Antes de sonho da casa própria eu sonhava com bicicleta. Olhando hoje para trás acho que são as duas coisas que me inteirariam na vida como realização. A casa por poder colocar nela tudo que construí na vida que não tinha lugar; e tudo o que viesse a construir depois de minha independência que precisasse de um lugar. A certeza de que dali eu poderia ir e voltar para outras aventuras na vida. Era meu habeas corpus sem delito. Não sei se é eufemismo chamar também de cidadania financiada. Um lugar para morar que não fosse mais a casa de meus pais ou a incerta locação, que só nos diferencia de um morador de rua, pelo endereço fixo, porém provisório. Sempre provisório. E eu precisava de coisas definitivas. Tem umas coisas na vida que é bom que sejam definitivas. Para o desequilíbrio de vez em quando as emoções bastam.
Na infância, a bicicleta representava essa consciência que só agora remeto de volta para ela, longínqua, mas boa de se reviver. A bicicleta simbolizava um equilíbrio, uma liberdade esvoaçante, um poder que quando aprendemos a andar sozinhos ainda não temos noção exata dele.
Eu já desejei uma monareta, já quis uma de freio contra-pedal (máximo em eficiência nas derrapagens), conhecida como camelo. Mas não deu, quer dizer, não ganhei. Há pouco tempo, peguei uma que minha filha abandonou num canto (esta já moderna, de marchas e tudo), dei-lhe uma boa lavada e resolvi seguir os conselhos do médico para me exercitar. Minha aventura inicial foi reveladora. Acho que fiquei com trauma de infância. No primeiro dia, cai em uma boca de lobo sem tampa e estraguei a cara toda, esfolei os braços e joelhos e xinguei, xinguei meu pai muito. E não desisti. Comprei uma nova diante do estado de sucata em que a outra se transformou. A lagoa da Pampulha tem uma ciclovia em seu entorno e eu comecei a fazer o trajeto com a minha companheira nova. Na primeira semana, no finalzinho do percurso, me desequilibrei e caí a ponto de não aguentar me mover. O senhor de me acudiu, deu umas balançadas no meu braço, ajeitou meu ombro e disse que havia apenas uma luxação. Até agradeci achando que fosse um médico caminhando por ali. Não agüentei voltar montado para a casa e vim empurrando, sentindo uma dor que disputo com qualquer mulher que já teve parto normal qual dor é mais doída. Se bem que a do parto vale a pena. Cheguei ao portão e não tive forças para abri-lo. Minha mulher veio em meu socorro e viu meu ombro direito parecendo que tinha um mastro sob a camisa. Quando olhei no espelho é que descobri que o moço não era médico. Já no hospital foi diagnosticada a olho nu uma fratura exposta, agora sim por um médico do ombro, que me remendou com dois parafusos, 40 dias de tipóia, mais 90 dias sem fazer qualquer movimento brusco com o braço direito. Fiquei só sonhando com bicicleta, do lado esquerdo, uma vez que não podia dormir do outro lado. Diante dos apelos familiares para que abandonasse de vez essa malograda aventura, respondi igual a jogador de futebol contundido: “assim que o departamento médico me liberar eu e meus companheiros vamos dar tudo de si.” Tenho pedalado por ai em meu sonho de menino.
1 comentários:
Nossa, nem me fale em bicicleta, tenho boas e más recordações! rsss. A sensação de liberdade terminando com quedas homéricas kkkkk também, moleque arteiro que só adorava disputar corridas com os outros nas (ainda!) ruas com pouco movimento de carros.
Numa dessas eu quase me dei mal de verdade, coisa pra cumprimentar São Pedro, mas é uma longa história...rss!!
abs
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