domingo, 18 de maio de 2008

OBELA

Era uma vez uma vaca que se chamava Obela. Chamava não, ainda chama. Está vivinha e acaba de ser vendida por R$1.729.000,00. E só a metade. Qual será essa metade? A quem pertence a cabeça, seu guia visual a ensinar por onde andar, o que comer, onde pisar? E o rabo, quem governa, quem fica com o estrume de ouro? É, por um preço desses, seu esterco deve adubar milhões de hectares numa só cagada! E a picanha, meu Deus?

Eu a vi na televisão, tem uma corcova cujo cupim deve dar, magros, uns cinco quilos. Mas como fazer um churrasco? A vaca vale, pelo critério da venda, mais de 3 milhões. Não dá para engolir uma carne dessas. Dá dor na barriga e mais ainda na consciência. E o leite então? Já deve sair em milk shake com o sabor que você der a ela para comer. Só não pode dar gelo para sair já em forma de sorvete. Imagine gripar uma vaca dessas! É caso de polícia, justiça e denúncia nos órgãos mundiais de proteção aos animais dotados de poderes extraordinários.

Precisará de um seguro de vida e guarda costas, chifres e dorso, vinte e quatro horas. E juiz de plantão para um habeas corpus em caso de alguma ameaça iminente. Nem que seja ameaça de um boi sem pedigree querendo cruzar. Já pensou uma jóia dessa solta no pasto dando mole para qualquer boizinho? É bom que o dono da outra metade esteja sempre na boa com seu sócio e nenhum dos dois pense em loucuras como querer doar óvulos, dar seu leite aos pobres, se desfazer de sua parte ou levá-la para comer braquiária ou capim meloso.

E a picanha, hein? E a picanha?

3 comentários:

Cecília disse...

Pois é, tio Cacá, e eu até acho que "Obela" é um nome muito chinfrim pra uma vaca de R$3 milhões. Deveria se chamar "Omaravilhosa", ou "Olinda", pelo menos!

Ah, e como assim ela não tem sobrenome?! Que descuido do criador!

paulo adão disse...

Zé Cláudio,

Para alguém que põe um preço desse numa vaca enquanto nos vêem vís, lembro Mario de Andrade:

Insulto ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas as chuvas dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!


Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiuguiri!

Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!

_ Más nós morremos de fome!

Come! Come-te a ti mesmo, oh! Gelatina pasma!
Oh! Purée de batatas morais!
Oh! Cabelos na ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódios aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Paulo Adão

Marcio JR disse...

Desejar a picanha do próximo é pecado? rsrsrs.

É pra ver, Cacá. Quantos valores estão invertidos nessa nossa terra tupiniquim. Uma vaca que trabalha em novela e ganha 700 reais por dia, a outra que vale mais de 3 milhões de reais, e o povo por aí, trabalhando de sol a sol e tendo que fazer das tripas coração para sobreviver...

Mas, voltando para a Obela e seu milk shake, não precisa, necessariamente dar gelo para ela comer se quiser sorvete. Basta pegar o gelo e enfiar no... é... na... quer sabe? Bota ela sentada no balde de gelo... rsrsrs.

Maravilha de crônica, Cacá.

Abraços.

Marcio

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