quarta-feira, 4 de junho de 2008

A BOLA

Outro dia caiu aqui no terreiro uma bola meio murcha que cheguei a pensar que algum menino tinha dispensado por ter ganhado uma nova ou por ela não prestar mais nem para um futebolzinho de rua. A cachorra já tinha até levantado as orelhas de satisfação achando que havia sido presenteada com um brinquedo novo. Fui correndo lá salvá-la de seus dentes depois que dois meninos tocaram na campainha e me agradeceram com um efusivo ‘Valeu aí, véi’, acompanhado de olhos arregalados diante da ameaça do estraçalhamento pela cadela indomável e brincalhona. Aí, voltei longo tempo em que tinha um campinho onde passava a maior parte de tempo disponível para brincar lá no bairro Campestre na minha Itabira. O moço que morava bem em frente a uma das laterais do campo era tão mau com crianças e tinha uma cara tão emburrada que esqueci seu nome e também o faria se lembrasse tantas vezes, quantas foram as bolas que vimos se perderem em suas mãos. Era só alguém dar um chute desses de zagueiro que não brinca em serviço ou errar a direção do gol, que não tinha perdão. Caía em sua garagem e só eram devolvidos os pedaços, acabando com nossa pelada ou jogo de torneio sério de bairro.

Acho que o método de investigação foi descoberto pelas crianças e copiado pela polícia ou então, a tese do olho por olho, já vem no sangue. Ensinaram religiosamente para nós darmos a outra face, mas sempre dávamos um tapinha antes. Ou depois. Todo carrasco tem um ponto fraco e descobrimos o seu rapidamente.

Pois ele tinha um filho e um táxi. O menino além de tudo era miudinho e bom de bola. Rogério, magrinho, canhoto e escorregadio no jargão futebolístico. Passou ser a maior vítima de faltas necessárias e desleais cometidas para vingar as bolas que seu pai destruía. Bom era que ele achava ser perseguido em campo por causa de suas habilidades. Eram as duas coisas. Mais vingança que falta de recurso na bola.

Custava tanto ganhar bolas de presente. Eram caras e já estávamos naquela fase em que as de plástico, as dente de leite, baratinhas, não atendiam mais os anseios nossos de criar intimidade com as G18, de couro e só usadas por iniciados no trato com um futebol mais elaborado. Meu pai comprava até escondido de minha mãe para nós por causada confusão que vinha ao se saber o preço. O moço rasgava. Sem dizer palavra, sem xingar, sem mostrar a cara no portão, sem que tivéssemos quebrado um vidro de janela, já que as suas possuíam grades. Simplesmente, rasgava e jogava os gomos sobre o portão. Era mesmo um algoz, um inimigo da infância.

Bem, o táxi era nossa a senha para a vingança maior. Esse moço tinha um emprego durante o dia e saía rigidamente todos os dias ao cair da noite para ganhar mais alguns com seu carro de praça. Esperávamos à hora do jantar e das novelas, quando a rua ficava naquele silêncio televisivo e enchíamos o buraco do cadeado do portão com areia grossa bem socada com prego. E não tinha alegria maior que passar lá perto no dia seguinte a caminho da escola e ver que o carro havia amanhecido na rua e, à tarde ele colocar outro cadeado novinho à espera de nova bola rasgada para ser novamente trocado. Não sabíamos da equivalência de preço bola versus cadeado, mas tava dado o troco. Bem feito, quem mandou mexer com criança feliz!

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