domingo, 13 de abril de 2008

INVENTAR BRINCADEIRA

Quando não podíamos sair para brincar na rua por algum castigo ou impedidos por chuva, últimos quatro da lavra dos nove filhos santos e adão, costumávamos ficar eu, o Walter a Néa e a Nina, no alpendre de casa fazendo disputa de adivinhar o carro que iria passar na rua. Papel e lápis nas mãos, cada um escolhia um modelo e ficava na sua ansiosa torcida para o pequeno trânsito lhe favorecer com a opção. Tinha fusca, kombi, corcel, variant, jeep, opala, rural willis... Não valiam mais gordini, aero-willis, vemaguete e simca que já estavam saindo de linha e havia poucos em circulação também. Caminhão podia qualquer um, uma vez que eram minoria na frota e custavam a passar. Havia Fenemês, Mercedes, uns poucos Chevrolet e raros Ford. O fusquinha era um caso à parte. Para tê-los nas apostas, era obrigatório escolher uma cor para dar mais oportunidade a outro jogador fazê-lo também. Eles eram em número muito superior a qualquer outro carro. Assim, se fizesse essa opção tinha de estabelecer: eu quero azul, o outro, verde, outro, vermelho, e assim por diante para ninguém ficar em desvantagem na brincadeira. Ganhava aquele que anotasse o maior número de carros passados em um determinado tempo. Esse tempo era ditado pelo momento que a mãe chamasse para almoço, jantar ou banho. Ou ainda quando um espertinho em vantagem inventasse uma dor de barriga ou trapaça semelhante e saísse jogo declarando vitória. Distração não era perdoada. Era antes, um recurso que usávamos para fazer o concorrente levar barrigada. Pançada era mais precisamente como dizíamos.

Duas coisas que estimulam muito a sociabilidade e a criatividade infantis são a fartura de irmãos ou amigos e a carência material. Inventávamos brincadeiras bacanas sem precisar do pai gastar um tostão. Quer dizer, gastávamos lápis e papel para as anotações. Reais e fraudadas. Há poucos dias, passava num bairro aqui perto, naqueles em que as crianças ainda podem brincar nas ruas aos domingos, e a sobrinha que me acompanhava, viu um menino desembestado rua abaixo num carrinho de rolimã, adaptado com um pedaço de cadeira de plástico como assento e ela achou radical, irado. Foi ai que eu falei a ela sobre a criatividade...

Ultimamente tem sido difícil brincar dessas coisas. Difícil até conhecer tantos carros. Os que existem no presente, amanhã já são outros. Cores de mil tons, marcas das mais variadas. Viraram brinquedos só de adultos. Eles ao volante, poderosos, rápidos nas ruas e em quantidade que os olhos nem conseguem acompanhar para a cabeça fazer a contagem. E as crianças em frente à tv e ao computador, brincando de procurar amigos que nunca vêm e nunca vêem, brincando de lutar e guerrear, derrotando os inimigos que lhes botaram na tela. Os da vida elas vão treinando para daqui a algum tempo...

1 comentários:

Sóira Celestino disse...

Prezado Cacá,


Agradeço pela divulgação da minha entrevista. Senti-me lisonjeada e privilegiada com sua iniciativa.




Sóira Celestino

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