sábado, 12 de dezembro de 2009

UMA CRÔNICA FÚNEBRE

Dois amigos, companheiros de trabalho de longos anos, cansados de pressões por resultados alheios e da espera por reconhecimento de resultados próprios abandonaram a empresa onde trabalhávamos e foram seguir a chamada carreira solo. Abriram duas funerárias em suas cidades de origem. O primeiro, deu-lhe um nome sugestivo: Funerária Vai com Deus; o segundo apesar do nome não ser tão comovente adotou uma forma insólita de captação de clientes. Passou a cumprimentar seus afetos com um sonoro “quando vai?” no lugar do tradicional “como vai”.


Um curioso símbolo dos tempos de rapidez: as propagandas dos serviços funerários. Deixar tudo prontinho antecipadamente, só faltando enterrar o morto para não atrapalhar o andamento da vida. Compre já o seu plano e não deixe transtornos para sua família, alem das dívidas ou heranças.


Um menino ensinando o avô a andar de bicicleta;

- Olha, Vô, eu vou te segurar, você vai pedalar e pronto! Pedala Vô, pedala!

- Ah, eu sabia...hahaha! diz o Avô, entusiasmado com o reencontro com a meninice.

Aí entra o locutor dizendo:

- Olha a vida lhe ensinando de novo! Funerária Bom Destino; garanta já o seu futuro. Estranho, não?

E que tal sofrer uma reparação estética digna de celebridade (???) antes de entrar no caixão? Uma funerária no Brasil possui serviços de acompanhamento do féretro numa limusine, serviços de eliminação de rugas e maquiagem para remover a palidez além de preenchimento do corpo com silicone no caso do defunto ter se tornado muito magrinho, tudo do mesmo jeito como se faz com um procedimento de plástica em vida. Há ainda tratamento de cabelo e manicure.


A morte é um conceito, segundo os especialistas, um evento quase festivo. Para legitimar já existe até a ASFUNÉRAS , uma associação de funerárias com status de entidade de classe. Imagino que toda essa pompa deve obrigar também aos frequentadores de velórios a gastarem uma fortuna com a apresentação. Imagine aparecer em mangas de camisa, calça jeans e tênis num lugar desses! Acho que nem o defunto vai receber bem.


Há um desafio enorme a ser vencido. Superarmos a tentação que a publicidade nos impõe o tempo todo em troca de pensamentos mais úteis do que adquirir coisas. Acho que não tem é sobrado tempo. Enquanto não se está trabalhando para garantir a sobrevivência, está se debatendo com as formas de gastar o seu dinheiro ou de ganhar mais para absorver tudo que é necessidade que se cria para a vida. Como se ela fosse acabar se você não adquirir isto ou aquilo. Então, nada mais justo que até na morte essa tentação lhe acompanhe. Em paz e na riqueza eterna. Ah, humanos!

4 comentários:

Natália Valarini disse...

Bom dia, Cacá!

Encontrei o seu link no Grooeland (blog do Jaime) e fiquei curiosa pelo título, vim conferir.

Adorei o texto!

Meu pai vivia brincando que, quando morresse, poderíamos colocá-lo num saco preto, jogar num buraco e pronto. Obviamente, quando ele faleceu, tentaram fazer um enterro simples, digno.

Enquanto isso, outros fazem planos, compram caixões e guardam em casa. Enchem a boca para falar dos gastos astronômicos com a própria morte.

É quase um ultimo prazer, antecipado em vida.

Kiso

Analista de sua própria vida disse...

O que mais se pode esperar da humanidade, que há todos os instantes é capaz de retirar sem a menor cerimônia o simbólico de nossas vidas? É difícil constatar, mas determinadas coisas parecem não ser mais importantes, viraram circo. Lamentável.

Miriam de Sales disse...

Tem um bom slogan:
Funerária Sorriso,sua tristeza é a minha alegria...
Amei a crônica;só vc p/tornar interessante até a Magra; bjs

Adh2BS disse...

Boas tardes!
O assunto nada tem de fúnebre - se me permite o reparo. Como dizia o filósofo popular, "a morte é a única certeza que a gente tem na vida". Então, por que dramatizar? Em 1987eu estava em Salvador e, em frente a uma funerária havia uma placa de trânsito com o seguite dístico: "embarque e desembarque de hóspedes". Não é poético?
Grande abraço,
Adh

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