Todo ano no carnaval era o mesmo rito. A mulher ia com a filha pequena para a sua cidade e ele, trabalhador de turnos de revezamento, não folgava nem um só dia do feriadão. Nem por isso perdia a balada, ou melhor, a batucada. Ainda mais sem vigilância qualquer. E carnaval
Eli era seu companheiro nas mesmas condições. A diferença era que seu filho era homem e a vantagem é que possuía um carro, a mobilidade necessária e agilidade indispensável. Moravam na cidade vizinha e a empresa não perdoava atrasos nem faltas ao trabalho nessa época do ano. Tinha muita chefia que emendava o feriado e a peãozada tinha que garantir a produção. A imprensa vive de pau nos feriados nacionais. Dizem que o país pára. Quem trabalha em indústria e serviços sabe que é uma mentira deslavada e maliciosa.
Mas voltemos às meias. Até umas duas horas antes de encararem uma nova jornada ficavam ali pelas ruas, sobe e desce ladeira, pula, canta e dança e depois soa na consciência o aviso do relógio de ponto. Hora de ir em casa, tomar um rápido banho e enfrentar o batente, afinal, homens de ferro (trabalhavam na mineração) não são só diversão. Pois foi num daqueles dias que o cansaço e a semi escuridão se juntaram à pressa e não deu sequer tempo de tomar um banho. Erraram a hora e foi o suficiente apenas para vestir rapidamente o uniforme na penumbra e sair voando estrada afora para não chegarem atrasados. O Eli lhe esperava na porta e ainda teria que passar em sua casa antes para fazer o mesmo procedimento.
Deu certo. O relógio registrou os pontos exatamente às sete horas e nem um minuto. Foi até um alívio, já que havia a tolerância (?) até as sete e dez. Só foi dar conta da trapalhada ao ser motivo de chacota entre os colegas. Não entendia por que todos riam tanto de sua aparência. Uma pausa para ilustrar melhor a triste figura: era muito alto e suas calças de uniforme sempre eram mais curtas que as pernas, deixando as meias às vistas. Olhou-se no espelho, procurando um despenteado, uma cara suja de creme dental, alguma marca que despertasse tanta ironia. E nada. Só depois de sentar para preencher uma ordem de serviço recém concluída é que foi notar. Na pressa em casa, havia revirado a gaveta (errada) em busca de meias. Calçou a primeira que encontrou. Era um lindo par de meias de crochê, alaranjadas, de sua mulher.
2 comentários:
Fala, Cacá! Desculpe aí o meu sumiço!
Sabe o que eu mais gostei desse texto? "A imprensa vive de pau nos feriados nacionais. Dizem que o país pára. Quem trabalha em indústria e serviços sabe que é uma mentira deslavada e maliciosa."
Pois é. E sem falar que existem setores da indústria e comércio que lucram bastante com eventos em feriados. O Carnaval em Salvador é oportunidade de emprego pra muitas pessoas.
Mas, sacumé né...esse povo "oropeu"...uhauhaha!
abs!
hahahahaha Excelente causo, Cacá!
Estes contos de carnaval sempre dão no que falar... :)
Ana Letícia
www.mineirasuai.blogspot.com
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