Coceira nas mãos: dinheiro; coceira no dedão do pé: chuva; coração apertado: mau presságio; uma orelha quente: alguém falando mal; duas orelhas quentes: alguém falando mal e outro alguém defendendo (ou então pode ser febre mesmo). Esses conhecimentos antigos vão sobrevivendo no tempo das adivinhações modernas e continuam a ter seus adeptos. A tecnologia não acabou ainda com o folclore, graças a Deus.
O que não perde espaço por nada desse mundo é o presságio. Tem pessoas que se sentem avisadas por algum mensageiro do além ou por uma força extra-sensorial de que realizar determinada tarefa ou praticar um ato qualquer deve ser evitado quando sentem um aperto no peito, indicando que algo pode dar errado. O contrário também faz parte desse contrato informal com o subconsciente. Em ambos os casos, não é raro haver algum interesse escondido por trás do pressentimento. Uma desculpa para se ver livre de alguém ou de alguma situação desagradável cai bem com uma saída diplomática dessas. Afinal quem será capaz de ir contra um mau presságio? E se der errado mesmo? O remorso, o sentimento de culpa... É o tipo do argumento no qual ao mesmo tempo se descarta logo de cara qualquer possibilidade de se fazer aquilo que não se tem vontade, sem desagradar a quem quer que seja. E de quebra, ainda sair agraciado com a fama de predestinado, caso ocorra alguma coincidência com o que foi pressentido. Do contrário, se nada de ruim ocorrer ganha-se pelo menos o respeito e a garantia da continuidade das relações, a velha política da boa vizinhança. Desde tragédia com avião até ganhar prêmio de loteria, todo mundo já ouviu algum caso de que alguém foi avisado antes. Se não conseguiu evitar ou tirar a sorte grande foi por não terem lhe dado ouvidos ou deixado de apostar. De vez em quando ocorrem problemas de interpretação que, como se fazem com os sonhos, a coisa se dá ao contrario do pressentimento ou não tão bem à maneira decifrada pelo pressagiante.
Já estava com tudo preparado para aquela viagem de férias que me consumiu ansiedade de um ano e me fez reduzir gastos até onde não mais poder para que não tivesse que fazer essa redução durante o descanso na praia. Uma vez por ano, pelo menos dava para dar uma esbanjadazinha. Passei o dia inteiro entre uma tarefa e outra no trabalho trocando idéias com os colegas sobre a viagem, minha expectativa, o aluguel da casa para quinze dias, e nas rodas, o Waldemilson, só observava a tudo calado e com reticências no olhar a cada frase que ouvia. Disse no final de expediente que precisava falar em particular comigo e propus após o trabalho. Não deu as caras até a manhã seguinte, quando bem cedo arrumava as coisas no carro, que bagagem de pobre tem que começar a ser arrumada é com muita antecedência para caber tudo direitinho. Aí ele aparece antes do sol. Até assustei e achei que pudesse ser algo grave mesmo a ponto de ter que interromper ou adiar o passeio.
-Rapaz, você tem mesmo a certeza de que precisa fazer esta viagem?
- Ô Waldemilson, precisar, assim de necessidade urgente, não, mas, cê sabe, férias são só trinta dias... Por que a pergunta?
-Desde o primeiro dia que te ouvi falando dessa praia que tem uma coisa me incomodando...
- O quê, quer ir também? Já fui logo de gozação.
- Falo sério, é um sentimento esquisito, umas coisas querendo e não querendo me dizer ao mesmo tempo, um aperto danado, um sufoco.
Pensei logo, agora vai minha viagem pro ano que vem. Deve estar precisando de algum emprestado, recebi as férias...
-Tá precisando de algum para emergência?
- Que isso, cara, graças a Deus, tá tudo em ordem. É sobre a sua viagem mesmo. Melhor você não ir...
-Tá doido, sô, se eu falar isso aqui em casa vão me internar e arranjar outro motorista. Tá todo mundo esperando isso faz tempo!
- É que eu gosto muito de você e de sua família e fico com medo de acontecer alguma coisa ruim...
- Só se for chuva os dias todos, vira essa boca pra lá.
Nisso já estava todo mundo acomodado e minha filha começa a se impacientar
-Ô pai, anda logo, que eu quero pegar uma onda hoje ainda!
Despedimos ali não sem seus conselhos premonitórios de: vá devagar, cuidado com as crianças no mar, não exagere na bebida e pá, pá, pá. Fui tentando não pensar naquilo, mas com uma pulga atrás da orelha e com a vigilância redobrada, porque independente do receio, o cuidado é que nem canja de galinha... Foi um dos melhores passeios que já tinha feito e por cima, sucedido de um achado. Lá pelo terceiro dia, voltando da praia para a casa num fim de tarde, vi uma sacola esquecida na areia com uma linda máquina fotográfica dessas profissionais, com uma objetiva do tamanho de luneta. Como não havia mais ninguém por ali, levei-a comigo e tornei a trazê-la durante o resto da permanência para ver se aparecia o dono reclamando sua falta. Não acorreu e acabei tendo que ficar com ela sob o risco de dar a algum esperto que se proclamasse proprietário, como quase sempre ocorre com os objetos encontrados à mercê da sorte. Tirava fotos com uma nitidez de dispensar fotógrafo profissional, a não ser para um melhor ângulo.
De retorno à cidade, nem esperei pela volta ao trabalho para lhe contar as novidades. Como fez comigo, fui até sua casa – não tão cedo como ele – relatei a calma viagem e mostrei o achado. Espantado com minha integridade morena, sem um arranhão sequer, foi logo dizendo ao olhar a bela máquina:
- Eu sabia! (Com cara pensativa e procurando uma saída honrosa).
- Sabia o que Waldemilson?
- Uai, vai ver, então, que o que eu senti foi o dono dela se afogando.
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