domingo, 23 de agosto de 2009

TRABALHO INFANTIL

Eu tô tentando fazer uma crônica sobre o trabalho infantil. Fico imaginando uma forma de dizer umas coisas de modo que não seja confundido com defensor da prática e abominado pelos meus poucos leitores, de quem eu gosto e prezo muito. E das crianças também eu gosto demais. É que atualmente a gente mal pode chamar atenção dos filhos pequenos de forma mais ríspida, falar de respeito, de bons modos em público. É risco iminente de ser confundido com uma pessoa cruel, ser ameaçado de linchamento ou de conselho tutelar ou ainda polícia, diante de uns mais exaltados.


O fato é: eu vendi picolé e engraxei sapatos na minha infância, a partir dos 10 anos mais ou menos. Ufa! Falei. E já que falei, é bom dizer também que já lavei uns carros de cunhados e tios para ganhar uns trocados. Ajudava também o seu Mindinho, coitado, todo fim de tarde vinha bêbado cambaleante para casa e a meninada o ajudava a subir o morro e chegar inteiro em troco de umas moedas. Ele nunca recusava, coitado. Seu Mindinho era um homem muito bom, pai do meu colega de escola.


Só mangas que eu não vendia. Lá em casa tinha dois pés enormes e minha mãe não deixava vender de jeito nenhum. Era dádiva da natureza, - ela dizia - tinha que dividir com quem viesse pedir. Mas do picolé acho que sabia. Tanto que ameaçava a mim e ao meu irmão: - Se vocês passarem aqui na porta vendendo alguma coisa, vão levar uma boa surra! Os outros trabalhos que fazíamos a gente não contava nada.


Ora, nove irmãos numa mesma casa! A diferença entre o mais velho e o mais novo era de treze anos apenas. Então, já viram a escadinha, né? É muita demanda infantil além das obrigações de dar comida, roupa e escola. Os trocadinhos que a gente queria ganhar era para não ter que pedir ao pai (se bem que não fazia diferença, não ia ter mesmo!). Era para poder ir ao circo de vez em quando, ao cinema, comprar umas revistinhas em quadrinhos. Um kichute novo para jogar bola e as guloseimas no boteco da dona Maria Gorda. Paçoca, pé de moleque, maria mole, pirulitos, balas e chicletes. Coisas básicas.

Tinha uns trabalhos infantis que eu não gostava de jeito nenhum, mas fazer o quê? Matar a minha mãe de tanto trabalhar? Tinha que arrumar a própria cama, lavar o prato em que comi, passar uma vassoura na casa e no quintal, buscar lenha no mato (é, tinha fogão a lenha) e outros trabalhos que criança nenhuma gosta de fazer.


E sabem que olhando hoje para trás eu não me senti explorado? Aprendi até a cozinhar! E ainda tomei tanto gosto pela coisa que a cozinha é meu lugar predileto. Enquanto não estou aqui falando de trabalho, tô lá, trabalhando para alimentar a mim e a minha família, com um prazer que dá gosto de ver (e de provar, já me disseram).

4 comentários:

Jaime Guimarães disse...

Cacá, tenha certeza de uma coisa: escreveu uma excelente crônica!

Sabe o que é? É o patrulhamento, é o politicamente correto, é a cambadinha que pensa que entende sobre o ECA e quer "causar" por aí.

Claro que sou contra o moleque com 10 anos quebrar pedra nessas pedreiras perdidas pelo sertão brabo; claro que desejo ver as crianças nas escolas - mas que escola é essa?

Ora, quem conta as histórias da infância e adolescência: meu pai e meus tios. Eles, para irem à escola, percorriam a pé 5 km pra ir e mais 5 km para voltar; à tarde, davam alguma ajuda na roça e no curral; no comecinho da noite, sob a luz do lampião, faziam as lições.

Ninguém morreu por isso, ninguém perdeu a infância, todo mundo brincou, ninguém foi explorado, nada, nada disso.

Cresceram todos com responsabilidades e passaram isso para os filhos e sobrinhos.

Hoje, se mandar um menino ir à esquina buscar um saco de arroz, já é considerado "exploração infantil".

Pro inferno esse patrulhamento todo!

abs!

Anônimo disse...

Cacá,

Como o Groo disse, é "cumu" eu.

Sabe quando eu falei uma vez de escola integral? De manhá teórico e a tarde técnica. Já que os poderes constituídos não promovem integração, poderiam deixar a esperi~encia dos antigos fazerem sua parte.

Como você posta, como Jaime comenta, tenho o maior prazer de lembrar que trabalho desde os meu sete anos. Comecei levando a "Boia".

As vezes alguns pais de família me pedindo pra eu deixar seu filho ficar por aqui se ocupando para aprender alguma coisa, tenho que dizer não. Não por mim, a Lei poderia não entender.

Show de bola sua postagem....

Abs

Unknown disse...

Cáca estou passando aqui novamente para deixar o meu abraço e as minhas sinceras considerações, vai em frente seja resistente e não para não meu primo.

Unknown disse...

Cáca,muito bom esse relato dá uma noção pra gente de dignidade de uma pessoa que é agente da sua própria historia pode está certo que eu me orgulho muito de ser seu primo.

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