva.
Amei a experimentação de estar na Bienal.
Estou me organizando por aqui e depois contarei e postarei as novidades.
Super interessante o texto sobre o Inácio!
O pior é que infelizmente a maioria das pessoas tem uma visão errônea sobre a poesia.
No fim das contas, ele por causa do interesse na moça acabou descobrindo outra vocação.
Uma excelente semana para ti.
abração com carinho

Meire Oliveira disse...

Cacá, querido amigo adorei a história do Rodrigo Inácio. Fiquei encantada. Muitas pessoas têm esse preconceito com a poesia e ela nada mais faz do que olhar a vida com olhos diferentes. Eu por exemplo não uso mais os meus olhos pra enxergar e sim os dela. Estou escrevendo um texto sobre minha fome de leitura e me lembrei do seu bloguito que sempre traz esse tema que tanto me agrada a alma. É engraçado ver que quando escrevemos acabamos deixando nas palavras um pouco das influências que temos.

Lindo dia pra ti, bjokitas mil :)

Toninho disse...

Sensacional o Inacio,que tem a cara de muita gente,que vê na poesia coisa de viadinho,rsrs.Ao mesmo tempo temos a critica de como as escolas pecam ao apresentar os poetas sem a sensibilidade de escolher o texto que faça inspirar e gostar.Mas o torneiro que descasca o aço, afrouxa-se o coração e se inspira em descascar as palavras que se esconderam nas suas memorias,fazendo coisas belas e não findas.
Um abração amigo.

pensandoemfamilia disse...

Um conto que revela miutas identidades por aí perdidas. Adorei como descreve a trajetória do protagonista. A vida nos revela muitas surpresas, até sobre nós mesmos.
bjs

Vera Lúcia disse...

Olá Cacá,
Muito bom o texto sobre o Rodrigo Inácio.
Já ouvi muita gente dizer
que poesia é coisa de "boiola".
Somente quem ama a escrita e a poesia tem capacidade para avaliar o encantamento que elas nos trazem.
Deve haver muito gente por aí que ainda não teve a oportunidade de se descobrir poeta, como o Inácio.
GRANDE ABRAÇO.

Anônimo disse...

Olá José, ouvi dizer que o brasileiro está frequentando mais a bienal, acho que a internet com livros em pdf ajuda as pessoas se interessarem mais e assim o jeitinho brasileiro vai se entrosando rrsrsrs. Abraço Cy.

Néia Lambert disse...

Bom seria se todos, ao terem o primeiro contato com a poesia, também desenvolvessem essa familiaridade com as letras.
Gostei muito da história!

Um abraço.

Smareis disse...

Bom tarde Cacá! Adorei ler a história do Rodrigo Inácio. Conheço muitas pessoas que tem preconceito ainda com os livros de poemas e poesias,e acham que só boiola tem essa sensibilidade de ficar encantado com essa leitura.Só lendo , e sentindo a poesia é que ela consegue mudar o seu conceito. Apreciar uma poesia e ver a vida de outra forma, uma beleza que pouco consegue ver. Que bom que ele se descobriu poeta.Um abraço!

Smareis

chica disse...

Que lindo texto,Cacá e ler coisas assim, só podem fazer bem! abração,chica

Eva disse...

Adorei Cacá e assim Inácio vai se desafiando, como tinha o preconceito inicial com as letras, enfrenta agora o preconceito com a matemática, mas é curioso o suficiente para enfrentá-lo e profundo o suficiente para insistir até gostar, gostei do Rodrigo Inácio,prova que numa questão de oportunidade precisamos apenas aproveitá-la,parabéns Cacá.

Valéria disse...

Oi Cacá!
Que maravilha!
O despertar para e pela poesia é mágico. Feliz encontro do Rodrigo que certamente é uma nova pessoa, muito a frente de sua realidade.
Renasci com ele.
Abraço!

MARILENE disse...

Como somos instáveis e indefiníveis (rss)! Que maravilha isso! Um interesse puxa outro e acaba nos descortinando um mundo antes desconhecido e maravilhoso.
Certamente, logo estará ele apaixonado pela matemática.

bjs.

CESAR CRUZ disse...

Cacá

Fantástica a história deste Rodrigo Inácio, um brasileiro com tantos outros, mas que soube/ precisou abrir os olhos e assim se aculturou, e hoje é um outro homem, por causa da cultura (literatura, no caso).

Eu também achava que poesia era coisa de viado, preciso confessar. E, confesso também, há um lado rude, bárbaro dentro de mim, que ainda acha. Com o tempo aprendo!

abço grande!
Cesar

Alexandra Lopes Da Cunha disse...

Bárbaro!
Adoro a Piauí e leio sempre que posso.
Tomara que o Inácio, que curiosamente tem um xará famoso que também foi metalúrgico, mas que nunca quis estudar, que tinha preguiça de ler consiga fazer a tão sonhada faculdade de letras.
Obrigada pelos elogios e parabéns de volta!

MA FERREIRA disse...

Olá Cacá!!!

Adorei seu conto.

Se tem algo que admiro são pessoas sensíveis. Independente de sexo.
Acho muita ignorancia associar a sensibilidade poética de um homem com viadisse.
Quem disse que a sensibilidade é coisa exclusiva da mulheres?
Acho lindo homem romântico, que não tem medo de mostrar toda sua sensibilidade.

Um bj..

Cissa Romeu disse...

Oi Cacá, tudo bem?
Muuuito boa a história do Rodrigo Inácio.
Mas o que é o ser humano, se não um ser num ato constante de poesia? Mesmo que não se perceba, ou sequer se tenha consciência.

Bela postagem!
Grande abraço!

Ah! Obrigada por me colocar na tua lista de leituras de blog!

Aleatoriamente disse...

Cacá que passeio literário, fiz aqui junto a Inácio.
Amei o texto e Drummond se destacou aqui, de um jeito tão doce e lindo.
Os outros autores tão queridos meus, também fizeram desse texto, um caminhar poético.

Beijinho amado.
Fernanda

Anônimo disse...

E eis que a poesia conquistou um durão... As palavras são lindas, e amar/gostar/conquistar inspira sempre.

Bjs!!

Celina disse...

Oi Cacá amigo bom dia, é de muita valia o teu comentário primeiro como amigo muito querido , segundo o teu preparo dentro das letras, se vc gostou só me deixa feliz pelo qual estou agradecendo. quanto o preconceito com os poetas existe e existirá sempre, não tam nem explicação, será a sensibilidade que eles tem de valorisar as coisas belas, enquanto muitos olham o mar e só ver o mar mesmo, uma flor não passa de uma flor, uma noite luar, um amanhecer e o entardecer com a sua nostalgia, graças a esse anjos que nos ajudam descobrir e admirar o que antes ignoravam, bemdito poetas.Cacá existe nas profissões tambem. nos cursos universitários, letras, enfermagem,propaganda, e po ai vai, o meu neto caçula está fazendo propaganda, markting os irmãos fica gozando com ele, ele náo dá bola, tem certeza que é macho. é o que basta.Inventam tudo isso a maioria com ciúme, e outros por pura gozação mesmo.O meuu abraço Celina

Celina disse...

Oi Cacá amigo bom dia, é de muita valia o teu comentário primeiro como amigo muito querido , segundo o teu preparo dentro das letras, se vc gostou só me deixa feliz pelo qual estou agradecendo. quanto o preconceito com os poetas existe e existirá sempre, não tam nem explicação, será a sensibilidade que eles tem de valorisar as coisas belas, enquanto muitos olham o mar e só ver o mar mesmo, uma flor não passa de uma flor, uma noite luar, um amanhecer e o entardecer com a sua nostalgia, graças a esse anjos que nos ajudam descobrir e admirar o que antes ignoravam, bemdito poetas.Cacá existe nas profissões tambem. nos cursos universitários, letras, enfermagem,propaganda, e po ai vai, o meu neto caçula está fazendo propaganda, markting os irmãos fica gozando com ele, ele náo dá bola, tem certeza que é macho. é o que basta.Inventam tudo isso a maioria com ciúme, e outros por pura gozação mesmo.O meuu abraço Celina

Vivian disse...

Bom dia,Cacá!

Nossa adorei a história!!!
Preconceito seja qual for sempre é ruim, e a maioria é por desconhecimento!
Ainda bem que apesar disso o personagem descobriu um mundo novo!!Ah!!Como seria bom se mais pessoas se abrissem assim para a leitura...
Beijos pra ti!!

Anônimo disse...

Cacá. Lembrou-me a Bíblia quando diz: "A sabedoria dos homens é loucura para Deus e a de Deus loucura para os homens". Por vezes (tantas) a literatura é vista como aberração. Abraços!

mundo azul disse...

________________________________


...que beleza! Para desenvolver o bom gosto na leitura, é necessário persistir e não ter medo de escolher... Ninguém é obrigado a gostar da leitura, só por que a maioria gosta.


Gostei da história do Inacio!


Beijos de luz e o meu carinho...

_________________________

Mariazita disse...

Olá, Cacá
Muito obrigada pelas boas vindas.

Gostei muito deste texto. Faz-me pensar em quantos valores se perdem, uns por preconceito, outros por falta de oportunidade.
Por sorte isso não aconteceu com o Rodrigo Inácio.
Infelizmente ainda há muito quem pense que "isso de poesia" é coisa de gay. Entretanto, eu considero-a uma forma de escrita bastante difícil, mais do que a prosa.
Tenho muita pena de não saber escrever poesia. Escrevo uns versos de vez em quando - até já publiquei alguns no meu blog, com o pseudónimo de «Maispa» - mas não os considero poesia a sério.
Deixo isso para os Poetas :)

Uma semana feliz. Beijinhos

Leninha Brandão disse...

Boa noite,amigo Cacá!!!

Que história comovente,fiquei encantada com a persistência do Rodrigo Inácio...belos os caminhos percorridos por ele e sua tenacidade o levará longe.

Bela escolha de texto,amigo.Parabéns.

Bjssssssss fraternos,
Leninha

Rô... disse...

oi meu querido,

o primeiro desafio foi vencido brilhantemente pelo Inacio,
agora o desafio são os números,
não me surpreenderia se logo,logo,
se transformar num grande matemático...
adorei a história toda...

e muito obrigada por seu carinho,
nesses últimos dias...
beijinhos

Lilian Ferreira disse...

A poesia nos transforma, nos humaniza! Uma vez por semana, ou a cada quinze dias, levo uma ou duas poesias pra sala de aula e peço pros alunos lerem e comentarem. Penso que assim, desperto-lhes algo que nem imaginavam ter a ver com história. Esse texto é ótimo! Vou recomendar.

Lívia Azzi disse...

Muito bom! Muitos descobrem os prazeres da leitura como Rodrigo Inácio, por intermédio do amor. Para entender o que sente, para dedicar versos bonitos para alguém, para encantar através das palavras. Daí “o feitiço vira contra o feiticeiro”, no bom sentido, a pessoa é a que se encantada pela magia da literatura. Um caminho sem volta, uma perdição!

Lívia Azzi disse...

Cacá!!!

Que legal!!! Adorei as fotos do lançamento do seu livro na Leitura e na Bienal!! Que delícia!!!

Queria tanto ter ido em BH e no Rio...

Abraços!!

Miriam de Sales disse...

Linda estória!
Veja o poder do amor e dos versos e das palavras feito poesias de encantar.
Um grande abraço,amigo.

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